O satélite natural do nosso planeta empresta seu nome para diversos ditados populares. Um deles, “Nascer virado para a Lua“, significa que a pessoa é bastante sortuda; Já outro, “Viver no mundo da Lua“, quer dizer que o indivíduo é muito distraído ou avoado. São ditados intrinsecamente brasileiros, mas que acabaram calhando de combinar perfeitamente com o protagonista desta história japonesa que também se baseia nesse corpo celeste.
Inicialmente um mangá, “Tonikaku Kawaii” (abreviado para “Tonikawa“) está em publicação desde 2018, com autoria de Kenjiro Hata (que também escreveu Hayate no Gotoku!/Hayate The Combat Butler). Em outubro de 2020, recebeu uma adaptação em animê, animado pelo estúdio Seven Arcs, e dirigido por Hiroshi Ikehata.
A Crunchyroll fez a transmissão simultânea do show, além de disponibilizar uma versão dublada em português (que vou comentar em maiores detalhes daqui a pouco). A sinopse e trailer do animê, disponibilizada pelo próprio serviço de streaming:
Após um encontro com a misteriosa Tsukasa, Nasa Yuzaki se apaixona à primeira vista. Nasa decide se declarar pra garota, mas ela responde: “Só vou sair com você se a gente se casar.” Assim começa a vida cativante e amorosa destes dois recém-casados!
Tonikawa é um animê, acima de tudo, fofo. E quando digo fofo, quero dizer aquele tipo de história doce de doer o dente. Passamos boa parte do show com trocas tímidas de amor entre os dois protagonistas, Nasa e Tsukasa. A sensação de que eles realmente gostam um do outro é nítida a todo o momento, e soa genuína o bastante para não parecer forçada, mesmo quando acontece numa intensidade muito maior do que se julgaria “normal“.
Não conseguia não me divertir quando Nasa apontava para Tsukasa e, com um largo sorriso no rosto, dizia de boca cheia: “a minha esposa é linda“. Da mesma forma, todas as reações de Tsukasa para com a simples existência do Nasa, também trazia a quintessência de uma série piegas. Uma overdose de fofura.
Por outro lado… Sempre acompanhado de coisas fofas, vem também a vergonha alheia. É um sentimento bem fácil de entender, mas difícil de colocar em palavras. Cada declaração ousada do marido se torna um constrangimento para o espectador; Muitas vezes, até mesmo a esposa acaba ficando embaraçada com toda a situação, e a vergonha que ela sente acaba passando da fofura pra se tornar simplesmente… vergonhoso. Constantemente, a série se apoia em insinuações sexuais que abrangem desde pequenas piadinhas que te arrancam um riso, até pensamentos que te fazem questionar a moralidade das personagens e até mesmo a sua, por estar assistindo isso.
Exageros à parte, a carga de conteúdo fofo e vergonhoso existe num equilíbrio quase perfeito, e é isso que faz com que o animê seja tão bem encaixado. Eles se intercalam com uma maestria, que não permite que nenhum fique tempo demais na tela. Cada cena existe num contexto onde faz sentido ela existir, e dura apenas o suficiente para ter o efeito desejado, sem sobrecarregar a pessoa assistindo. Na maioria das vezes, é claro. Vez ou outra, alguma coisa passa, o que me deixou um pouco desconfortável quando aconteceu. Mas foi raro o bastante para não afetar a experiência como um todo.
Então, você soma a essa equação um timing humorístico acima da média, que não tenta te fazer rir o tempo todo, pois sabe que quando precisar, vai conseguir entregar uma boa piada. Acabamos por ter uma comédia-romântica que se preocupa muito mais no balanço entre seus aspectos românticos, e a comédia surge naturalmente como resultado disso.
O show pode ser meio vago, com grandes buracos de roteiro que estão lá propositalmente… Mas todo o resto se complementa de uma forma tão excepcional, que acabam servindo de pontes para atravessar esses abismos, fazendo com que no final do episódio, você nem se lembre das perguntas que tinha.
Outro ponto que gostaria de comentar é sobre a bagagem midiática que Tonikawa possui. O autor fez questão de inserir uma quantidade exorbitante de referências, salpicadas ao longo de toda a série. É o tipo de conteúdo que, caso você tenha o contexto necessário para entender, acaba adicionando ao humor, pois muitas vezes, são referências que soam naturais de serem feitas (como, por exemplo, comparar Nasa com Tony Stark), dando ainda mais autenticidade ao dia-a-dia do elenco.
