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Torre Entrevista | Paul Kirchner

Existem artistas que focam em apenas uma forma de exprimir sua arte; outros, preferem experimentar vários mercados. Por isso, acabam tendo uma carreira de certa forma peculiar no mundo das Histórias em Quadrinhos. Um deles é Paul Kirchner que, em sua recente passagem pelo Brasil, veio principalmente divulgar Ônibus, seu mais recente trabalho editado no mercado nacional, pela Risco Editora. Em entrevista exclusiva à Torre de Vigilância, conversamos não só a respeito de Ônibus, mas também uma retrospectiva de sua carreira em mais diversas formas de arte e planos para o futuro. Confira!

 

Ônibus é uma obra surreal sobre um veículo que, no cotidiano, transporta diferentes histórias pessoais dentro dele. De onde veio a ideia de tornar cenário de uma História em Quadrinhos um componente do nosso dia-a-dia?

Bem, o que acho que faz o surrealismo funcionar é colocar como palco algo que as pessoas podem facilmente identificar e fazer algo bem incomum com isso. Por isso, quando inicialmente alguém vê a premissa de uma HQ que mostra um cidadão comum pegando um ônibus, muitos podem pensar que algo entediante e previsível vem aí. A possibilidade de mexer com a normalidade da cena acaba sendo o mecanismo principal.

Ônibus, de Paul Kirchner. IMAGEM: Riscoeditora.com

Surrealismo sempre esteve entre os temas abordados da revista Heavy Metal, como em A Mão Verde, de Nicole Claveloux e Édith Zha. Como você vê o surrealismo especificamente nos quadrinhos? Em filmes, quadros e etc. é muito comum tirar várias interpretações deste movimento artístico, você pensa da mesma forma?

Também, mas o que gosto em adição ao surrealismo é sobre colocar mais uma camada de entendimento no campo psicológico que vai além da interpretação literal. Fazendo da forma surrealista, a mesma interpretação pode tornar-se mais atraente. Por exemplo: em uma das primeiras histórias que fiz de Dope Rider o personagem entra em um saloon e é confrontado por cowboys durões, mas o protagonista é basicamente um esqueleto e os antagonistas são lagartos do deserto. Se eu fizesse a história com humanos, em qualquer faroeste poderia ser encontrado um produto similar, mas eu quis brincar com todas as possibilidades. Especialmente neste meu período na revista High Times fazendo Dope Rider as histórias com frequência tinham temáticas que à priori pareciam ser simples no mundo do faroeste, como ser um forasteiro num lugar novo, se envolver em um problema enfrentado pelos habitantes da região e quererem te enforcar… assim é fácil. Mas quando se adicionam outros elementos, embora não autoexplicativos, faz com que o leitor pense mais a respeito do que está lendo. Apesar disso, muitas pessoas não entendem bem o que se é transmitido. Tenho um amigo que não tem muita imaginação e me diz: “Poxa, estas histórias não fazem sentido algum!” e eu respondo: “Você não faz ideia de quanto eu trabalho para dar vida à essas HQs. Se eu quisesse que o entendimento fosse instantâneo seria muito mais fácil para eu desenhá-las!” mas há muito esforço depositado.

Dope Rider, de Paul Kirchner. IMAGE: Lesea.fr

Além de quadrinista você já fez ilustração publicitária, design de bonecos… você não tem uma “arte dominante”. Como realizar vários tipos de arte influenciam você em outras mídias? Por exemplo: como fazer design te traz ideias para os quadrinhos?

Na verdade, é mais uma sequência de eventos do que tudo ao mesmo tempo. Quando comecei nos quadrinhos e conhecia um executivo de uma fabricante de brinquedos que me perguntou se eu gostaria de trabalhar na área. Na época, eu tinha prazos muito apertados para fazer meus quadrinhos e ainda por cima não estava sendo bem recompensado financeiramente, o que me fez procrastinar. Quando fui para o design, recebi novas atribuições que me ajudaram a otimizar o meu trabalho e desenvolver minha criatividade. Não era como, por exemplo, trabalhar em um banco. Nos brinquedos, queriam ouvir as minhas ideias e queriam que eu colocasse em prática a minha criatividade. Da indústria de brinquedos, fui para a publicidade porque queriam alguém que tivesse a capacidade de ilustrar campanhas, e aí que eu entrei: fazendo storyboards, o que considero bem parecido com fazer tirinhas de quadrinhos. Portanto, em determinados momentos todas essas mídias têm algo em comum. Mas também há diferenças: na publicidade eu tinha um trabalho fixo, não freelance como nas HQs. Mas as coisas mudaram na publicidade e decidi voltar a fazer mais quadrinhos.

Curiosamente, a próxima questão é justamente sobre isso: do meio dos anos 90 até por volta de 2010 você teve um grande hiato nos quadrinhos. O motivo foi justamente esse?

As coisas na publicidade se alteraram com o tempo e quando parei de ter um trabalho fixo na área comecei a desenvolver depressão. Além disso, na época em que eu fazia storyboards para publicidade, eu não tinha a mesma disposição para ao mesmo tempo desenhar HQs. Então, nessa época preferi escrever livros. Entretanto, na última década preferi voltar aos quadrinhos, fazendo HQs mais longas e tirinhas, como uma nova chamada Hieronymus & Bosch além de voltar com Dope Rider e contribuir novamente com a High Times. Não há como dirigir 100% nossas vidas. Às vezes as coisas acontecem; já outras vezes, não.

Neal Adams, por exemplo, foi um artista mais voltado ao mainstream, tanto em sua forma de contar histórias quanto de desenhar. Mesmo iniciando sua carreira junto a ele e Wally Wood, por que resolveu seguir um caminho diferente, uma vez que as suas HQs são de um gênero mais alternativo?

