O que torna uma personagem interessante? A resposta é conflito porque nós somos comovidos pelos atos grandiosos, mas por dilemas e a superação deles. Há quatro tipos de conflito na ficção: Indivíduo contra indivíduo, sociedade, natureza e ele mesmo. Apesar da não predominância de desafios externos, há diversos internos para Rey, a protagonista da última trilogia de Star Wars. Tais quais: A sensação de abandono, insegurança, a necessidade de aprovação, pertencimento e a busca por identidade. Logo, através deste longuíssimo artigo, nós discutiremos a jornada de Rey, de ninguém, à Palpatine e à Skywalker.
“A Força desperta…”
A introdução de Rey é brilhante. Composta por quase nenhum diálogo, a contextualização do seu cotidiano é perfeita. Porque o entendimento é imediato: Ela é uma catadora sobrevivente solitária, ganhando um quarto de porção por dia. Apesar da solidão e tristeza, o tema composto por John Williams é ingênuo e pacífico. Os desejos da personagem são expostos visualmente, seja pelos números riscados em um AT-AT, ou a maneira como observa as naves que deixam Jakku. Entretanto, só será verbalizado quando ela é atraída para a aventura por BB8: “Eu sei tudo sobre espera. Pela minha família. Eles voltarão. Um dia.” A partir dessa fala, a esperança dela é compreendida por nós, mesmo com uma trágica realidade por trás.
Quando o planeta é deixado por ela em prol da missão, Rey ascende socialmente: Ela faz amizade com Finn, um stormtrooper desertor, e uma breve figura paterna é descoberta em Han Solo. Durante a cena do compressor, outra característica é exposta: A necessidade de aprovação, nesse caso, de Solo. Assim como um auto desprezo: “Eu sou apenas uma catadora.” Há também um senso de deslumbramento constante na personagem, não apenas quando avista um planeta repleto de verde, contrário ao seu planeta desértico. Assim como quando as histórias sobre a Força, os Jedi, os Sith e Luke Skywalker são confirmadas. Novas possibilidades estão abertas a ela, através da proposta de emprego por Han e a missão da busca pelo mapa. Conforme apresentado pelo filme, ela é extremamente habilidosa como catadora, piloto e até mesmo, mecânica. Por que ela não aceitaria a oferta?
Porque na filosofia de Rey, se, após a missão, ela não voltar para Jakku, não estará lá para o retorno de seus pais. Ao mesmo tempo em que o desejo é fruto de um otimismo, é um fator de um repulsão. Caso ela retorne, não crescerá como pessoa, ou descobrirá quem ela é. Através disso, a personagem será forçada ao afastamento de uma realidade anterior e lançada diretamente a uma nova. A protagonista é atraída pela própria voz, ao desconhecido. Quando ela é chamada pelo sabre de luz dos Skywalker, as visões mostram a ela um inevitável pedaço do seu passado: O seu abandono.
Mesmo com a explicação de Maz Kanata sobre a Força, Rey está assustada. Assim como toda jornada de herói, há a negação ao chamado à aventura. Todavia, a decisão não é apenas fruto da sua vontade. Maz diz: “Você já sabe a verdade. Quem quer que esteja esperando em Jakku, não retornará.” A partir desse momento, é compreendido a negação da personagem pela verdade, uma caraterística constante nos próximos filmes. A promessa foi uma mentira contada por ela mesma a fim do ocultamento traumático e as consequências disso. Por isso, a música da personagem é triste e ao mesmo tempo, feliz, a representação sonora do otimismo como instrumento de negação. Ou seja, Rey não acredita no próprio potencial.
Perdida, ela foge para a floresta, mas é capturada por Kylo Ren. Durante a cena de interrogação, ela é menosprezada pelo vilão: “Você. Uma catadora.” Assim como tem suas fraquezas reveladas por ele: “Você é tão solitária. Tem medo de sair […] e Han Solo, você o vê como o pai que nunca teve.” Kylo está certo de que ela não resistirá, assim como ocorrido com Poe no início do filme. Entretanto, a tortura mental é resistida e a Força é utilizada pela primeira vez por ela. Ela inesperadamente “devolve na mesma moeda”: “Você tem medo de que nunca será forte como o Darth Vader.”