Já algumas outras, existem como uma homenagem aos referenciados, sendo usadas como meros recursos visuais para uma narrativa dentro da história (é o caso do uso das silhuetas de personagens de “Danganronpa”, por exemplo). Nos dois usos de referências, porém, elas existem apenas como um extra, um conteúdo bônus para quem foi capaz de reconhecê-las, e não o centro da atenção ou da piada.
Levemente relacionado com o ponto anterior, é o enorme contexto cultural que o animê exige. Ele é uma história japonesa, que se passa no Japão, e nem a obra original, nem a dublagem, tentam “localizá-la” para um público internacional. Não quero (e nem devo!) entrar no mérito de se isso é uma coisa boa ou ruim, mas é claramente algo que precisa ser comentado.
O show fala de franquias de lojas japonesas; de bairros famosos de Tóquio; sobre pontos turísticos e históricos de todo o país; de costumes e tradições culturais pouco conhecidas no ocidente; e nenhuma dessas coisas são explicadas para você. A maioria delas é entendível dentro do contexto da cena, e muitas delas são coisas que se você for um fã de animê de longa data, já deve ter ouvido ou se acostumado ao longo dos anos. Mas fica claro que a intenção é ser uma história para quem já tem uma bagagem anterior, fazendo com que não seja uma boa escolha para “iniciantes”.
Finalmente falando da dublagem: A versão brasileira foi feita no estúdio Som de Vera Cruz (também responsável por Re:ZERO; Tokyo Revengers; entre outros), e contou com a direção de Leonardo Santhos (diretor das dublagens de Re:ZERO e Konosuba).
No elenco, queria destacar as duas personagens principais, que tiveram uma performance muito acima da média. Eu fiquei genuinamente surpreso com o quão bem a voz da Isabella Simi encaixou com a Tsukasa. Ela conseguiu trazer todas as nuances que a complexidade da personagem exigia, com uma interpretação que não perde em nada para a contraparte japonesa (voz de Akari Kito); Já para Nasa, a voz de Pedro Alcântara me soou um pouco estranha a princípio, principalmente por conta do original (voz de Junya Enoki) ter um tom tão mais grave que a da versão brasileira. Mas imediatamente após ouvir o primeiro solilóquio do rapaz, fui convencido de que o Pedro era o dublador perfeito para ele.
Outros nomes no elenco de vozes foram Jeane Marie, Jéssica Marina, Vitória Crispim, Gabriela Medeiros, Lhays Macêdo, Milton Parisi e Tonia Mesquisa.
De forma geral, tanto a escolha de vozes como a interpretação dos dubladores foi excelente, e não estou exagerando quando digo que é, na minha opinião, o melhor animê dublado que eu assisti. Confesso que ainda tem muita coisa dessa “nova leva” de dublagens que eu preciso conferir, mas a qualidade de Tonikawa está assegurada.
Claro que o trabalho não foi perfeito (nada é!), e para não parecer que estou apenas elogiando cegamente, tenho uma reclamação: Todos os nomes e termos japoneses do animê foram estranhamente pronunciados, como se os dubladores estivessem se forçando a falar com um certo estrangeirismo. Cada vez que alguém falava “Chitose” (nome de uma das personagens), eu precisava checar para ver se entendi o que tinha sido dito. E lembram das diversas referências à cultura japonesa que eu comentei acima? Todas elas foram mantidas com seus nomes japoneses, e todos eles foram pronunciados de uma forma estranha. Uma gota de crítica num oceano de elogios.
Tonikawa funciona. Funciona pois escolheu um nicho e se aperfeiçoou nele, dando uma experiência ideal para qualquer um que esteja no clima que ele oferece. “Fofura” e “Vergonha alheia” são dois lados de uma mesma moeda, mas nesse cara-ou-coroa, o animê conseguiu um raro empate. Com muito mais qualidades do que problemas, e problemas que podem ser relevados (se você entender que eles existem para serem resolvidos num futuro que ainda não foi adaptado do mangá), o show se mostra como uma experiência gentil e alegre que passa voando por você. A nota do redator é de 4/5, junto com uma recomendação de assistir a versão dublada.
TONIKAWA: Over The Moon For You está disponível na Crunchyroll, completo em 13 episódios, com opções de áudio em português e japonês (e legendas em português para o segundo caso).