“Noir é a entropia para a ordem da sociedade, a decadência de todos nós.”
Não teria melhor definição de Ed Brubaker para uma produção Noir e que venha casar tão bem com Ditadura no Ar: Coração Selvagem. A HQ é situada em uma época em que o Brasil vivia uma decadência de paz, liberdade de expressão e sensatez. Uma decadência que durante os anos, muitos tentam mascarar, ainda mais agora com o avanço das redes sociais e a inundação das fakes news. Uma montagem no Facebook, por exemplo, hoje em dia, para algumas pessoas, parece ter um poder maior na “educação” do que livros e professores de história. Ou um poder maior ainda de quem vivenciou e/ou sofreu realmente os fatos e não mascara a realidade deles. Mas contra esse inimigo comum que idolatra generais assassinos, que diz em alto e bom som que quem procura osso é cachorro e os asseclas que semeiam ódio temos produções como Ditadura no Ar.
Escrita por Raphael Fernandes e com desenhos de Rafael Vasconcellos, Ditadura no Ar começou a ser publicada como webtiras no site Contraversão. Naquele mesmo ano foi lançada em forma impressa, de maneira independente pelos autores, como uma minissérie em quatro partes. Em 2016 a editora Draco relançou em edição única com o título Ditadura no Ar: Coração Selvagem. Foi em 2016 que ela ganhou na categoria Melhor Minissérie, o Troféu HQ Mix, dividindo o prêmio com, a também minissérie, Pátria Armada de Klebs Júnior.
A trama conta a história do fotografo Félix Panta que tem que mover o mundo e enfrentar os milicos para encontrar a sua namorada Lenina, que foi presa pelo DOPS durante um protesto. Essa busca revela as entranhas, sensação de medo e sujeira de como os considerados subversivos eram tratados no pesadelo tenebroso que o país passou durante os chamados Anos de Chumbo. Ditadura no Ar: Coração Selvagem, traz Félix não como um herói paladino que enche o leitor de esperança de que tudo vai acabar bem. Em nenhum momento esse sentimento é repassado para o leitor. O clima da HQ, com a sua tensão esbofeteia para uma sufocante sensação de que o final feliz não estará lá.
E isso é o mais impressionante em Ditadura no Ar: Coração Selvagem. A sufocante falta de esperança.
Durante toda a saga de Félix, somos apresentados como a ditadura e sua caçada cheia de agonia influenciam as rotinas, as pessoas, as instituições educacionais, a imprensa livre (ou que tentava ser) e as famílias. E tudo é elevado ao extremo porque as pessoas que cercam o Félix sofrem mais as consequências. Tudo originado pela sua busca por Nina. E por mais amargurado, durão, destemido e sem medo das consequências que o protagonista seja, é nítido a forma que ele vai definhando com o passar da trama. E isso é sentido pelo leitor.
Como o clima Noir da arte de Rafael Vasconcellos em Ditadura no Ar: Coração Selvagem, é um personagem a parte. Você sente ele nas páginas. Tenso. Gritando. E é um personagem que relaciona perfeitamente com o roteiro do Raphael Fernandes e acaba gerando um relato perfeito sobre os Anos de Chumbo.
Ditadura no Ar: Coração tem formato 23,8 cm x 16,8 cm, 104 páginas e pode ser encontrado no site da Editora Draco e na Amazon Brasil.