Eu não gosto tanto de super-heróis, é um universo que não me atrai com a mesma força que outros segmentos. Outro elemento é que eu sempre gostei de desenhar páginas em formato maior, no mínimo o dobro do tamanho o qual o material é escolhido para ser impresso, e nos quadrinhos estadunidenses quase sempre temos que desenhar a arte em A3, que é somente 50% maior que a versão impressa. Me sinto muito engessado desenhando dessa forma e isso acaba não me fazendo sentir confortável para extrair o melhor que posso da história. Então, esses foram alguns dos motivos.

Exemplo de arte original de Paul Kirchner, em formato A2 (42 x 58 cm). IMAGEM: zicbul.fr

Pelo seguimento mais padronizado mesmo? Mais algo a acrescentar?

Também há, por exemplo, artistas incríveis como Alex Toth em que várias histórias, apesar da arte deslumbrante, possuem narrativas mais insípidas, com narrativas que são mais do mesmo. Para mim, é uma pena ver casos de artistas como ele cujo conteúdo do roteiro de determinadas histórias não condiz com a qualidade de sua arte. Então, sempre preferi evitar isso e fazer minhas histórias por conta própria. Além disso, na grande indústria de quadrinhos, muitas vezes o personagem acaba pertencendo à editora, não importa o quanto você se dedicou a cria-lo. Por esses fatores, preferi ser o meu próprio patrão.

Fico feliz que anteriormente você tenha citado sua criação mais recente, Hieronymus & Bosch, pois é o tema da nossa última pergunta: é uma tira de página inteira cujo título é baseado no pintor homônimo, certo?

Sim. Há muitos anos sou fascinado pela arte de Hieronymus Bosch, minha favorita é O Jardim das Delícias Terrenas, uma pintura de grande paisagem dividida em três partes. Mais precisamente, a parte que mais gosto é a terceira, que retrata o inferno…

O Jardim das Delícias Terrenas, de Hieronymus Bosch. IMAGEM: Wikipedia.org

 

Conhece a banda Fleet Foxes? O primeiro álbum é justamente uma ilustração de Bosch!

Sim! Realmente muita gente se inspira nas pinturas dele. Ao criar Hieronymus & Bosch pensei em criar algo ambientado justamente naquele mundo. Começou de forma despretensiosa, porque percebi que era melhor eu fazer as coisas do meu jeito, usando minhas próprias fantasias. Por isso, o que eu trouxe de mais forte foi o nome dos personagens, que consistem em Hieronymus, um condenado à passar a eternidade nas profundezas do inferno, e Bosch, um pato de madeira que ele carrega a onde quer que vá. O período em que considerei apropriado em ambientar a história seria no Século XVI. Curiosamente, eu pesquisei o tipo de roupas que as pessoas usavam nesta época, mas muitas pinturas que retratavam o inferno no mesmo período as pessoas sempre apareciam nuas [risos]! Então pensei “Não, não funcionaria fazer uma tira tão miserável assim…” ainda mais porque a ideia que temos de inferno hoje em dia é bem diferente do período medieval. Naquela época, qualquer pisada fora da linha era sinônimo de sofrer por toda a eternidade, o que acho que não funcionaria em uma tirinha mais humorística. O Inferno que criei é mais baseado em frustração, irritação e humilhação, experiências que podemos viver em nosso cotidiano.

Curiosamente, o próprio pintor Hieronymus Bosch foi uma grande influência para expoentes da arte surrealista, como Max Ernst e Salvador Dalí! É só uma coincidência ou tem alguma relação com o seu próprio surrealismo?

Eu gosto muito do [René] Magritte e [Salvador] Dalí. Também fui influenciado por M. C. Escher. Adoro suas formas de perspectiva além de suas indiscutíveis qualidades referente à técnica. De Dalí eu me influencio mais pela admiração da arte, uma vez que o conteúdo das suas pinturas é mais levado ao campo dos sonhos, um tanto diferente dos meus.

Para finalizar, Hieronymus & Bosch possui um estilo de arte mais clássico, diferente dos seus trabalhos anteriores. Esse é o novo estilo que pretende trilhar ou no futuro pode adotar ou até retornar a um estilo diferente?

Me interesso em produzir histórias que o público pode acompanhar. Quando comecei essa tirinha foi muito estranho pois eu não tinha a mínima ideia de qual seria o público-alvo, quem gostaria de ler ou pagar para ter o material. Mas depois que eu já tinha uma quantidade expressiva de tiras eu fui contatado pelo site do Adult Swim, que tem um espaço destinado a quadrinhos. Com isso, passei a publicar as tiras por lá e fui muto bem remunerado. Ironicamente, isso foi uma “bênção” para uma tirinha ambientada no inferno. Mas agora voltei a fazer novas histórias para a High Times do já citado Dope Rider, o mesmo personagem que criei nos anos 70. Portanto, acho que não volto mais a fazer tirinhas de Hieronymus & Bosch, acho que já fiz tudo o que queria fazer com eles.

Mas o futuro do seu traço continua em aberto?

Creio que é necessário de certa forma disciplinar o seu subconsciente em um determinado caminho que é propício a te dar ideias. O que estou produzindo agora é o que tenho a possibilidade de obter novos planos. Na época em que dei  fim a Hieronymus & Bosch eu nunca mais tive ideias que se encaixavam nessa tira porque pensei “Ok, é um ponto final”. Já agora, voltei para Dope Rider e toda vez que deito em minha cama penso “Qual é o próximo passo para Dope Rider? O que ele pode fazer?” e daí florescem novas ideias. Eu não sei exatamente como essa coisa [de brotar novas ideias] funciona, mas ao menos sigo algumas dicas que funcionam [risos].


Fiquem ligados para mais matérias, artigos e entrevistas aqui mesmo na Torre de Vigilância! Até a próxima!