A perseguição da Millenium Falcon em Jakku, mostra inicialmente, Rey sem noção de direção, mas no decorrer da cena, ela aprende como pilotar a nave até dominá-la. Logo, se o fácil aprendizado da personagem é perigoso, com a Força, será ainda mais. É o que acontece quando ela convence um stormtrooper a libertá-la através de um truque Jedi da mente. Ela não sabe se irá funcionar, mas o faz mesmo assim e obtém sucesso na terceira tentativa. Agora, livre, e com a noção de algo em seu interior, ela não é mais uma catadora, mas uma força a ser temida.
Como Kylo disse: “Ela está testando seus poderes. Quanto mais demorarmos para encontrá-la, mais poderosa ela se tornará.” Chame Rey de Mary Sue, eu não ligo, mas é honestamente incrível e empoderador, ver uma mulher escapando com seus próprios recursos porque ela é uma sobrevivente, enquanto os homens tentam resgatá-la, no caso de Finn e Han, ou sequestrá-la, no caso de Kylo. Mesmo com as habilidades utilizadas, ainda não há compreensão sobre elas.
Mais tarde, no segundo e último confronto em uma floresta, o sabre dos Skywalker é chamado por Kylo, mas só atende o chamado de Rey, ainda incerta, mas seguidora de um instinto. Ela o ataca, mas foge, assim como em Takadona, até ser levada à beira da morte, em que o inimigo declara a si mesmo como um professor. Os conselhos de Maz finalmente são seguidos por ela: Os olhos dela são fechados e a Força desperta nela por definitivo. A sensação de superioridade masculina do vilão cai por terra ao ser superado por uma simples catadora, a qual via-se da mesma forma há algumas horas, mas agora, com a sensação de que há muito mais a ela do que uma vida em um planeta deserto.
A vitória é ainda maior quando Rey é enviada para Ahch-To, vê a ilha em seus sonhos e encontra Luke Skywalker. É um momento de extrema importância para o personagem: As lendas, as histórias tornam-se real e ela é parte delas agora. Não há mais uma realidade anterior para retornar. Como Maz disse: “O pertencimento que você busca não está atrás de você, mas à frente.” A resposta é assumida por Rey: “Luke.” Talvez ela esteja errada e o sucesso seja uma ilusão.
“… a última Jedi…”
Quando ocorrem discussões sobre a trilogia sequela, costumo apontar que esses filmes são propositalmente metalinguísticos por serem uma análise da memória coletiva de Star Wars. Se O Despertar da Força é a afirmação da saga como um fenômeno, através de Rey, uma fã das histórias assistidas por nós, Os Últimos Jedi irá além e questionará essa admiração através de uma quebra das expectativas, a qual é comum com todas as personagens durante a narrativa, mas mais centralizadas na nossa protagonista, com um arco dramático simultâneo a outros dois personagens: Luke Skywalker e Kylo Ren.
Durante a primeira cena dela, há uma sensação de vitória e sucesso, um otimismo, mas o encontro com o velho Jedi é filmado de uma maneira diferente: É mais impessoal, com um distanciamento maior e até mesmo uma trilha sonora decrescente. Mesmo assim, a personagem não está preparada para a rejeição dele. É como se o sucesso de alguns minutos atrás, perdessem o significado. Entretanto, o seu fracasso, não apenas com ela mesma, mas com Leia e a Resistência, é negado. Ela persistirá e o seguirá, até cair de joelhos, cansada, decepcionada e confusa com o não cumprimento de expectativas.
Novamente, a heroína é chamada ao desconhecido, dessa vez, até uma árvore com a incisão de luz sobre os textos Jedi, é possível a argumentação de que isso é a representação de seu futuro, já que eles são utilizados no nono filme. Luke finalmente aproxima-se e pergunta sobre o propósito dela. Uma motivação ideológica é dada: “A Resistência me enviou.” É como se uma adolescente tentasse esconder os seus sentimentos. Logo após, a motivação pessoal finalmente é admitida: “Algo dentro de mim, sempre esteve lá e agora despertou. E eu estou com medo. Eu não sei o que é e o que fazer com isso.” Logo, o maior desejo de Rey é um guia para a autodescoberta na Força.
