Obras cinematográficas “toscas” que não se levam a sério e admitem isso desde os primeiros esboços do roteiro são dignas de admiração, principalmente pela coragem de chegar às grandes telas e assumir que estão ali apenas para oferecer entretenimento despretensioso. No entanto, quando o oposto ocorre — ou seja, quando filmes se levam a sério em demasia — surge um motivo real de preocupação. Esse é o caso de A Substância, que tenta se impor como uma obra profunda, recheada de uma suposta grande crítica social, mas acaba mergulhando em uma pretensão vazia.
É preciso reconhecer que A Substância tem uma proposta interessante e, em certos momentos, consegue criar uma atmosfera superficialmente intrigante. No entanto, ao tentar ser mais do que realmente é, o filme se encaminha para uma direção pífia. A obra se perde em simbolismos forçados e diálogos tão constrangedores que até os roteiristas de Os Simpsons poderiam criar uma sátira mais significativa. O resultado é uma tentativa falha de ser “cult”, que transforma a experiência em algo mais irritante do que impactante.
Em A Substância, Elisabeth Sparkle (Demi Moore) é uma celebridade em declínio que enfrenta uma reviravolta inesperada ao ser demitida de seu programa fitness na televisão. Desesperada por um novo começo, ela decide experimentar uma droga do mercado clandestino que promete replicar suas células, criando temporariamente uma versão mais jovem e aprimorada de si mesma. Agora, a atriz se vê dividida entre suas duas versões (Margaret Qualley), que devem coexistir enquanto navegam pelos desafios da fama e da identidade. “Já sonhou com uma versão melhor de si mesmo? Você. Só que melhor em todos os sentidos. De verdade. Você precisa experimentar este novo produto, A Substância. MUDOU A MINHA VIDA. Ele gera outro você. Um você novo, mais jovem, mais bonito, mais perfeito. E há apenas uma regra: vocês dividem o tempo. Uma semana para você. Uma semana para o novo você. Sete dias para cada um. Um equilíbrio perfeito. Fácil, certo?”
A Substância não traz absolutamente nada de novo. Sua crítica social desgastada já foi abordada incontáveis vezes em produções anteriores, e de maneira muito mais contundente e eficaz. Filmes como Starry Eyes provaram que é possível trabalhar com uma premissa simples, mas com um grau de intensidade que A Substância jamais consegue alcançar. A superficialidade aqui é evidente e atroz, refletindo uma obra que se limita a reciclar temas e ideias sem qualquer tentativa genuína de subverter ou aprofundá-los.
A estética do filme remete a um comercial de luxo de grandes marcas, mas o problema é que sequer consegue atingir o nível mínimo de qualidade visual e narrativa que tal comparação exige. Coralie Fargeat, ao tentar ser pretensiosamente sofisticada, oferece um produto que falha não só no enredo, mas também na construção atmosférica. Se o objetivo era dialogar com um público que se considera “intelectualmente superior” por assinar Letterboxd, ela erra grotescamente ao escolher disseminar um ponto de vista vazio e prepotente, em vez de se focar em criar uma tensão real e sufocante. A diretora parece mais interessada em ostentar suas supostas habilidades cinematográficas do que em entregar uma narrativa sólida e angustiante.
Fargeat, ao invés de usar seu talento para criar uma obra memorável, prefere cair na armadilha da autoindulgência. O resultado é uma experiência cinematográfica que busca desesperadamente parecer “cult” e “sofisticada”, mas que apenas revela o quão rasa e desprovida de substância realmente é. Os diálogos são risíveis, os personagens são caricaturas vazias e, pior, a tentativa de crítica social soa mais como uma palestra enfadonha que não vai além da superfície.
Entre as poucas qualidades que A Substância oferece, e que não são suficientes para sustentar um longa-metragem tão ofensivo, estão os efeitos práticos e algumas analogias religiosas e antropológicas espalhadas ao longo da história. No entanto, essas virtudes são raridades isoladas em meio a uma enxurrada de superficialidade. Os efeitos práticos, apesar de competentes, são desperdiçados em um roteiro que não faz justiça à sua aplicação, enquanto as analogias falham ao tentar atribuir uma profundidade que o filme simplesmente não tem.
A conclusão, embora grotesca, previsível e até risível, consegue causar um breve desconforto, algo que a produção lutava desesperadamente para alcançar desde o início, mas falhava miseravelmente. A única exceção relevante é a sequência do processo de clonagem, que se destaca por prestar uma homenagem interessante a clássicos do horror das décadas passadas, como A Coisa e O Enigma de Outro Mundo. No entanto, mesmo essa referência cai no vazio, pois falta à obra a tensão e o terror psicológico que esses filmes souberam criar com maestria.
A película parece mais preocupada em provocar uma reação superficial do que em contar uma história que realmente impacte ou ressoe com quem está assistindo. É uma produção que se perde em suas próprias pretensões e falha em entregar qualquer mensagem significativa. O filme, em vez de ser uma experiência instigante, torna-se uma prova de paciência para quem assiste, testando a resistência do público com uma narrativa que, além de rasa, é dolorosamente previsível.
Em suma, A Substância é uma tentativa fracassada de soar sofisticado, quando na verdade não passa de uma perca de tempo pseudo-intelectual disfarçado de cinema “cult”. Além de ser tedioso, é uma ofensa à paciência de qualquer um que tenha um mínimo de bom senso cinematográfico. Com uma direção pretensiosa que visa agradar a si mesma mostrando o quão erroneamente boa ela é, um roteiro pífio e uma narrativa que se perde em sua própria mediocridade, ele não só subestima quem assiste, como insulta aqueles que esperavam algo, minimamente, decente. É uma experiência barcaça e sem identidade, destinada apenas a agradar quem se deixa enganar por rótulos omissos e embalagens pomposas.
Nota: 1,5/5