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Torre Entrevista – Alexey Pajitnov

Conforme visto em matérias anteriores, a Torre de Vigilância tradicionalmente cobre a Brasil Game Show há muitos anos. Apesar de vários textos, testes de jogos, fotos de Cosplay etc., nunca havíamos entrevistado um convidado internacional da maior feira de videogames da América Latina. Porém, em 2023 a escrita foi quebrada: pela primeira vez conseguimos uma conversa exclusiva com um ilustre convidado, e foi justamente com o russo Alexey Pajitnov, engenheiro de computação criador de Tetris, um dos jogos mais populares de todos os tempos.

Quase 40 anos após a criação que mudou para sempre a vida do Moscovita de 68 anos e do mercado de jogos eletrônicos em geral, Alexey nos conta sobre de suas impressões sobre o Brasil, os segredos de Tetris e ideias para novas conquistas dessa marca tão icônica não só nos games, mas na cultura popular. Confira!

Bem, Alexey: antes de tudo, muito obrigado por aceitar conversar conosco. Como você está aproveitando sua estadia no Brasil? Tem planos para visitar outras cidades?

Sim, muito obrigado a você por vir e fazer esta entrevista. É minha primeira vez no Brasil e estou muito contente por estar aqui. Infelizmente, ainda não consegui ver muita coisa pois estive muito ocupado com a Brasil Game Show, porque me querem por aqui a todo momento, mas estou com expectativas de também visitar o Rio [de Janeiro] por alguns alguns dias e aproveitar o que o Brasil tem a oferecer.

Existe uma situação muito interessante a respeito de Tetris: várias franquias de jogos deixam seu público saturado por isso acabam entrando em hiato, como Tony Hawk’s Pro Skater e Guitar Hero. Por que você acha que Tetris sobreviveu de forma ininterrupta por gerações?

Bem… esse é um grande mistério e eu não tenho uma resposta precisa para dar a você. A primeira coisa é que basicamente as outras propriedades estão relacionadas à técnicas modernas, hardware e coisas do gênero. Tetris tem como base elementos mais simples e pode rodar em qualquer plataforma ou sistema. É algo muito universal e por isso mesmo o torna muito popular. Outra coisa é que [Tetris] mexe muito com o nosso cérebro, o hardware muda com frequência e por isso temos que a toda hora mudar nosso raciocínio, isso é uma grande qualidade para um jogo manter-se popular por tanto tempo. Mais um elemento é seu conteúdo deveras abstrato: não é igual outros gêneros como, por exemplo, jogos de Terror, que têm força em seu nicho específico, mas que representa somente uma parcela de uma audiência total. Já Tetris é destinado à todos, especialmente ao público feminino, o que é bem importante.

É mesmo?

Sim, nos primeiros anos da indústria dos videogames a audiência por gênero girava em torno de 95% homens e 5% mulheres; Para Tetris, nosso publico era 55% homens e 45% mulheres. É um baita de um feito. Existem outros fatores [para usar como resposta], mas vamos ficar somente nesses.

Desde 2010 existe o Campeonato Mundial de Tetris, competição disputada a versão do Nintendo Entertainment System (NES), e você já esteve envolvido com o Torneio, inclusive com aparições virtuais…

Exato, eu já entreguei o troféu ao campeão!

Ah, ao Jonas Neubauer! Além do Jonas, tivemos outros vencedores, como Joseph Saelee e Michael Artiaga, o atual Campeão. Como você vê hoje os E-Sports? Você imaginava que hoje Tetris estaria nesse mesmo meio?

Sim, era um projeto em curso há muito tempo. Tetris é um jogo muito apropriado para estar no muito do E-Sport: é muito popular, tem uma marca forte, pessoas o reconhecem instantaneamente, é muito viciante e o público ama jogar. Basicamente é isso e tivemos experiências maravilhosas com as edições do torneio até agora. Bom, não temos muita variação do jogo, mas vou dizer qual é o segredo na minha opinião de tudo isso: o jogo acaba requerendo todos os seus recursos, toda a sua atenção, concentração e velocidade. Logo, quando jogado em modo multiplayer você não tem como ficar acompanhando o jogo do seu oponente, então cada jogador acaba focando em sua própria partida. Diferente de outros jogos em grupo, não há como você fazer uma estratégia de jogada que desfavoreça ou atrapalhe o adversário, prever o movimento do outro, alternar em ataque e defesa ou situações assim, muito presente na dinâmica do modo multiplayer. Quando chegarmos a um recurso em Tetris para que um jogador possa influenciar a jogada do rival, acho que estaremos por completo no mundo do E-Sport. Mas o primeiro passo foi dado, estamos conquistando mais público e temos a atenção de uma audiência expressiva. Hoje em dia é difícil manter a atenção de alguém por mais de 30 segundos, e a equipe do Campeonato Mundial de Tetris está fazendo um grande trabalho nesse sentido de conquistar e prender a atenção do público.

Tetris hoje faz parte de maneira expressiva de nossa cultura popular. Temos trailers amadores envolvendo Tetris, o jogo batizou uma condição clínica chamada O Efeito Tetris. Como você vê essas adaptações de Tetris fora do mundo dos jogos? Você já assistiu a alguma dessas produções feitas por fãs?

Além disso, existe o filme oficial do Tetris. Você conhece?

Sim, e além desse existem os caseiros, uns deles bem curiosos e engraçados…

Ah, mas esses são coisa menor. A produção original tem mais força. Mas, sim: é parte da nossa cultura e estou muito lisonjeado e existem situações nem divertidas como, por exemplo, existe o verbo Tetris em inglês, que significa arrumar de forma eficiente peças de algum produto em um espaço limitado. Está de fato em nossa cultura e acho que há nada de errado a respeito disso.