Luke é apenas desenvolvido como um personagem por causa do passado e indiretamente, por causa de Rey. Apesar de ter concordado em ensiná-la (Depois de uma chantagem emocional do R2D2), há a necessidade da provação sobre o fim dos Jedi. Logo, duas lições relacionadas a esse ponto de vista são ensinadas para a personagem. Se pudesse descrever Rey em um adjetivo, provavelmente seria ingênua. De acordo com o dicionário: “Que possui inocência e simplicidade; que não possui malícia.”
Em decorrência disso, a visão de Rey em relação aos Jedi, à Força, são básicas e talvez, romantizadas. Durante a primeira lição, essa simplicidade é demonstrada quando é dito: “É um poder que ajuda os Jedi a controlarem mentes e fazer coisas flutuarem.” Algo o qual Luke imediatamente discorda devido aos seus anos de experiência. Não é sobre levantar pedras, a Força não é um super-poder e não pertence aos Jedi. Pela primeira vez, Rey está conectada ao seu interior espiritualmente, em paz e liberdade: A ilha, a vida, a morte, a luz, a escuridão, os ciclos dessas relações finalmente apresentados a ela. Mas ela é tentada pelo lado sombrio, ao não conter-se diante do desejo e necessidade. O passado ainda vive em seus pensamentos.
Enquanto a primeira foi sobre a democratização da Força, a segunda é sobre a desconstrução da romantização da Ordem Jedi. Luke os aponta como um legado de fracasso, mas há discordância por Rey: “A galáxia talvez precise de uma lenda” e o acréscimo de seu desejo: “Eu preciso de alguém que me mostre o meu lugar nisso tudo.” Ela até mesmo o lembra de Vader. Ironicamente, há uma crença absoluta na ideia de que Kylo é o culpado: “Kylo falhou com você. Eu não irei.” A sua necessidade de aprovação faz-se presente novamente e Luke, diferente de Han, está espantado com a determinação da jovem. Todavia, se uma há de conhecer a verdade, deve conhecer todos os aspectos sobre ela. O que leva ao outro lado do arco dramático compartilhado: Ren.
De acordo com os sofistas, a verdade é um conceito relativo: O que é para um, pode não ser para outro. No roteiro por Rian Johnson, há duas verdades sobre o mesmo acontecimento: A de Luke, a de Kylo e a ouvinte, em conflito com uma resposta definitiva: Rey. Como os dois lados são necessários, a díade é criada com o propósito narrativo da desconstrução da simplicidade na mente dela e a construção de ambiguidade. Mesmo com ódio dela por ele, a inevitável conexão, a cada cena, os tornam mais íntimos.
Queira ou não, o vilão é o responsável pela mudança de visão de mundo da protagonista. Conforme dito pela atriz Daisy Ridley no documentário The Director and The Jedi: “Luke realmente deveria estar estimulando, mas é Kylo quem o faz.” Novamente, a necessidade de uma família em decorrência do seu abandono é apontado como uma fraqueza, apesar da negação dela. Além disso, há uma resistência em acreditar no ponto de vista dele sobre Luke. Na filosofia dele: “Deixe o passado morrer. Mate-o se for necessário. É a única forma de tornar-se quem você está destinada a ser.” (Ele está errado no final)
Movida pela confusão e necessidade, Rey adentra ao desconhecido novamente, agora, em busca de respostas. Se a árvore era a representação de seu futuro, a caverna é o passado. Durante uma sequência psicodélica, com múltiplas versões suas enfileiradas, ela é chamada por uma voz feminina e levada até o espelho, até o fim, sem pânico, ou medo, como se ela esperasse por um destino. “Meus pais. Deixe-me vê-los.” – ela solicita, mas só lhe é concedida a própria reflexão. Ela precisa descobrir quem ela é, por ela mesma. Sem a compreensão disso, ela está devastada, sem respostas e tão sozinha quanto a sua infância em Jakku. Logo, em seu momento de desespero, a única possibilidade de confissão é com o “monstro”.
Como descrito por Johnson no áudio-comentário do filme quando Ben e ela tocam as mãos: “A noção de que ela vê essa oportunidade nele e talvez, algo além disso.” A partir desse momento, a segunda verdade é finalmente revelada a ela e confrontada contra Luke. Se antes havia ódio pelo aprendiz de Snoke, agora há a compaixão, mas ela ainda precisa da verdade. Neste momento, quando ele nega-se a aceitar o sabre novamente, é perceptível a ela: Se Luke não é a esperança da Resistência, talvez Ben seja. Um Skywalker de sangue por outro. Ela é novamente guiada por esperança, assim como quando chegou na ilha e o último Jedi é deixado com uma lição a ser refletida: Não é tarde demais para ele.
