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Alena | O amor e o terror com os traumas da adolescência

Um transtorno psicológico supõe uma alteração do comportamento e da razão de uma pessoa. Ao vivenciar algo extremamente chocante, um tipo de trauma, o acontecido acaba por alterar a estrutura mental de uma pessoa e deixa sequelas profundas. Alena, graphic novel sueca publicada no Brasil pela AVEC Editora, é uma história de terror que, entre diversos temas, fala sobre a psique de uma adolescente que deve lidar com as descobertas de sua sexualidade, bullying, aceitação e compreensão social, todos assuntos perturbadores para uma garota da sua idade.

Na obra criada por Kim W. Andersson, o autor demonstra uma exímia capacidade em retratar o que há de pior nas pessoas durante a adolescência. A história se passa na Suécia, numa escola privada de bom status, onde a jovem Alena é bolsista. Há um ano, ela e sua amiga Josefin passaram por uma situação, desenvolvida ao longo do álbum, que tornou a vida da protagonista um verdadeiro inferno: Josefin morreu neste fatídico dia, e o fardo da sua morte caiu sobre os ombros de Alena, que passou a ser ainda mais maltratada pelos outros alunos, cheios de preconceitos e incertezas. A grande questão é que, desde a tragédia, a garota consegue verdadeiramente interagir com sua amiga morta.

Toda a trama gira em torno de um mistério e das descobertas a respeito não somente do passado da personagem, como também dos coadjuvantes. Alena sofre bullying (físico, moral e sexual) constante de Filippa, a típica garota fútil e invejosa presente na vida de qualquer pessoa, que não mede esforços para humilhar quem ela julgar como inferior. Filippa, que é capitã do time de lacrosse, nutre uma inveja especial pela protagonista graças ao garoto Fabian, um dos poucos que tentam (sem muito sucesso) ajudar a “estranha” e “perturbada” personagem principal.

Não bastasse todo o inferno causado por Filippa, Alena lida com muitas dúvidas. Sua sexualidade é abordada de uma forma muito real, com dois pesos a puxando constantemente para um ou outro lado. Josefin é uma alegoria que representa todas as dúvidas da garota, a parte que sempre a puxa para o lado pessimista da vida. A existência da amiga morta, interagindo com Alena o tempo todo, cria um aspecto misterioso ao redor de sua presença física no decorrer da história. Nos momentos em que ela está sozinha, a arte assume tons de laranja e roxo, cores que representam vitalidade e sucesso (laranja) e espiritualidade, magia e mistério (roxo), criando um estilo que pode ser interpretado como a persistência que permite Josefin ainda existir, e o que de tão misterioso a faz viver após a morte.

O autor é muito bem sucedido em unir os elementos citados acima com uma arte cinematográficaexpressiva, para criar não somente bons e memoráveis momentos, como também para chocar bastante. A violência é esbanjada em graus que se elevam a cada capítulo, e todo o sanguinolento desenvolvimento cria dúvidas na cabeça do leitor com relação ao que está acontecendo. Afinal, o que Josefin representa na vida da “heroína” desta história? O que ainda precisa ser contado? A condução desta aventura trágica é apoiada por uma narrativa rápida, plot twists tensos e uma cadência que lembra bons filmes do tema. A dicotomia entre a vilania e o heroísmo também se faz presente, aumentando a angústia no decorrer das páginas.

As figuras adultas, retratadas como seres indiferentes, também soam reais. Durante boa parte da adolescência, muitos adultos simplesmente não entendem ou não se importam com o que se passa na cabeça dos jovens, e quem tenta ajudar acaba piorando a situação. Este tipo de situação ocorre de maneira similar com a conselheira do colégio de Alena, focada (também sem muito sucesso) em desvendar a mente da aluna que vem sofrendo tanto. Os outros professores, e até mesmo o diretor, basicamente aparentam não se importarem tanto com o que está acontecendo. E a garota está no fogo cruzado entre o desprezo e a superficial colaboração por parte de uma minoria.

O desfecho surpreende e fecha pontas soltas. Muitos dos acontecimentos mostrados em capítulos prévios, ao alcançar o final da história, tornam-se puramente interpretativos. Ao tentar decifrar a mente de Alena o leitor acaba mergulhando nas possibilidades, tentando explicar as coisas baseando-se na realidade. E os sentimentos de Alena, postos em xeque ao longo de tanto sofrimento, recebem um final inesperado, demonstrando não somente o que Josefin representou na vida da protagonista como também o quanto a angústia afetou seu psicológico: a prova definitiva de como as dúvidas podem transformar a vida de alguém num verdadeiro terror, tal qual um amor psicótico. Especialmente num período tão sensível da vida como é a adolescência.

A obra foi vencedora do Swedish Comics Academy’s Adamson, prêmio de quadrinhos de maior importância da Suécia, além de ter sido publicada nos EUA pela Dark Horse, casa de famosas séries como Hellboy e Conan.

O autor possui outras séries publicadas, como Love Hurts, de 2009 – onde estabeleceu seu estilo de contar histórias – e Astrid, série protagonizada por uma aventureira espacial. A graphic novel Alena foi adaptada para o cinema, com um longa dirigido e roteirizado por Daniel di Grado, com textos de Kerstin Gezelius e Alexander Onofri.

Alena possui 120 páginas em papel couché 115g fosco encadernadas em capa cartão no formato 19 x 28 cm e valor de capa sugerido de R$ 59,90.

Por Gabriel Faria

Assistente Editorial, apaixonado por quadrinhos, redator da Torre de Vigilância, criador do blog 2000 AD Brasil e otaku mangazeiro nas horas vagas.