Antes tínhamos a dependência de jogar em consoles, sejam eles para a TV ou portáteis. Hoje podemos jogar Tetris até online. Como você vê a modernização da sua criação? Além disso, em contrapartida dos jogos longos e de mundo aberto como Grand Theft Auto, Tetris continua sendo um jogo de partidas predominantemente curtas…

Acho que é perfeito, pois temos uma indústria muito rica! Temos vários gêneros de jogos e todos são igualmente valiosos. É perfeitamente viável termos jogos mais divertidos e curtos e outros mais longos e densos. Faz parte da natureza da indústria e do seu desenvolvimento e na minha opinião, que pode ser considerada bem forte, videogames são a melhor forma de entretenimento, porque mantêm o espectador ativo no assunto. Não é igual assistir à televisão por horas e não poder interagir [com o programa transmitido], mas sim ter a chance de participar e também de praticar. Por isso, todos os gêneros dentro do mundo dos videogames são legítimos e bem-vindos.

Portanto, Tetris pelo visto ainda viver por muito tempo. Muito obrigado pela entrevista!

Muito obrigado pela oportunidade!

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Para mais informações sobre a Brasil Game Show 2023 e o mundo dos games em geral, fique ligado aqui na Torre de Vigilância!

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TORRE ENTREVISTA: MAX ANDRADE

Muitas pessoas acreditam que os anjos existem e que se comunicam com as pessoas no plano terrestre. Uma dessas formas de comunicação é por números. O Anjo 32, que é quando a pessoa ver por “coincidência” esse número mais que o normal, dizem que significa que devemos estar mais presente conosco mesmo. Isso sugere que devemos desligar o modo piloto automático e comecemos realmente a prestar atenção ao que está acontecendo ao nosso redor.

Também precisamos nos projetar da maneira que queremos ser vistos para atrair a energia que desejamos, ouvindo as pessoas que estão perto de nós. Na simbologia, o número 32 é atribuído para pessoas que precisam se manter firme em suas crenças e decisões.

Porque estamos falando sobre “simbologia” Ricardo? Pois bem, seja coincidência ou não, a Graphic MSP #32 fala exatamente sobre Anjos. E como ele precisa desligar o piloto automático e prestar mais atenção ao seu redor.

Anjinho – Além é escrita e desenhada pelo Max Andrade e leva o icônico personagem de Maurício de Sousa em uma jornada de conhecimento após questionar o Criador e ele perde a auréola e as asas e é enviado à Terra, para realizar uma missão. Contudo, não vai ser nada fácil concluí-la. No caminho ele encontra outros personagens como Rolo, Humberto, Denise…

 

Batemos um papo com Max Andrade, que tem na sua bagagem prêmios como Internacional Silent Manga Audition (premiado no Japão), o elogiado Tools Challenge e o incrível Juquinha – O Solitário Acidente da Matéria, sobre Anjinho – Além, a sua jornada e como o personagem “conversou” com o autor.

1. De onde veio as principais influências para conceber Anjinho – Além? Me lembro, principalmente durante o ano passado, você postando que diversas vezes estava escutando uns rocks cristãos e tal…

Na verdade eu gosto de fazer piada o tempo todo. Eu não conheci nenhuma banda nova nesse sentido, tudo que eu escutei eram músicas que eu já escutei pela vida toda. Mas falando de influências, não teve nada relacionado a isso pelo que posso me lembrar. O nome da obra inicialmente veio do título “Higher” do P.O.D, que seria “Mais Alto”, literalmente, mas como quem acompanha o selo sabe, quase todos os nomes de Graphics MSP tem apenas uma palavra, aí mudei pra Além e o Sidão (Sidney Gusman, editor do selo Graphic MSP) curtiu.

De resto, acho que as influências de toda minha vida. São muitas, mas por alto, as primeiras que vieram na minha cabeça: YuYu Hakusho, Yonlu, Hideki Arai, Spy x Family, Emicida, enfim…

2. Você acha que por ser um personagem que envolve fé, algo que é tão debatido hoje em dia, ao criar a história você tomou cuidado, ou teve alguma recomendação da MSP, para não soar iconoclasta? Ou o enredo que foi tramado já cuidava para não ficar assim?

Eu não pensei nisso enquanto fazia a história, sinceramente. No geral, meus trabalhos já são family friendly, e isso não é exatamente uma barreira pra mim. Só contei a história que queria contar, e felizmente o editor topou de primeira. Mesmo assim, já saíram alguns comentários reacionários por aí, só com a sinopse, a capa e os previews. Não tem jeito, de certa forma é um trabalho sensível.

 

3. Já ouvi gente falar que ficou tão envolvida em um trabalho que os personagens “conversavam” com a pessoa. Acredito que você por muito tempo viveu e respirou o Anjinho. Vamos viajar bem longe… de alguma forma, trabalhar o Anjinho lhe fez pensar a sua fé, seja no que você acredita ou não?

Pior que sim (risos). Eu não esperava isso, mas foi 1 ano e alguns dias do convite até a entrega do trabalho pronto. Desse período, 6 meses foram focados trabalhando nela. Pensei muito, mas não concluí nada, como de costume. Mas me sinto muito grato, ao que quer que seja, por estar conseguindo realizar este sonho. É algo que eu queria fazer há mais de 10 anos. As pessoas só vão entender isso (parcialmente) quando lerem a HQ.

4. Pelo o que parece nas prévias e até mesmo no texto do Duca Tambasco (baixista da banda Oficina G3), presente na HQ, o pavio aceso de Anjinho será uma mistura de questionamento com a sua Autoridade Máxima e um tanto de soberba do personagem. Ao ser jogado do céu, ele parte para uma viagem para se reencontrar ou encontrar no que acreditar ou mesmo achar o “propósito”. Se for por esse meu “chute”, é possível que muitos leitores, sejam cristãos ou não, se vejam no Anjinho?

Eu fiz uma história que acredito ser universal. Eu nunca estou tentando ENSINAR nada quando faço uma HQ, eu vejo mais como um comentário que eu faço sobre um tópico, uma coisa que eu passei, vivi, e cheguei em alguma conclusão. Aí, pode fazer sentido pra quem precisar. Foi assim com o Tools Challenge e o Juquinha, e aqui eu segui o mesmo princípio.

Então, acho que o que falo na HQ pode servir pra quem acredita na vida após a morte, pra quem tem qualquer outra crença alternativa, ou mesmo nenhuma crença.