Apesar do perigo, da incerteza, ao dirigir-se até uma armadilha, os ideais de Rey são prevalecentes, assim como suas expectativas devido ao seu coração otimista e a visão do futuro dele: “Ben, quando nós tocamos mãos, eu vi o seu futuro. Apenas uma parte dele, mas sólido e claro. Você não ajoelhará-se perante ao Snoke. Você mudará. Eu o ajudarei.” Entretanto, a crença dele é contrária, devido às respostas possuídas sobre os pais dela. Rey imediatamente recua quando ele diz: “Eu vi quem são seus pais”, pela resolução ter sido negada por ela. Através disso, há uma obviedade não dita sobre o término dessa sequência.
A expectativa dela sobre a redenção dele é fortalecida quando Snoke é morto e os dois unem-se contra inimigos. Após o final da violenta e enérgica colaboração, a preocupação imediata dela é com os resistentes. A fim de manipulá-la emocionalmente, Rey é forçada por Kylo a revelar a “verdade” negada por ela sobre os pais dela: “Eles eram ninguém.” O trauma do abandono e a quebra da ilusão de uma predestinação, ou de um lugar nesta história. Ela é menosprezada novamente por ele, dessa vez, não chamada de catadora, e sim, nada. Aliás, também há decepção com a escolha dele.
Pela primeira vez no filme, Rey não estende a mão esperando que alguém a pegue. As suas vulnerabilidades não são interferentes aos seus ideais, os quais permanecem mesmos durante o todo filme, enquanto os de Luke e Kylo, indiretamente influenciados por ela, são invertidos e enquanto eles lutam contra os seus demônios, as pedras são levitadas por ela em Crait e a sua visão ingênua é afirmada não como um equívoco, ou uma fraqueza, mas como o caminho certo.
Se antes a crença era de que eles eram a esperança, agora é finalmente descoberto: Rey é a esperança e o pertencimento realmente não estava atrás, mas à frente: Em Finn, Poe, BB8, Rose, Chewie, a Resistência e principalmente, Leia, a única personagem que pega a mão dela como um guia para um futuro mais brilhante e esperançoso: “Nós temos tudo o que precisamos.” – a general diz para a garota segurando o sabre partido em duas metades, Mas de alguma forma, Palpatine retornou.
“… para ascender como uma Skywalker.”
Apesar dos motivos errados para um retcon relacionado à linhagem (Ela é poderosa por causa dele, ur dur), a personagem da Rey não foi arruinada, ou profanada, ou destruída em A Ascensão Skywalker. Muito pelo contrário. Visto que os desafios internos ainda estão ligados ao seu cerne: Família, o medo da solidão e o encontro do coletivo e principalmente, a busca por identidade. Além disso, é a melhor performance da Daisy Ridley no papel e é impressionante como a linguagem corporal é uma excelente transmissora da evolução da nossa heroína.
Se antes era tão incerta sobre a levitação de pedras, agora é uma tarefa fácil. Rey é reintroduzida conforme foi vista pela última vez: Com tudo o que ela precisa. O pertencimento foi encontrado na Resistência, tal qual uma figura materna/mestre: Leia. A zona de conforto foi encontrada pela personagem, ela finalmente está perto de conseguir tudo o que mais desejava. Entretanto, dentro de uma história, conforto nunca é duradouro para uma protagonista. Logo, conflito é necessário e as questões internas devem vir à tona.
Através da cena do treinamento, a base dramática perfeita é solidificada por três emoções. Primeiro, a insegurança, presente quando ela acredita que é impossível comunicar-se com as vozes dos antigos Jedi. Segundo, o medo, proveniente de visões sobre um futuro sombrio e eventos traumáticos do passado. Terceiro, a sua raiva, enquanto ela destrói o droid de treinamento, ela também deixa uma árvore cair em BB8. Pode parecer bobo, mas é eficiente para a construção de que Rey não é apenas um perigo para a Primeira Ordem, mas para os amados por ela também.
