O que temos quando juntamos um samurai surdo, um gigolô de tapa-olho, uma ex-prostituta com dependência química e uma cidade regada pelo crime? A resposta (que bem que poderia ser um novo filme do Tim Burton, estrelando Johnny Depp) está na obra da mangaká Kohske.
Com seu primeiro volume lançado em 2011, Gangsta. (com o ponto, para alegria de Eurico Miranda) é um mangá que acompanha as vidas de Arcangelo Worick e Nicolas Brown na cidade fictícia de Ergastulum. Cidade tal que nos fica bem claro, logo ao início da narrativa, que não se trata de um lugar onde você gostaria de passar as férias: drogas e prostituição preenchem cada esquina; cartéis, gangues e máfia são os que mandam nas ruas; corpos derrubados em combate profanam vielas; o dólar-turismo está em alta, etc.
Uma adaptação para anime foi aprovada e, com a temporada de julho, nos trouxe as desventuras dos Handymen para as telinhas nipônicas. Dirigido por Shukou Murase (um pouco famoso por seu trabalho como roteirista de Samurai Champloo) e animado pelo não-tão-famoso estúdio Manglobe (que animou Deadman Wonderland; The World God Only Knows e o infame mas divertido Samurai Flamenco), Gangsta. aparece como uma opção que se destaca no cenário atual – que é dominado pelo “moe” e pelo apelo sexual desenfreado que está levando o Japão ao declínio populacional – por ser uma obra que, perdão pela liberdade tomada, eu não encontraria melhor descrição do que “Edgy“.
Os protagonistas, casualmente chamados de Worick e Nic, são conhecidos na cidade como os “Handymen” (um termo inglês para algo como “quebra-galhos” ou “faz-tudo”). Num lugar onde várias partes precisam trabalhar mutualmente, mas não conjuntamente, para manter um equilíbrio delicado de forças, um grupo neutro é essencial para limpar a sujeira daqueles que tentam abalar as bases do sistema. É exatamente aqui que nossos mocinhos entram: eles tomam serviços tanto da polícia quanto da própria máfia, para resolver qualquer perturbação da “paz”.
Logo no primeiro episódio, conhecemos Alex, uma prostituta que era forçada a trabalhar numa área próxima à base dos Handymen. Mais tarde, descobrimos que ela era empregada por um zé-ruela que tentou criar uma nova facção na cidade, rompendo o tão querido equilíbrio de forças. Após acabar com a ameaça, Worick decide por “levá-la como espólio”, e ela se junta ao grupo como secretária.
Se esse papinho de guerra de gangues, limpeza e corrupção não foi o suficiente pra te comprar, pode sentar que ainda tem muita coisa pra jogar no ventilador. Como se todo esse cenário torpe não bastasse, temos ainda um fator de ficção-científica na história: Em Ergastulum, existem os Twilights. Não, eles não brilham no sol. É assim que são chamados os homens e mulheres que possuem uma alteração genética, que lhes dá capacidades físicas sobre-humanas, em troca de possíveis deficiências corporais e uma vida bem mais curta que o normal.
Consequência (ou causa, ainda temos seis episódios para esclarecer isso) de um tipo de droga usada no passado durante uma guerra, os Twilights – também chamados de “Dog Tags“, por causa de suas identificações militares (veja imagem abaixo) – sofreram perseguições por parte dos humanos “normais”, e muitas questões éticas foram levantadas para chegar a algum lugar nesse conflito, embora não tenha dado muito certo. Por vários anos, os Twilights viveram num estado de escravidão; tendo poucos – ou quase nenhum – direito civil, totalmente subjugados pelos “normais”.
Foi só após proposta por parte de uma das três famílias, e muito bate-boca (a maioria resolvido na base da porrada) que os Twilights conseguiram voltar a sociedade – ou tentam. Caso respeitassem As três leis impostas a eles pelos “normais”, poderiam ter direitos – quase – iguais ao de qualquer humano (provável referência à Isaac Asimov, criador das leis da robótica).
Piadas a parte, Gangsta. se aproxima muito mais de filmes hollywoodianos de temática policial e toques cômicos (Como um Bad Boys um pouco mais sério) do que da mídia em que ele realmente se originou. Apenas o fato dos protagonistas serem homens formados, na casa dos trinta anos, já mostra uma distância entre os milhares de colegiais que normalmente vemos em animes salvando o mundo e desafiando leis físicas para cair em cima de peitos (e que não me levem a mal, eu gosto deles também!).
Com uma classificação etária de R-17+, o show não tem pudor e mostra cenas de violência explícita e sexo implícito (com o que a TV japonesa permite) ao longo de todos os episódios. Eles adoram te lembrar que essa cidade é o berço do caos e não medem esforços pra reforçar essa lembrança a cada cinco minutos.
E como não pode faltar, a trilha sonora de Gangsta. é sensacional. Confesso não ser o maior apreciador de músicas de fundo do mundo; mas as que estão presentes nesse show são muito bem colocadas, e aumentam a imersão no clima tenso que está quase o tempo todo presente. Mais importante para pessoas alheias e desinteressadas ao estudo musical (como eu sou), os temas de Abertura (“Renegade” por STEREO DIVE FOUNDATION) e Encerramento (“Yoru no Kuni” por Annabel) são muito contagiantes e emocionais (respectivamente, embora não exclusivamente).
Para não acabar transformando essa análise num resumo, deixo minha língua parar de correr por aqui. Garanto que só contei o essencial para te dar uma visão ampla do que esses seis primeiros episódios nos mostraram, e que sua experiência com a série será maravilhosa (se gostar da temática, claro).
Caso inglês não seja um problema, e você curta ficar na legalidade, o serviço de simulcast Funimation transmite os episódios nas madrugadas de domingo. Por mais que eu não seja fã da empresa (mas isso é assunto pra outra postagem) essa é a única alternativa.