Os spin-offs de Invocação do Mal começaram com o pé esquerdo. Tendo Annabelle (2014) como seu ponto de partida, era nítida a falta de empenho dos realizadores em tentar produzir algo de verdadeira qualidade e significância, como as obras principais que serviam de base temática para estas outras empreitadas. Depois veio a continuação, intitulada A Criação do Mal (2017), que se distanciou do seu antecessor fazendo um filme com muito mais perspectiva, apesar de ainda ser bem inferior em relação aos dois Invocação do Mal. Agora, com A Freira, a esperança de finalmente ter um filme competente e que faria jus aos principais renascia. Prometendo uma premissa pautada diretamente a religiosidade, utilizando uma das figuras mais icônicas de Invocação do Mal 2 (2016), A Freira é, sem dúvida alguma, MAIS um erro dos realizadores que não encontraram o equilíbrio entre criatividade e reverência.
A Freira escancara o principal problema de todos os filmes paralelos, que juntos, tendem a criar um universo integrado: a falta de uma mente ambiciosa como a de James Wan. É nítida a falta de visão do diretor Colin Hardy em tentar criar algo inédito. Enquanto vemos Invocação do Mal corajoso na tentativa de alterar os padrões técnicos do terror, presenciamos A Freira indo para a direção contrária. Mesmo se sustentado na religiosidade, que poderia ser seu trunfo, o filme não ultrapassa a linha das convenções e dos clichês do gênero, resultando em outro trabalho sem personalidade e comprometimento com o que está sendo contado.
Em relação ao Annabelle, A Freira se assemelha muito no que se entende como falta de ritmo e ambientação. Se em Annabelle os ambientes e personagens soavam forçados, este não se diferencia muito. Até os primeiros dois planos gerais em que vemos a visão do castelo como uma forma de nos situarmos dentro do campo de ação, havia um certo cuidado em relação a composição espirituosa do convento e seus integrantes. Porém, o problema é quando as repetições de enquadramentos e sequências se tornam obstáculos para o fluxo da experiência: não há sentimento de claustrofobia ou inquietação em nenhum dos ambientes internos, porque o longa não se preocupa com tal.
Já falando em ritmo, A Freira consegue estragar seus pontos mais altos com bizarrices envolvendo alívio cômico sem nenhum impacto, e diálogos fracos e superficiais entre personagens quase inexpressivos. Quando há esse tipo de situação, fica escancarado o descuido em tratar seu gênero como mero entretenimento passageiro, estragando uma experiência que poderia ser, no mínimo, interessante.
Se a criatividade passou distante do processo de filmagens de A Freira, não há como se negar as reverências às convenções do gênero de terror. O momento do susto – referenciado pela expressão jump scare – as aparições diante do escuro e do vazio, o som ensurdecedor, o corte seco e preciso, além de várias outras técnicas já manjadas por fãs de longa data. Há de ser justo e dizer que, quase sempre, Hardy acerta a mão em tratar seu filme como um simples precursor do bom e velho terror. As luzes, que formam sombras e escuridões, dão uma sensação sombria satisfatória, além de trazer cores como o vermelho e o azul para irem se alternando entre as passagens. A edição e mixagem de som são, facilmente, a melhor coisa de A Freira. Correntes, vozes, passos, gritos, orações, trovões, entre outros, constroem, gradativamente, um conjunto de elementos que são encaixados de acordo com a movimentação dos objetos – corretamente dispostos no quadro, conseguindo captar a essência da religiosidade – e da tensão na cena.
O jump scare também é altamente utilizado. Vários cortes e panorâmicas são propositais, tornando previsível alguns espantos aos espectadores mais experientes. Mas há alguns bons sustos que pegam todos os públicos desprevenidos. Os que envolvem a freira são os melhores e eficazes, porque são esses que vão trabalhar toda a figura dela, desde a vestimenta até a maquiagem. Continua sendo uma das figuras mais aterrorizantes desse universo, mesmo com o excesso de CGI em quase todas as aparições.
Há um elenco formado por bons atores e atrizes, mas que trabalham pouco por seus personagens, provavelmente pelo texto fraco. O Padre Burke (Demián Bichir) e Frenchine (Jonas Bloquet) são os mais dispensáveis e entram para alguns dos piores da franquia. Ambos são os típicos que farão as maiores burrices, e às vezes ultrapassando o limite entre a facilitação do roteiro e a coerência da própria personalidade. Se um é o padre mais inútil da face da Terra, o outro é o personagem da Marvel com o pior timing da história.
Contudo, o núcleo feminino composto pela Taissa Farmiga e Charlotte Hope é formidável. Ainda acontece algumas incoerências, desta vez toleráveis. A Irmã Irene (Farmiga) chama a atenção no terceiro ato, quando é exigida pelos sufocos e dramas que envolvem a sua maturidade. Já a Irmã Oana (Hope) é rápida em sua aparição, porém marca com o peso dramático em que está envolvida. Duas personagens femininas que conseguem entregar uma parcela significativa de seu potencial.
A Freira consiste na falta do novo e na insistência do velho. Carece de criatividade e da ambição de seu próprio diretor, que parece não se importar com a falta do seu envolvimento. Como filme de terror, consegue se sair razoável por apresentar um bom domínio das velhas técnicas e truques para prender o espectador na poltrona. Talvez seja exatamente isso que o público espera, já para aqueles que buscam inovação e experiências únicas e particulares, A Freira não seria a melhor opção.