A necessidade de aprovação também é um elemento compartilhado com os dois filmes: Se no VII, era Han, no VIII, Luke, agora, no IX é Leia, quando é dito por ela: “Eu não quero ir sem a sua benção, mas eu irei. É o que você faria.” Não apenas isso, há indícios do retorno de um auto desprezo por conta do fracasso como por exemplo quando ainda é sentida a necessidade de merecimento sobre o sabre Skywalker, mesmo que o objeto tenha chamado por ela há muito tempo. É importante lembrar que ela também é assumidora do papel o qual seria desempenhado por Luke: A esperança de uma rebelião. Logo, é totalmente coerente a vontade dela em finalizar a jornada do Mestre Jedi para encontrar Exegol sozinha, para não deixar os amigos dela saírem feridos.
Contudo, A Ascensão Skywalker é um filme sobre coletividade e eles escolhem acompanhá-la na missão. Cabe ressaltar que o trio é a melhor decisão tomada em relação à história e as interações entre ela, Poe e Finn são muito bem escritas. Antes de deixarem Aj Kloss, Leia, ciente das inseguranças da sua aprendiz e das suas reais origens, aconselha: “Rey, nunca tenha medo de quem você é.” Algo não compreendido pela Jedi inicialmente.
Quando é testemunhado por ela o festival de Aki Aki, é afirmado: “Eu nunca vi nada como isso.” Mesmo estando um ano fora de seu planeta, esses momentos simples ainda são encantadores para Rey. No primeiro filme, foi Takodana, com uma paisagem esverdeada. Em Os Últimos Jedi, gotas de chuva e aqui, uma celebração. Ainda durante essa cena, há um set up importantíssimo para o final da história. É questionado a ela o seu nome e após isso, o nome da sua família. É tão sútil como a trilha por Williams e a atuação de Ridley são novamente transmissores de um otimismo como esconderijo de uma tristeza. “Eu não tenho um. Sou apenas a Rey.” – é respondido por ela com um sorriso forçado. Ela não se sente ela mesma.
Como mencionado anteriormente, raiva é uma das três principais emoções a serem lidadas por ela nesse filme. No fim de Os Últimos Jedi, os destinos de Rey e Kylo Ren divergem completamente. Enquanto ela olha para o futuro, ele continua estagnado, falhando em matar o passado. As consequências emocionais desse ato de separação são transmitidas pela raiva dela. Sob um certo ponto de vista, a ideia de trazer o capacete de volta, é uma metáfora visual mais eficiente às sensações da protagonista do que as do antagonista. Porque é uma retomada da ideia inicial dela por ele: Um monstro. Tal qual visto em suas visões, a maligna proposta de Kylo ainda está viva na mente dela, tal qual o trauma do abandono.
No documentário The Skywalker Legacy, Chris Terrio diz: “E se a sua alma gêmea na Força fosse o seu inimigo? Circunstâncias o colocam um contra o outro, mas a Força os une. Eles entendem um ao outro sob o ponto de vista e mesmo assim, destino os fez inimigos.” Ao mesmo tempo em que ela é atraída pela conexão, no instante em que avista a nave dele, ela imediatamente o ataca. É importante lembrar que ela é pressionada por ele ao lado sombrio, para descobrir a verdade sobre ela mesma, ou pelo menos, aquilo a verdade dele sobre ela. Quando é informada de que Chewie está dentro de um dos transportes, ela imediatamente tenta puxá-lo, mas Ren opõe-se a ela e a competição torna-se tragédia, quando raiva é materializada através de um raio.
Mesmo que não tenha sido exatamente a responsável por isso, como o seu melhor amigo Finn aponta, ela culpa a si mesma. Ela comenta sobre as visões do trono do Sith em que ela está sentada ao lado do Líder Supremo. Apesar de não ser exposto no filme, é interessante como ela desesperadamente ansiava por um destino, mas aceitou o fato de não possuir um. Agora, o desejo anterior é realizado, mas parcialmente. Porque não há uma grandeza positiva como resultado final, apenas uma negativa. Ela está destinada para o mal, mas ainda não sabe o porquê, ou de onde ela veio.
Assim como o passado não está quite com a galáxia, também não está com Rey. Durante a missão, a nave procurada por ela é a mesma em que seus pais partiram e algo horrível foi feito com o uso da adaga Sith. Entretanto, esses objetos serão re-significados: O primeiro, o lugar em que eles morreram e o segundo, como eles morreram. Ela já descobriu, mas a negação sobre o passado, tornará a admissão mais difícil. Novamente, ela será pressionada a enxergar as coisas como são: Os pais delas foram assassinados e ela é uma Palpatine de sangue.
