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Demolidor de Mark Waid – Não há nada a se temer na luz

“Intencionalmente ou não, eu tendo a me manter nas sombras. Sempre tentei. E também tomo muitas decisões ruins. Talvez essas duas coisas não estejam totalmente desconectadas uma da outra. Posso ver isso agora. Que a luz não é algo que eu deva temer. Não mesmo. Digo, eu não posso enxergar, mas pelo amor de Deus, eu não sou CEGO.” – Daredevil vol.4 #18

Essa citação é da última edição do Demolidor do Mark Waid, e é uma síntese perfeita da passagem de Waid pelo personagem.

Em 2011, a Marvel relançou o quadrinho do Demolidor com o roteiro de Mark Waid e a arte de Paolo Rivera e Marcos Martin. Posteriormente, conta com a participação de outros artistas, como Mike Allred, Javier Rodriguez e Chris Samnee. Foi uma aposta arriscada, afinal, Waid veio com a ideia de transformar a revista do Demolidor em algo diferente do que vinha sendo feito com o personagem desde que Frank Miller reformulou o diabo de Hell’s Kitchen. E essa transformação funcionou, e muito bem. O título ainda levou alguns prêmios no Eisner Awards, que é o equivalente ao Oscar dos quadrinhos.

Antes de entender o significado do Demolidor de Waid, irei contextualizar as influências de Miller para o personagem.

O sucesso do Demolidor de Frank Miller e Klaus Janson, a minissérie Demolidor – O Homem sem medo e o famoso arco A Queda de Murdock, foi responsável por criar uma atmosfera sombria e uma zona de conforto para se escrever histórias do personagem.

A Queda de Murdock
A Queda de Murdock

Quase todo o material dos quadrinhos do Demolidor pós-Miller seguem uma fórmula de ATMOSFERA SOMBRIA + TRAGÉDIA COM ALGUMA NAMORADA DO MATT + DEMOLIDOR DEPRESSIVO (Chamarei carinhosamente de Fórmula Demolidor).

As fases mais notáveis pós-Miller são: Ann Noccenti e John Romita Jr., Kevin Smith e Joe Quesada, Brian Michael Bendis e Alex Maleev, e Ed. Brubaker e Michael Lark.

Essa Fórmula Demolidor deu certo, e no caso de Bendis e Maleev, deu MUITO certo, afinal a dupla até foi premiada e a passagem deles pelo título do Demolidor durou alguns anos (2001-2006). Um problema em seguir fórmulas é que elas só funcionam até se tornarem desgastantes, previsíveis e repetitivas. Logo que a fase de Bendis encerrou, quem assumiu o roteiro foi Ed. Brubaker, que é um roteirista competente e popular por fazer um bom uso do noir. As histórias da fase do Brubaker com o Demolidor são boas e interessantes, porém, muito previsíveis devido a persistência da fórmula já citada.

WP (347)
Demolidor por Alex Maleev

 

Com a saída de Brubaker do título em 2009, foi a vez de Andy Diggle assumir o roteiro e, nessa altura, persistir na Fórmula Demolidor foi um erro, pois já estava saturada. Não que a passagem de Diggle seja ruim, só que não acrescenta grandes coisas para a mitologia do personagem. O acontecimento mais marcante da fase Diggle é a saga Terras das Sombras e, mesmo assim, é algo que divide a opinião dos fãs.

Terra das Sombras
Terra das Sombras

 

“Tudo era trevas antes de surgir a LUZ.” –  Credo Rosacruz

Devido ao desgaste da fórmula demolidor, algo precisava ser feito com o personagem, e então surgiu a Luz, Mark Waid, no caso.

Leitores mais assíduos de quadrinhos devem conhecer Mark Waid de trabalhos na DC Comics, sendo o mais popular O Reino do Amanhã, com a belíssima arte de Alex Ross.

Uma das características de Waid é trabalhar com o otimismo e a esperança em suas histórias, e é exatamente isso que ele fez em Demolidor.

