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Dickinson é uma obra-prima atípica e que necessita de seu holofote

De tempos em tempos, vemos séries que são de deixar boquiaberto e que vicia o espectador, mas se comparar Dickinson, em sua primeira temporada, com qualquer outra, vai ver que há uma diferença enorme. Construída com tanto amor e paixão, e claro, com uma originalidade tão criativamente alucinante que faz jus ao trabalho e personalidade da poetiza moderna, Emily Dickinson.

A série se passa em um período de mudança nos Estados Unidos. Abolição da escravidão, a segunda revolução industrial e várias outras batalhas. Quando vemos uma época assim, pensamos que a série terá um tom de palavreados e músicas do seu respectivo tempo, e em alguns minutos dentro do primeiro episódio, podemos perceber que a série mergulha de cabeça no anacronismo. E a melhor parte, é que não é um anacronismo por conta de um roteiro ruim ou uma direção errônea, e sim, a série busca contar a história como se fosse da visão tão moderna de Emily, alguém que não se encaixava em um mundo tão fechado.

Para falarmos mais sobre a história, precisamos entender quem foi Emily Dickinson. Em toda a sua vida, não teve mais de 10 poemas publicados (e muitos deles foram anônimos, apenas anos após sua morte, sua família decidiu publicá-los), era alguém que miticamente consideravam solitária e reclusa, muito pressionada pela sua família por ter comportamento muito fora dos padrões femininos impostos nos oitocentos. Emily foi uma das primeiras poetisas LGBTQI+, e em sua poesia, conseguia trazer uma linguagem muito próxima a oral e tinha uma liberdade única que desprendia de padrões e fórmulas. Por Emily ser uma pessoa tão afrente de seu tempo, a série decide optar por trazer elementos modernos, e se encaixam perfeitamente, mesmo causando certo estranhamento no começo. E assim, conhecemos de forma muito bem humorada e delicada, a vida dessa enorme personalidade. O roteiro aborda cada um dos principais temas da vida da poetiza de forma muito boa e descontraída, com falas que deixam tudo mais engraçado; os roteiristas também sabem muito bem colocar os momentos certos e suas emoções, e principalmente conseguem colocar piadas atuais no contexto histórico da série de forma primorosa.

Falando de seu elenco, neles temos nomes conhecidos e alguns novos; e nenhum que vá te deixar desapontado. Nossa protagonista é a indicada ao Oscar, Hailee Steinfeld (Bravura Indômita, Quase 18, Bumblebee), que consegue dar uma das suas melhores atuações e realmente cria uma personagem tão complexa e divertida como a autora. Seu par romântico, interpretado por Ella Hunt (Os Miseráveis), consegue criar uma química ótima com Emily, mas não chega a prender o espectador.  E no elenco principal temos Jane Krakowski e Toby Huss como os pais de Emily, Adrian Enscoe e Anna Baryshnikov como os irmãos. O elenco é incrível e consegue ter uma ótima relação com os personagens, além de sempre conseguir com que seu tempo em tela seja muito bem utilizado.

Emily Dickinson, “The Greatest Freak of Them All”? | Public Books

Nos aspectos técnicos, a série também é impecável. Podemos começar com a direção de arte, que consegue trazer o passado de uma forma tão linda e também consegue misturar esse elemento com os pensamentos e a visão de Emily. A direção também não se deixa ficar de fora, com um trabalho perfeitamente alinhado com o roteiro e a fotografia, consegue adicionar mais na condução de criar algo novo, moderno e único.

Agora na parte que mais assusta, a suas músicas. É engraçado entrar no primeiro episódio e se deparar com A$AP Rocky e não com uma música instrumental da época, ou uma sonoridade ‘’antiga’’. Grandes nomes atuais da música marcam presença, como a cantora Billie Eilish. A música é, com toda certeza, um dos pontos mais divertidos e criativos de toda a série.

Voltando mais para a parte criativa da série, é muito bom ver como eles utilizaram os poemas da escritora de forma tão sutil, sendo títulos dos episódios, e mostrando os momentos de sua vida em que certo poema foi escrito. Em alguns momentos, mostram até o surrealismo de sua escrita usando efeitos especiais e momentos utópicos da mente de Emily, desde encarar a Morte, até ter uma abelha gigante como amigo. Nesse aspecto, a série lembra bastante o modelo criativo usado em Doom Patrol, o que se encaixa como um quebra-cabeças.

Em sua primeira temporada, Dickinson se provou ser uma obra-prima tão singular e imaginativa, que com toda certeza é um dos melhores coming-of-age já feitos, e uma das mais únicas biografias criadas. Em contrapartida, é triste ver como a série, assim como as obras da autora, parecem ter seu reconhecimento inexplorado pelo grande público. Assim como Emily escreveu,

“Eu sou Ninguém. E você?

É Ninguém também?

Formamos par, hein?

Segredo — Ou mandam-nos p’ro degredo.

Que enfadonho ser alguém!

Tão público — como o sapo

Coaxando seu nome, dia vai, dia vem

Para um boquiaberto charco.”

As vezes, é melhor ser invisível, e ser uma obra-prima, do que se deixar na luxúria da fama passageira.

 

Nota: 5/5

Dickinson já está disponível na Apple TV+.

A série começou sua segunda temporada no dia 08/01, e quando chegar ao seu episódio final, faremos uma crítica, então fique ligado na Torre de Vigilância!

Por Eduardo Kuntz Fazolin

"I dwell in Possibility" -Emily Dickinson

Graduado em Produção Audiovisual pela FAPCOM, amante de música estranha e gosto controverso para video-games. Meu amor em escrever sobre tudo isso, é o mesmo amor que Kanye sente por Kanye.