Durante toda a sua vida, Rey mentiu para ela mesma sobre ter sido abandonada, mas sempre sentiu que foi. Agora, a descoberta de que ela não foi deixada como lixo, mas protegida e todo o amor o qual poderia ter recebido, foi tomado dela pelo próprio avô, pelo próprio sangue. Conforme visto nos episódios anteriores, família sempre foi a vulnerabilidade dela. Logo, a reação dela , a essa retirada de seu desejo, a torna irreconhecível: “Ele matou meu pai e minha mãe. Eu encontrarei Palpatine e o destruirei.” Pela primeira vez, o lado pessoal da heroína fala muito mais do que o ideológico. É tudo sobre vingança agora, mas não é perceptível a ela. Se ela não fizer isso sozinha, os amigos dela sairão machucados.
Em Kef Bir, Rey separa-se do grupo. Nem mesmo a maré alta a impede de adentrar na Estrela Morte. A personagem parece ter regressado aos seu estágio inicial: Sozinha, escalando escombros imperiais. A heroína é chamada ao desconhecido novamente. Antes, pelo o sabre dos Skywalker, agora, o localizador Sith. A personagem já foi de encontro à escuridão em Ahch-To (Há espelhos também), mas não amedrontada como agora, com a materialização da sua visão sombria: A Imperadora Palpatine, a qual compartilha das palavras de Leia: “Não tenha medo de quem você é.” É isso quem ela é?
Não obstante, ela é ainda mais pressionada por Kylo: “Olhe para você. Queria provar à minha mãe que era uma Jedi, mas acabou provando outra coisa.” O discurso dele não é interessante à Rey, o localizador nas mãos dele sim e ele tira isso dela. Ela é consumida pela raiva absoluta e um duelo é iniciado. Rey está cada vez mais distante de quem ela é. A cada golpe contra Kylo, há raiva, fúria e talvez ódio por todos os atos dele contra ela. É interessante como o cansaço dela é visível à medida que a batalha torna-se mais intensa e os movimentos, mais lentos e desordenados. Pela primeira vez, derrota parece próxima.
Mas a interferência de Leia não apenas a salva, como também o faz com Ben. Infelizmente, não é perceptível a ela o ato de sua mentora e no momento mais crítico e sombrio, Rey esfaqueia o seu nêmesis. É como se Leia fosse assassinada pela própria aprendiz e nesse momento a verdade recai: Ela tornou-se o que ela nunca foi. Arrependida, ela cura aquele que provocou muita dor a ela, porque ela é compassiva. Ironicamente, o ato é remetente a uma cena anterior do filme, em que uma serpente ferida é curada por ela. Ainda mais irônico, é o fato dela ter chamado o neto de Vader de “cobra assassina” em Os Últimos Jedi.
Após um momento de puro instinto como uma sombra, Rey exila-se em Ahch-To. Alguns disseram que Episódio IX não é uma sequência do anterior, mas esta cena prova ao contrário. Porque há um lindo complemento na relação entre ela e Luke. Se no filme anterior, os atos dela são inspiradores para uma auto reflexão sobre os medos dele, agora ele fará o mesmo por ela. É como poesia, rima. Yoda disse: “Ben Solo você perdeu. Perder Rey não devemos.” Ele finalmente torna-se o que ela esperava dele: Um mentor.
“Passe a ela tudo o que você aprendeu […] o maior professor o fracasso é.” Ambos já estiveram no mesmo lugar por medo, mas do que Rey tem medo? Dela mesma, da escuridão dentro dela, de como pessoas ao redor dela estão em risco, mas principalmente por ser uma Palpatine, uma herdeira do mal definitivo. Entretanto, o espírito, o coração, é o que Leia viu nela. Durante a vida dele, Luke viu o sobrinho com o sangue Skywalker ir para o lado sombrio. Logo, resta apenas uma lição, a mais importante para a decisão da heroína no final: “Algumas coisas são mais fortes do que sangue.”
