Após meses conturbados na produção de House of Cards, devido as polêmicas e acusações envolvendo o nome de sua estrela, Kevin Spacey, a série finalmente irá voltar com seu último e derradeiro ano. Para qualquer projeto que conte com Spacey no elenco, a perda de um ator desse calibre tem um peso considerável. Entretanto, diante dos crimes cometidos por Spacey, é inaceitável para os fãs e a própria Netflix o seu retorno. Não importa o sucesso ou o dinheiro, há assuntos fora das telas que devem ter uma supervisão rígida com uma seriedade extrema.
Com dois Oscars na carreira, Kevin Spacey é um dos maiores atores na atualidade. Protagonista em filmes estrelados como Seven – Os Sete Pecados Capitais (1995), Beleza Americana (1999), Baby Driver (2017) e Os Suspeitos (1995), entre outros, seu currículo é melhor do que de muitos em Hollywood. Um ator que sempre explorou o melhor de seus personagens, construindo personalidades próprias, demonstrando seus comportamentos e ideais. Spacey dava a vida pelo personagem. Alguns memoráveis, como Lester Burnham, que tem atitudes controvérsias e instáveis ao longo do excelente Beleza Americana. O retrato perfeito da classe média americana e a sua degradação em prol do estilo de vida ideal.
Já em Seven, o sociopata John Doe cria uma teia para divulgar seus ideais morais em relação ao comportamento humano. Apesar de aparecer em poucos minutos, Spacey parece se personificar no personagem, com um olhar duvidoso e ameaçador, ao mesmo tempo que retrata um psicológico profundo divido em psicopatia e serenidade. Em Os Suspeitos, o ator consegue extrair o essencial de seu personagem: confuso, perturbado e com problemas motores. E, consequentemente, sua atuação alcança o “clímax” nos últimos minutos, junto a um dos mais impactantes plot twists do cinema. Méritos do roteirista Christopher McQuarrie, do diretor Bryan Singer e do próprio ator.
Em 2013, estreava a promissora obra original da Netflix: House of Cards. A série que conquistou o público, e ajudou a Netflix crescer progressivamente, retratou de forma cruel e de certa forma, melancólica, a atuação política dentro do cenário americano. E a sua representação mais forte, intensa e objetiva é Frank Underwood, impiedoso e inescrupuloso na busca por poder. Talvez seja o resultado de toda a carreira de Spacey, depois de incontáveis personagens que exploram de forma crua a condição humana, Underwood foi o personagem que mais explorou essa variável. Da mudança de sotaque ao olhar penetrante, o premiado ator somou outro fenômeno em sua carreira, conquistando diversos prêmios e nomeações.
Se Underwood foi o resultado de diversas construções de personagens, Kevin Spacey é o retrato de tudo que explorou com eles. A crueldade, a necessidade de estar por cima e o egocentrismo extremo foram cruciais para a queda brusca de sua carreira, ainda, promissora. Foi a vida imitando a arte da forma mais surpreende que poderíamos presenciar. Nesse momento, a arte entregue por todos esses anos está manchada? Será influenciada por nossos pensamentos diante das ações do ator? Ou tudo deve ser ignorado, e a arte não tem nenhuma ligação com a vida exterior? Perguntas difíceis de serem respondidas. É no mínimo discutível todas elas, e, obviamente, cada um terá uma opinião sobre. Deixemos elas de lado por enquanto.
O que está em jogo, contudo, é o que irá acontecer daqui pra frente com a série americana. A saída afeta diretamente a parte comercial de House of Cards, porém, dar continuidade a história pode não afetá-la qualitativamente. Há um fator que muda tudo, há algo que pode conquistar novos públicos, concluir pontas soltas, e encerrar a série com chave de ouro. Este fator é Claire Underwood.
Robin Wright é versátil em cada papel que trabalha. Construiu uma carreira sólida e Claire Underwood é a sua personagem de maior destaque. Em duas temporadas mais tímidas e menos presente, Wright foi estabelecendo sua personagem. Não havia a presença da figura da mulher empoderada e independente. Claire era completamente cercada por Underwood, dependia dele para sua carreira e sucesso. Foi-se demonstrando vulnerável e submissa. Os esquemas do protagonista sempre se colocaram em cima de seus projetos pessoais. Mas não por muito tempo.
A partir da terceira temporada, os roteiristas deveriam ter percebido o valor que Claire e Wright tinham para a série. Em poucos episódios, a esposa submissa de Frank Underwood, se tornou autônoma e independente. Parecia que ela estava começando a tramar seus planos de forma concisa e independente. A série foi desconstruída em dois paralelos distintos, entre Frank e Claire. Cada um com seus objetivos e histórias próprias, lutando por benefícios individuais, mesmo que o casal continuasse junto.
Na quarta temporada, a equiparação dos personagens atingiu o mundo real. Ainda mais promissora, Claire Underwood estava se tornando o que as mulheres queriam ver em suas representações. Embora criticada por muitos e perdendo uma parte da velha audiência, House of Cards estava tornando sua protagonista feminina no que todas deveriam ser um dia. Embora a mídia e o público em si, não estejam se importando com isso. O desenvolvimento foi claro e óbvio durante as três últimas temporadas, e a quinta temporada, que seria marcada pela queda de Kevin Spacey, foi a ascensão de Robin Wright.
Era estranho os primeiros episódios, a quebra da quarta parede não era só mais feita por Frank, havia episódios que o próprio quase não aparecia. Sua ânsia de poder parecia estar sendo substituída pela jornada de sua parceira. E na cena final, na câmera focando em Claire Underwood e a bandeira americana furada pelo ex-presidente, foi o ponto final para sua consagração completa. O começo de uma nova era, dentro e fora.
Sem Spacey e Frank, mas com Claire e Wright, House of Cards tem a chance de retomar sua posição como a grande série que foi em suas primeiras temporadas. Mesmo mantendo o nível, o público e a crítica não parecem ter gostado das últimas mudanças ocorridas na série. As pontas soltas deixadas, e as conclusões da quinta temporada, pareciam ter encerrado a trajetória de Frank Underwood, que coincidiu com a saída do ator. Não há mais sombras para finalizar a trajetória da melhor protagonista feminina na TV atualmente.
HAIL TO THE CHIEF, diz o teaser da sexta temporada. É a troca de lugares e posições. Junta dos produtores e roteiristas, Wright pode explorar cada minúcia da forma que bem querer. O espaço é todo dela, seu desenvolvimento será completo e único. Enquanto a sua trajetória possa ser a salvação da série, também pode ser um novo ponto de referência para todos os homens e mulheres que lutam pela igualdade de gênero e a transformação total desses paradigmas sociais. Como A presidente disse no final do teaser: We’re just getting started. E é o que todos nós esperamos.