5. Na onda da pergunta anterior… você tirou o Anjinho do seu lugar seguro, e vemos muitas histórias, principalmente que envolvem figuras divinas, que tirar esse topo do personagem do lugar comum é um recurso bem usado. Muitas vezes bem e outras não. Como você fez para Anjinho não cair no lugar comum como essas outras histórias?

Não pensei muito nisso também. É uma história muito pessoal, muito minha, então não tem como nenhuma outra ser igual a ela. E quando eu faço uma HQ, o pensamento é esse: fazer algo real, verdadeiro, em que eu acredito. De resto é torcer pra dar certo (risos).

6. Acho que todo mundo, em algum momento, já pensou em realizar de uma MSP. Antes do convite do Anjinho, tinha algum personagem específico que você gostaria de fazer?

Acredito que pelo menos 90% dos quadrinistas brasileiros gostariam de fazer uma, por tudo que isso envolve. No meu caso, eu queria fazer exatamente a Graphic MSP do Anjinho, desde sempre. Não é como se eu não fosse aceitar fazer outra, mas meu desejo sempre foi esse, embora eu não tenha compartilhado ele praticamente nunca com ninguém até receber o convite.

7. O que o SEU Anjinho tem do Max?

Primeiramente, não acho que é o MEU Anjinho (risos). Inclusive, trabalhar com a Turma da Mônica é começar com meio caminho andado. Meu respeito pelo Mauricio é enorme, e o personagem é dele. Agora, na história que escrevi, o personagem reflete o que eu penso sobre a vida aqui na terra, no geral.

8. Quais os próximos projetos depois do lançamento de Anjinho?

Muitos, mas todos são SE-GRE-DO! (risos).

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Conheça a Tortuga, a nova editora nacional

Cheirinho de editora nova no ar! E esse clima de final de ano, nos trouxe um presente maravilhoso, que foi a estreia da Editora Tortuga. A Editora, já chegou trazendo muitas novidades para o mundo dos quadrinhos, com um Catarse no ar, de DOIS GENERAIS, do cartunista e ilustrador canadense Scott Chantler.

A Editora Tortuga estreou aqui no Brasil, através do projeto dos idealizadores Flávio Soares e MJ Macedo, que gentilmente aceitaram nos conceder uma entrevista para nosso público conhecê-los melhor. Segue abaixo:

Monique – Como iniciou a ideia da editora e quem foram os idealizadores do projeto?

Flávio
A ideia da Tortuga nasceu a cerca de um ano. Eu tinha a ideia de montar uma editora e o MJ também pensava nisso como um “braço” para a MEMY. Como já temos uma relação de amizade e de trabalho há alguns anos, vimos que fazia mais sentido juntar esforços em uma única editora. Daí nasce a Tortuga como um selo dentro da MEMY – que produz uma pancada de conteúdo e vai anunciar nos próximos dias um calhamaço de projetos que estão sendo feitos há bastante tempo também.”

MJ
“A MEMY surgiu como um projeto pessoal meu, uns anos atrás, de criar uma empresa de entretenimento brasileira focada na criação e produção de propriedades intelectuais exclusivas, minhas e de outros artistas. E expandir essas ideias pro máximo de mídias possíveis: quadrinhos, livros, games e animações pro mercado nacional e internacional. Entre esses projetos, atualmente temos exclusividade das obras de Deodato Borges e Mike Deodato Jr, como o Flama, Ramthar, 3000 anos Depois e Quadros. Todos sendo desenvolvidos e reformulados para o mercado internacional e o público atual.

Parte do planejamento era ter outros braços e selos que dessem suporte a nossa atividade principal – de desenvolver projetos próprios – e conseguissem manter a equipe e os artistas envolvidos sem precisarmos nos tornar dependentes exclusivamente de investidores privados ou financiamento público. Minha principal preocupação sempre é ter liberdade criativa e autonomia artística, pros projetos serem desenvolvidos da melhor maneira possível. Dessa maneira surgiu, por exemplo, um estúdio de produção gráfica que atende editoras e produtoras de games/animações no exterior desde 2019, entre outras atividades e cujos lucros são revertidos para investir nas outras operações e manter toda a equipe.

Começamos a falar da Tortuga aproximadamente há um ano atrás, conforme o Flávio disse, e eu vi uma oportunidade de trabalhar também com projetos de autores nacionais que não entrariam na grade editorial da MEMY, por fugirem do escopo dela de obras mais voltadas para cultura pop. E desde então começamos a organizar a editora, fazer o planejamento e negociar com os autores.”

Monique – Adorei essa estréia no Catarse! Qual foi a motivação para esses primeiros títulos escolhidos?

Flávio
“O grande critério foi a qualidade. Independente da temática e de onde vem o quadrinho, ele precisa ter qualidade. DOIS GENERAIS se encaixa perfeitamente nisso e é um grande cartão de visitas para a Tortuga e para nossa visão editorial. Estamos falando de um quadrinho de um autor premiado lá fora, eleito um dos 40 melhores livros canadenses de não-ficção, publicado originalmente em 2010 e que nunca foi lançado aqui.

É este tipo de material que estamos de olho. DOIS GENERAIS é, na minha opinião, a melhor visão em quadrinhos para a II Guerra Mundial. E ainda tem um impacto maior não apenas por mostrar um lado que a grande indústria do entretenimento pouco mostra – a participação das tropas canadenses no front europeu – como também por se tratar de uma história real que mostra a atuação de Law Chantler, avô do autor, Scott Chantler, e seu amigo Jack Chrysler como oficiais da Infantaria Ligeira das Terras Altas Canadense.

Está tudo lá: treinamento, Dia D, avanço e conquista de territórios e todos os absurdos que uma guerra produz. Tudo isso contado de maneira brilhante por um narrador muitro habilidoso e que foi pouco visto por aqui.