O Matt Murdock de Waid ainda foi sobre um homem traumatizado com a perda do pai, o abandono da mãe, e a perda de seus muitos amores  (Karen Page, Elektra, Heather Glenn, e Milla Donovan). A grande diferença está no fato de Matt estar disposto a superar sua depressão com um sorriso e uma atitude alegre que beira a estranheza. Esse novo Matt até se permite fazer piadas e referências à cultura POP.

As contribuições de Waid para o personagem vão além de deixar o Matt alegre. Ele resgatou a atmosfera dos anos 60-70 com elementos dos primeiros dias do Demolidor de Stan Lee, lutando contra vilões buchas sem grandes motivações, um tom leve nas histórias e tramas curtas.

Aliado ao tom leve das histórias, a arte fluida e expressiva de Paolo Rivera, Marcos Martin, Javier Rodriguez, Mike Allred e Chris Samnee é uma grande contribuição para a atmosfera do título.

Demolidor e alguns monstros que fizeram sucesso nos anos 70 na Marvel
Demolidor e alguns monstros que fizeram sucesso nos anos 70 na Marvel

Waid ainda nos apresenta Kirsten McDuffie e Ikari, que foram gratas surpresas nas histórias.

Kirsten é o novo o interesse amoroso de Matt, é bem humorada e é uma Mulher Sem Medo para um Homem Sem Medo. Ela sabe que Matt é  o Demolidor e debocha disso, pois a identidade secreta dele já não era tão secreta como já foi um dia. E mesmo sabendo disso, Kirsten não tem medo de entrar em um relacionamento com um herói com um passado assombrado por mortes. E, ao contrário das outras namoradas do Demolidor, ela não tem um fim dramático, como as mortes de Elektra, Karen e Heather, ou a loucura de Milla.

Convenhamos, matar namoradas de super-heróis é um recurso extremamente datado. Isso funcionou muito bem quando Gwen Stacy morreu nos braços do Homem-Aranha, ou quando Elektra morreu nos braços de Matt. Foi chocante. Foi algo novo para época que foi lançado. Porém, isso se tornou uma fórmula batida para chocar o leitor.

Matt e Kirsten
Matt e Kirsten

Ikari é a versão reversa e com poderes melhorados do Demolidor que foi criado por Waid. As cenas de ação de Ikari contra o Demolidor com a arte de Chris Samnee são de encher os olhos e parar para admirar.

A principio, Ikari é só uma versão melhorada do Demolidor, mas também faz parte de uma trama maior, que é uma das características da  série. Tem tramas curtas, mas no final elas se interligam.

Ikari vs Demolidor por Chris Samnee
Ikari vs Demolidor por Chris Samnee

Um dos fatores que chama a atenção de muitos leitores do Demolidor é certa liberdade criativa que os roteiristas têm para mexer no universo do personagem. Mark Waid usa e abusa dessa liberdade, pois ele alterou o passado de alguns personagens, revelou que Foggy Nelson estava com câncer, criou Ikari ligando à origem do Demolidor, revelou a identidade do Demolidor publicamente, fez Matt Murdock abandonar Nova York, e ainda mudou o traje do Demolidor para um terno vermelho. O mais notável de tudo isso é que Waid desenvolveu suas premissas respeitando o que foi feito por escritores anteriores.

Novo traje do Demolidor
Novo traje do Demolidor

No final de 2015, Mark Waid concluiu a sua passagem nos quadrinhos do Demolidor para dar lugar a Charles Soule, o atual roteirista do título. Soule já retornou com uma atmosfera sombria para o personagem, e já está conquistando seu espaço ao sol.

Apesar de já ter retornado ao clima sombrio das ruas de Nova York, a fase de Waid foi a iluminação que precisava para o Demolidor ser revitalizado nos quadrinhos. Afinal, não há nada a se temer na luz.

 

Por Vinicius Santos

Fã de muitas coisas, quadrinhos principalmente.