Sintetizar os temas de Ad Astra: Rumo às Estrelas seria um tremendo erro de minha parte. Não só por menosprezar o ótimo trabalho do diretor James Gray, mas também por querer simplificar questões que exigem engajamento do espectador para decifrá-las e compreendê-las. Portanto, é bom deixar claro que o filme aborda diversas temáticas difíceis para serem absorvidas de uma vez, e que devem impactar as pessoas de modos distintos. Mesmo assim, há alguns momentos que devem nos tocar de uma maneira muito semelhante, porque condizem com a nossa necessidade inerente de autoconhecimento.
O filme tem Brad Pitt como o protagonista Roy McBride, um astronauta altamente competente e que guarda uma influência familiar dentro do trabalho: seu pai. Interpretado por Tommy Lee Jones, Clifford é um dos astronautas mais conhecidos na história americana por seus trabalhos referentes à exploração de vida extraterrestre. Após anos dado como morto, o governo adquire pistas de que ele possa estar vivo, – além de ter relação com uma possível ameaça à Terra – e decide enviar o próprio filho para tentar se comunicar com o pai.
A sequência que presenciamos a partir daí é a jornada íntima de Roy em busca do pai, mas também à procura de respostas em relação a si próprio. E esta é uma beleza nítida na trama de Ad Astra, porque apresentas duas jornadas que se complementam, mas partem para objetivos diferentes. Enquanto um se esforça e trabalha para alcançar um conhecimento que vai além da humanidade, o outro encontra-se em resolver sua própria humanidade.
Este esforço de Roy é o que garante a intensidade da dramatização da história. Desde os primeiros minutos, o personagem narra sua história e transmite um estado vazio emocionalmente. Seu olhar, suas expressões, e até mesmo a forma de andar, não conversam com o prestígio que ele tem nas divisões da NASA. Há um incômodo constante pouco explicado, criando uma atmosfera claustrofóbica ao seu redor. Em todo momento ele quer fugir, escapar daquela vida, e o filme nos mostra tantas memórias e pensamentos do protagonista, que nos impede de definir sua agonia.
Brad Pitt está tendo um grande ano. Após uma interpretação maravilhosa em Era Uma Vez em Hollywood (2019), aqui, o ator transforma-se em um ser que sempre está com a aparência de derrotado. O drama do personagem tem influência quase total do ator, porque este entrega uma performance formidável, conseguindo espelhar as indignações do personagem e sua profunda dor emocional. Explicando a expressão “quase”, a direção de Gray não pode ser ignorada de maneira alguma, porque é a que sustenta tecnicamente essa prisão psicológica.
A maneira de extrapolar os usos do primeiro plano e do primeiríssimo plano ressalta a importância de sentirmos seus dramas. O filme vai e volta várias vezes com flashbacks que retomam a relação entre Roy e sua mulher (Liv Tyler), além daqueles que juntam ele e o seu pai na infância. Me lembrou na hora das cenas de A Chegada (2016), que também se utiliza de flashbacks para sensibilizar a vida da personagem e aproximá-la para com o público. E a montagem não para por aí, porque intercala nos momentos corretos diversas cenas desconexas, mas que criam a cadeia psicológica que Roy está. Ele precisa escapar.
Focando em uma abordagem mais técnica, Ad Astra pode cometer alguns erros científicos, mas cinematograficamente tem uma condução brilhante pela constituição das cenas. A fotografia de Hoyte van Hoyteman destaca a saturação de cores específicas, aplica certas luzes e sombras em cenas mais amplas e gerais e, embora o diretor abuse das sombras nos rostos dos personagens, cria uma passagem interessante e significativa no terceiro ato. Há, também, movimentações e ângulos de câmera que se conversam durante o filme, – e você deve ficar atento – mas seria spoiler se descrevesse-os aqui.
Outro ponto fortíssimo é a concepção de cenários, que remete um pouco ao 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e ao Solaris (1971). Há uma brincadeira de cores em determinada parte que se assemelha ao recente Blade Runner 2049 (2017). Existe a adição de surpreendentes cenas de ação, que, além de serem bem gravadas e conterem uma brutalidade marcante, dão um contraste com a trama rígida e reflexiva.
Chegando no terço final do longa, o filme estava me parecendo um pouco desgastante e, mesmo estando fascinado, senti que o final estava prestes a não entregar nada. Erro rude, porque é aqui que nós partimos da jornada íntima de Roy para um dos temas centrais de Ad Astra. A relação entre Roy e Clifford serve como instrumento para nos levantar questões acerca da busca pelo conhecimento. Afinal, o que buscamos de verdade? De onde surgiu a necessidade instantânea de conhecermos o universo, e de expandirmos horizontes? Seria algo bom realmente? Mais dúvidas e dores? Mais respostas duras para enfrentarmos?
A viagem para o desconhecido, o descobrimento da extensão do universo, a imposição da racionalidade humana diante dos segredos das galáxias, não parecem ser um caminho fácil. E Ad Astra demonstra, com a jornada de Roy e a sua relação paterna, que talvez já tenhamos as respostas, mas não conseguimos enxergá-las, ou, na verdade, nunca quisemos entendê-las.