Um ponto que vale ressaltar em nossa estratégia no Catarse é com relação ao preço e à entrega do livro. Independente do Catarse, DOIS GENERAIS será publicado – toda a parte de design editorial e letreiramento está pronta e o livro está, neste momento, em sua primeira revisão. Com isso em mente, muitas pessoas podem pensar “bom, se vai ser publicado, compro depois na loja ou no site”. Isto será possível, sim, mas o preço de R$ 35,00 (mais frete) que está no Catarse, vale apenas para o Catarse. É um preco especial de pré-venda. Quando o livro for para o site, custará, por baixo, R$ 50,00 (mais frete). Então, se ainda falta algum fator para o leitor decidir a compra – além da qualidade absurda de DOIS GENERAIS –, este fator é o preço: os preços de pré-venda valem apenas para a campanha do Catarse (inclusive com dois pacotes especiais para lojistas).”

Um outro ponto no qual estamos muito focados é na entrega. Como disse antes, a produção está correndo e o livro será impresso e entregue em fevereiro de 2022 ou até antes, se for possível. E este será o padrão para todos os livros da Tortuga – neste momento, já estamos trabalhando em nosso segundo título que entrará em campanha em janeiro de 2022.

Monique – Quais são os próximos passos da Tortuga para o próximo ano?

Flávio
“Conquistar o mundo, claro! (risos)

Falando sério, além de seguirmos com a publicação de material licenciado, nossos planos prevêem a produção e publicação de material inédito nacional – sempre mirando o combo qualidade + preço, porque, para nós, quadrinhos precisam ser baratos e isso não afeta a qualidade. Nossa ideia é nos próximos 12 meses estabelecermos uma régua de dois lançamentos por mês, sempre fazendo um valor muito mais atrativo na pré-venda pelo Catarse. Para o futuro, um de nossos projetos BR é, inclusive, a volta de um título clássico repaginado para o público e mercado de hoje (mas não posso adiantar mais nada além disso por enquanto).”

MJ
“Vale lembrar que nosso segundo título, Altai & Jonson, de Giorgio Cavazzano e Tiziano Sclavi, é nossa próxima publicação. A pré-venda começa em Janeiro e também será pelo Catarse.”

Monique – Muito obrigada por esse papo! Foi um prazer conhecer a Tortuga, espero ver grandes realizações para o próximo ano. Gostaria de deixar uma mensagem para os nossos leitores?

Flávio
“Nós é que agradecemos pelo espaço que vocês nos deram para falar da Tortuga.

Para os leitores, o que podemos dizer é: sigam a Tortuga nas redes sociais para ficarem por dentro de tudo que estamos planejando. Sigam também a MEMY para ver todos os outros projetos de conteúdos que estão sendo desenvolvidos e vão ganhar a luz do dia nos próximos meses – tem muita coisa, a Tortuga é só um pedacinho pequeno de tudo o que está acontecendo neste exato momento.

E usem nossos canais para mandarem sugestões. Nós queremos saber o que os leitores querem ver publicado aqui no Brasil. Como dissemos antes: não importa o mercado de onde vem o material (Europa, Ásia, Americas); o que nos importa é a qualidade. Se a sugestão fizer sentido dentro do nosso escopo editorial.”

MJ
“Muito obrigado pelo espaço! E para os leitores, só queria acrescentar que somos um grupo de artistas e profissionais, que dia a dia tem trabalhado duro para descobrir novas maneiras de financiar e produzir arte, num sistema cada vez mais auto sustentável e independente. E temos conseguido avanços incríveis, a Tortuga é só a pontinha do Iceberg. Mas ainda estamos começando. Então, vocês são peças fundamentais para que isso tudo realmente se concretize. O suporte do público é que vai fazer com que essa e muitas outras magias aconteçam.”

Entrevistados:

  • Flavio Soares | TORTUGA.MEMY.MEDIA – Editor in Chief | Editor chefe
  •  MJ Macedo | MEMY.media – Chief Executive Officer | Diretor Executivo

O lançamento de DOIS GENERAIS está com um preço promocional de R$ 35,00 + frete (Valor para aquisão apenas de Dois Generais) , valor bem especial para ninguém ficar de fora não acham? E mais! Para quem apoiar ainda vai encontrar nos pacotes de recompensas além dos papéis de parede, mais dois quadrinhos da editora Marsupial/Jupati, Desastres Ambulantes e Ruínas.

Link para o apoio do Catarse no Banner abaixo!

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Torre Entrevista: Larissa Palmieri

Lá pelos idos de 2017, a jovem Larissa Palmieri realizou um dos seus sonhos: publicou sua primeira história em quadrinhos, ela saiu na coletânea Space Opera em Quadrinhos, pela Editora Draco. Ela já andava pelos caminhos dos quadrinhos realizando resenhas no seu blog pessoal e na batalha de uma série de cursos de roteiros.

De lá para cá, foram publicações em editoras e dezenas de histórias importantes, como por exemplo, “Meu corpo, minhas regras” da coletânea Na Quebrada da Editora Draco, a recente adaptação em quadrinhos para Frankenstein de Mary Shelley, recentemente veio a grande notícia em que o quadrinho O Fantasma da Ópera em São Paulo, que tem desenhos de Al Stefano e edição de Daniel Esteves foi aprovado no ProAc Expresso 20/2021 e uma adaptação literária de um famoso livro infanto-juvenil, em parceria com a Fabi Marques e Mario Cau também aponta no horizonte. Ou seja, a musa dos quadrinhos nacionais está com tudo e não está prosa.

Aqui conversamos sobre processo de trabalho nos roteiros, “pitacos” em parcerias e como usar, ou tentar, as redes sociais para promover o próprio trabalho de maneira sadia dentro e/ou fora da nossa bolha. Sem mais delongas, Larissa Palmieri:

1 – O que você está lendo atualmente?