Se Rey não se considerava merecedora do sabre a ponto de até mesmo jogá-lo longe (tal qual Luke), agora, o sabre de Leia também será concedido a ela e a jornada dela para se tornar uma Jedi será finalizada ao lado dos seus mestres, metaforicamente. A missão é obviamente aceita porque ela jamais mediu esforços para ajudar os outros. Agora, o futuro dos Jedi, não como uma ordem, mas como um conceito de heroísmo, está em suas mãos. Quando chegou à ilha, estava dentro de um caça Tie, ao deixá-la, pilota um X-Wing, um dos seus sonhos de infância. A mensagem é clara: A pureza é a vencedora. Não é mais sobre vingança, é sobre confrontar o medo.
Não há mais volta quando o trono dos Sith está à sua frente. O objeto de sua visão é real, assim como o homem responsável por todas as desgraças ocorridas em sua vida, mas não há mais chances de ser tentada ao lado sombrio porque ela já ressurgiu das suas inseguranças e erros. “Tudo o que você quer é que eu odeie, mas eu não irei. Nem mesmo você.” Apesar de Palpatine tentar usar o trauma contra ela, ele não consegue porque já foi usado contra ela tantas vezes. Só resta finalmente a consideração pelo sacrifício dos que a geraram: “Meus pais eram fortes. Eles me salvaram de você.”
Assim como Snoke subestimou Kylo, o Imperador subestima Rey ao acreditar que ela abraçará a linhagem sanguínea. Entretanto, ele desconhece o verdadeiro poder dela: Os seus simples atos de bondade. Graças a eles, os seus desejos e expectativas do último filme são validadas no ato final: Não apenas Luke serve como uma guia, mas Ben Solo retorna à luz para salvá-la. As vozes do Jedi são finalmente ouvidas por Rey e nada mais parece impossível.
É a carta de amor à coletividade. Se ela era solitária, agora há a descoberta de que ela nunca esteve sozinha, na Força. Porque eles ouvem o chamado dela por ajuda. Estes são os últimos passos para tornar-se uma Jedi. Os dois sabres Skywalker são empunhados por ela e com a ajuda daqueles que vieram antes, ela deflete os raios do seu avô contra ele mesmo, contra o ódio dele. É defesa, não ataque, como uma verdadeira Jedi.
Quando Rey morre aliviada por ter salvado os seus amigos e é ressuscitada por Ben, é um ato de retribuição. Se analisarmos, Episódio IX é também sobre como a compaixão de Rey movimenta a história e outros personagens: Ela cura uma serpente e isto inspira BB-8 a religar D-O. Porque Rey oferece a ele conforto, ele encontra algo em comum com Finn: Saudades dela. Por causa disso, o droid ajuda a Resistência com informações sobre a frota. Quando Kylo é curado por Rey, ele não entende o porquê. Entretanto, na última cena entre os dois, ele finalmente entende o que ele deve fazer e tem a força para fazer: Uma vida por outra. A conclusão da díade é através do ciclo de vida e morte. Gentileza gera gentileza.
É irônico e satisfatório ver a queda do último Destroyer da frota de Palpatine cair em Jakku. Porque ele é a razão para ela ter vivido toda a infância e adolescência dela naquele lugar, mas ele será esquecido como areia no deserto. Enquanto isso, Rey reencontra-se com a família dela: Finn , Poe, a Resistência. Ela essencialmente sempre volta para casa. Contudo, ainda resta algo importante. Durante a trilogia, Rey é chamada por tantos nomes: Catadora, a garota, nada e Palpatine. Kylo Ren e o Imperador assumem conhecê-la, a sua verdadeira natureza. Entretanto, como dito por ela: “Ninguém me conhece.” Não é sobre a aceitação do que é dito para ela, mas como ela sente-se sobre ela mesma.
Ela foi chamada pelo sabre Skywalker, mas sempre tentou retorná-los aos mestres dela devido à insegurança, apesar de merecê-lo. No início do filme, ela diz: “Eu serei digna do sabre do seu irmão. Um dia.” No fim, ela é digna do sobrenome. Ela escolhe o sabre de luz dela, composto por parte dos bastões dela, dourado, brilhante como ela.
Assim como os seus pais escolheram serem ninguém, ela também escolhe a identidade dela, com a permissão de Luke e Leia : “Rey Skywalker.” – ela diz confiante. Se antes olhava para naves esperando pela volta dos seus pais, agora, ela olha para o nascer dos dois sóis, uma imagem icônica da saga, tão alta quanto eles, para o futuro. Porque o pertencimento buscado realmente estava à frente dela.