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Arremesso Final e a Construção Esportiva e Cultural do Mito Chicago Bulls

 “Que horas são? É hora do jogo!”

Imagina que você é dirigente de um time pentacampeão? Imagina que você é dirigente de um time que tem simplesmente o melhor jogador de todos os tempos? Imagina que você é dirigente de um time que se torna um marco máximo do esporte e da cultura mundial? Agora imagina que você decide desmontar esse time e avisa para o seu técnico no início da temporada? Essa foi a ideia do gerente geral do Chicago Bulls, Jerry Krause.

Partindo do principio do desmanche, Arremesso Final, Last Dance no original, a série documental sobre o lendário time da década de 90 do Chicago Bulls, apresenta um dos pilares daquela década. Um pilar que envolveu esporte, cultura pop, marketing esportivo, polêmicas, recordes e Michael Jordan. Com direção de Jason Herir, a série é uma co-produção da ESPN com a Netflix  tem como dois pontos que devem ser muito destacados: a qualidade jornalística e por não esconder, digamos, nenhum “podre” de ninguém. Nem do ídolo Michael Jordan.


Ao longo de dez episódios somos bombardeados em uma incessante viagem em tempos distintos. A linha temporal é contada de forma não linear, mas de muito fácil entendimento. E sim, temos mais de um documentário dentro de Arremesso Final. A série fala sobre a fabulosa última temporada do lendário time do Bulls, com todos os seus conflitos, mazelas, dores, alegrias etc. Ela fala de como esse mesmo time foi importante para a globalização do NBA. A série fala sobre Michael Jordan.

Destrinchando com maestria a vida do maior jogador de basquete de todos os tempos. Arremesso Final destila toda trajetória de como ele foi eleito cinco vezes o jogador mais valioso da NBA, de como foi o maior pontuador em um único jogo (com 69 pontos) e cestinha máximo durante 10 temporadas. Acompanhamos um menino Michael Jordan, que saiu de terceira opção do Draft de 1984, para lenda máxima do esporte. Mas não somente no basquete. Jordan foi, ou ainda é, um ícone da cultura. Da moda. Da perseverança. Momentos de sua carreira dão excelentes cases de sucesso em palestras motivacionais que se espalham por aí. Ele criou tendências influenciando não somente uma geração de atletas, mas também na moda com os tênis Air Jordan. Protagonizou a super produção da Warner Bros., Space Jam – O Jogo do Século e se tornou uma das personalidades mais famosas e importantes de todos os tempos.

Scottie Pippen, o técnico Phil Jackson e Michael Jordan.

Mas as suas polêmicas e jeito duro também são mencionados durante Arremesso Final. De como apesar de muito querido por boa parte dos jogadores, ele era uma pessoa altamente competitiva. A ponto de magoar seus companheiros de equipe em assédios morais em treinamentos e jogos. Momentos de vulnerabilidade a perda do pai e o vício por jogos são contados minuciosamente. E a série não esconde isso. O próprio Jordan, em depoimentos sinceros ao longo dos episódios, relata cada um deles. Inclusive depoimentos rancorosos. Que aos 57 anos, o atleta ainda os guarda. Como no momento em que ele chama Scottie Pippen de egoísta, por este forçar sua saída do Chicago Bulls por receber um salário menor. São momentos que poderiam desconstruir o mito. Mas muito pelo contrário, só fortalecem. Impossível não terminar a série gostando ainda mais dele. Querendo consumir mais leituras ou filmes sobre ele. Ou simplesmente assistir um jogo do Chicago Bulls daqueles gloriosos anos.

Arremesso final tem sua dose dramática que se eleva em diversos momentos. O décimo e último episódio é o melhor. Quando relata sobre a sofrida série de seis jogos finais contra o Utah Jazz, onde os jogos finais são apresentados como um épico do estilo Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei. Onde todos os personagens estão já exauridos, praticamente se arrastando, tirando forças sabe-se lá de onde, e mesmo assim estão indo para um último objetivo maior, para uma última e melhor dança. É praticamente impossível não ficar nervoso com a construção que a direção deu ao último episódio. Mesmo sabendo da história, é como estar dentro daquele estádio lotado.

Mas Arremesso Final constrói bem todo épico mitológico do Chicago Bulls pelos seus campeonatos. Ele vai cutucando cada mazela de seus jogadores. Sem nenhum pudor de falar da insatisfação de Scottie Pippen, das loucuras de Dennis Rodman e da obsessão de Michael Jordan com o topo e a vitória sempre. Muitas vezes vemos a narrativa da série, transformar “personagens” em vilões. E de uma hora para outra se tornarem heróis. É uma série que agrada quem gosta de basquete e viveu a Bulls-Mania e também agrada e prende quem não gosta do esporte. Os depoimentos dos jogadores, do técnico Phil Jackson, de adversários, os ex-presidentes Barack Obama e Bill Clinton, familiares e de profissionais da imprensa esportiva abrilhantam a série. O que só eleva ainda mais o Chicago Bulls daquela época.


Arremesso Final, é obviamente uma série que conta a vida e carreira de Michael Jordan. Mas ela constrói é como o time chega ao ponto de se tornar um marco cultural e esportivo. Vamos lembrar que era uma década em que a internet dava seus primeiros passos. Não existiam os celulares poderosos, as redes sociais nem nada do tipo que pudesse compartilhar com outros países e se tornar viral uma imagem de time vencedor. O que esse Chicago Bulls fez foi entrar para a história pelo basquetebol. Michael Jordan, apesar de ser uma personalidade midiática, não tinha um aparato como Instagram para se promover. Suas clicadas e curtidas não eram com atrizes famosas ou festas badaladas. E sim com suas enterradas, performances e determinação nas quadras.

Arremesso Final é uma das séries documentais mais bem produzida de 2020. Uma série que não tem medo de desconstruir um mito, assim como ela não tem medo de elevar para um patamar maior. Para quem não teve a oportunidade de assistir nada daquele Chicago Bulls, é uma excelente chance. Para quem teve chance der assistir, quando chegava aqui no Brasil, assim como esse que lhe escreve, é uma chuva de lembranças. De boas lembranças.

Por Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

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