No momento em quadrinhos estou lendo “Terra da Garoa” do Rafael Calça e do Tainan Rocha, além de ter pego umas edições antigas da Revista Animal pra ler também. De livro, estou alternando entre Hellraiser do Clive Baker com o Onze Reis do meu querido amigo Tiago P. Zanetic. Mas preciso urgente terminar o Retrato de Dorian Gray do Oscar Wilde.

2 – Esse ano você lançou a adaptação de Frankenstein da Mary Shelley. Essa obra é muito mais do que uma história de monstros, como muitos consideram e pensam. Como foi trabalhar em cima de um texto tão cheio de camadas, e ainda tentar colocar as suas características nela?

Foi uma responsabilidade enorme. E coincidiu de começarmos esse trabalho junto com a pandemia, então foi um momento muito tenso da vida de todo mundo e o ritmo ficou bem bagunçado. Mas tive a oportunidade de dar um mergulho e eu acabei lendo o livro várias vezes, estudando a vida da Mary Shelley pra entender melhor os subtextos que estavam ali. Mas, de todos os desafios, acho que o maior foi tentar contar essa história de uma forma que fosse acessível para mais idades e que pudesse combinar com o traço do Pedro também. Tive que segurar um pouco meus ímpetos mais violentos de narrativa como costumo fazer sempre essas histórias e foi uma experiência interessante.

3 – Um passarinho contou que você, juntamente com o Mario Cau e a Fabi Marques estão no forno para lançar um novo trabalho. O que podemos esperar? Será que pode adiantar alguma coisa sobre?

Ah, eu acho que dá pra imaginar que é um dos trabalhos mais lindos que fiz até agora. Também posso dizer que essa adaptação literária de um famoso livro infanto-juvenil, com adaptações para série televisiva, é uma saga muito conhecida na língua inglesa, em especial no Canadá. Como autora, foi algo muito diferente de tudo o que já fiz até agora e amei demais navegar por esses estilos.

Lindo spoiler do projeto que terá cores da Fabi Marques e roteiro de Mario Cau.

 

4 – Já se foram um ano e tanto de pandemia. Isolamento, ficar longe de eventos e pessoas queridas. Isso mexeu com sua forma de escrever ou com as ideias de roteiros que tinha antes do isolamento iniciar?

Estou totalmente “trilili” das ideias como autora. Não consegui fazer nada autoral, do zero, desde julho do ano passado. Acho que além de um contínuo esforço para sobreviver e pagar as contas, a falta de eventos, vida social e passar muito tempo em casa meio que fez os meus estalos criativos fugissem de mim. Sou uma observadora do cotidiano e as pessoas no meu entorno sempre me inspiram demais, ao contrário das minhas paredes.

5 – O caminho para se tornar o roteirista muitas pessoas passam por etapas. Existem cursos, o network é importante e sempre estar escrevendo é essencial. Nem que seja uma ponta de ideia. Qual o melhor caminho para chegar nesse nível de competência sendo uma roteirista inteligente, talentosa, poderosa e cheirosa como você?

(RISOS) Obrigada pelo cheirosa. Bom, eu acho que a coisa mais importante de tudo isso que você citou na pergunta é sentar a bunda na cadeira e escrever e realizar – coisa que não ando fazendo por causa desses tempos tenebrosos, mas geralmente é meu modo padrão. Ainda tenho muito pra construir, é verdade, mas publiquei quase 20 histórias desde 2017 porque meti as caras mesmo. Infelizmente o medo segura o nosso ímpeto de subir os degraus e acho que na maior parte do tempo eu não tive esse sentimento apesar de ser uma pessoa muito surtada e sofrer muito com a síndrome do impostor.

Ainda tenho muitos desafios pra superar, como escrever uma história longa completamente autoral, mas sei que vou chegar lá se tiver os gatilhos certos. E acho que isso vale pra todo mundo, não parar muito pra pensar nos poréns, mas começar a escrever e ir atrás. A sua primeira história será ruim, as próximas serão piores do que as futuras. Mas tem uma frase que eu amo: antes feito que perfeito, e é assim que eu sigo com a minha vida, com o tempo vou lapidando a técnica com a prática. E tem que ter tesão por contar histórias, né?

O Fantasma da Ópera em São Paulo, que tem desenhos de Al Stefano e edição de Daniel Esteves foi aprovado no ProAc Expresso 20/2021.

6 – Você é uma roteirista que caminha entre os dois pontos: ser publicada por uma editora e também pelo fato de ser independente. Hoje temos algumas mídias que sempre serviram para divulgar e atingir o público. Mas com a mudança do Instagram, o algoritmo do Facebook caindo cada vez mais, o Youtube é caixa de surpresa e eu sempre acho que o Twitter é mais para a nossa bolha de alcance, como elevar o trabalho para mais pessoas? Um dos caminhos seria apostar nos blogs pessoais?

Eu sinceramente acho que estou ficando velha. Pois não consigo me adaptar a esse momento louco em que o vídeo para redes sociais está em primeiro lugar, é um pesadelo pensar em ficar gravando coisas pras redes sociais. Dá um trabalho enorme e irá morrer nos próximos cinco minutos. Por isso ainda amo o Twitter, as pessoas pelo menos estão lendo alguma coisa, ainda que vire uma bola de neve de caos e tretas às vezes.

Eu acho que nosso problema com formação de leitores é muito mais profundo e grave, pois competir com as redes sociais é quase uma guerra perdida, além de estarmos neste esgoto do governo atual que vai deixar uma marca profunda de desinformação e abandono. Quem conseguir se adaptar a esses tempos novos se dará muito bem, mas é um desafio e tanto para os quadrinhos, que ainda sofrem um pouco para encontrar um formato que realmente seja um sucesso em telas. Por isso, até cogito trabalhar com audiovisual de alguma forma com séries ou cinema, sem abandonar os quadrinhos, claro. O que importa é contar histórias, sempre.

7 – Como funciona o processo de criação de uma história com você? Tipo você é daquelas pessoas que chega para o desenhista e dá aquele “pitaco”? E também rola o “pitaco” vindo do outro lado?

Eu sou uma pessoa de referências meio inusitadas, como meus próprios sonhos, experiências bizarras de vida, jornalismo policial… Leio menos quadrinhos do que devia, na verdade. Estou sempre mergulhada em outras coisas, como buscas insanas sobre um assunto qualquer na internet. No começo me via mais presa a certas etiquetas de gênero, hoje tenho vontade de contar apenas as minhas histórias de acordo com meu fluxo. E sim, quando se trata da criação do conceito da história, eu adoro fazer isso em parceria com o desenhista. Amo “pitacos” e sou “pitaqueira” também, quando estou em uma parceria boa funciona superbem. Sou uma ótima parceira, faço guia de roteiro, pesquiso fotos pra referências, ajudo a tirar dúvidas e tudo mais, modéstia a parte.

8 – Muitas vezes o trabalho do roteirista é um tanto solitário, é você com sua história e seus personagens. Às vezes é necessário passar para uma outra pessoa ler antes de ir para o editor ou nem todo texto é assim?

Eu sempre preciso de outras opiniões no meu texto. Além da insegurança natural de alguém que não domina todas as ferramentas, tem coisas que você tá tão viciado na sua forma de enxergar a história que escapam à percepção, então tem que ter leituras críticas sim. Felizmente tenho grupos de amigos autores que sempre me ajudam nesse sentido e eu também sempre leio as coisas deles.

9 – Uma das histórias que eu mais gosto sua é “Meu corpo, minhas regras” da coletânea Na Quebrada da Editora Draco. Ela mistura religião, abuso de poder, cyberpunk e um forte discurso feminino. Você uma vez falou da sua experiência com a religião, digamos, mais doutrinadora. Você às vezes se vê com essa “missão”, ou por poder falar com um alcance maior, não somente sobre esses temas, de colocar assuntos tão importantes nos seus roteiros?

Nem é uma coisa que eu racionalizo muito, são só as minhas questões pessoais que eu sinto um impulso inevitável de colocar nas histórias. São muitas das minhas experiências de vida somadas as minhas idealizações, mas não penso muito sobre atingir as pessoas com uma lição de moral ou expondo algo que deve ser denunciado e sim em fazê-las sentirem a jornada com o que conto no roteiro. Algo em mim crê que a transformação acontece mais pelo impacto ao ler uma história do que quando é mais panfletário – não sei se essa é a palavra certa, mas é por aí. É muito o caso de “Meu corpo, minhas regras”, que você citou.


10 – Qual seria o desenhista, ou equipe criativa, que você gostaria muito de trabalhar?

Essa pergunta é TÃO difícil de responder, eu não idealizo demais isso porque a vida sempre me surpreende com possiblidades que eu não imaginei que teria e, sabe como é, um roteirista não pode se dar muito ao luxo de escolher. Eu amo quase todo mundo com quem eu trabalhei até aqui, na real, repetiria várias parcerias.

11 – Qual seria o assunto, ou história, que você gostaria de escrever e não tem nada a ver com você, qual seria?

Eu gostaria muito de fazer um quadrinho histórico sobre o período colonial do Brasil. E talvez um dia me arriscar na comédia, pois é algo completamente fora da minha zona de conforto e ainda não me desafiei nesse sentido.

12 – Quais os projetos da Larissa para a reta final de 2021?

Bom, vem aí uma adaptação literária que ainda não foi anunciada, como disse acima, e também estou trabalhando em uma história mais curta com o querido André Oide, acho que conseguimos lançar a campanha no Catarse na CCPX deste ano.

13 – E se você pudesse voltar no tempo e encontrar a Larissa Palmieri dez anos atrás, o que você diria para ela e o que ela diria para você?

Eu diria para ela: guarde dinheiro e invista em coisas mais sólidas. Cuide da sua saúde. Estude muito. Larga o que não te faz bem e vai atrás dos seus sonhos. Ela diria para mim: Sou sua fã. Você é incrível e corajosa.

 

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Quadrinhos Torre Entrevista

Torre Entrevista: Thiago Ferreira (Comix Zone)

Era uma vez um alagoano. Ele morava no Canadá e tem uma paixão por quadrinhos. Então ele criou, em 2015, um canal no Youtube. E mesclando boas indicações de quadrinhos, resenhas e bebendo nas lágrimas dos haters, surgiu o sonho de se tornar um editor de quadrinhos e tocar a sua própria editora. Eis que surge Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, já conceituado romancista, e assim nasceu uma parceria que ninguém esperava, Thiago Ferreira, o popular Arromboss,ambos lançam a Editora Comix Zone em 2019. 

Com a meta de publicar HQs que fujam do lugar comum, lançar artistas inéditos, histórias boas e com mensagens edificantes, a primeira publicação da Comix Zone foi a Canção de Rolland (2019) do canadense Michel Rabagliati, até então inédito no Brasil. De lá para cá a editora lançou importantes publicações, se tornou a casa da lenda Lourenço Mutarelli, sucesso de críticas, tanto nas histórias quanto na qualidade gráfica e arrebatou o Troféu HQMIX. 

Mas, Thiago sempre fala que um dos pilares mais sólidos na editora é a atuação do canal homônimo no YouTube. Com quase 60 mil inscritos, ele é o elo entre público e editora, que ajuda a impulsionar no sucesso crescente a cada publicação. 

Aqui batemos um papo com o Thiago Ferreira, via áudios de Whatsapp, onde ele falou sobre início da editora, união com o Ferréz, a “missão” da editora, como se tornou a casa do Mutarelli e o seu sonho de princesa. 

1 – O que você está lendo atualmente? 

Em Ondas (Editora Nemo) e Imbatível (Editora Saber Ler). 

2 – Eu me lembro de um vídeo seu, um pouco antes de começar a editora, falando sobre fazer o que gosta. Se não me engano você falou que saiu do trampo que estava e ia iniciar em algo que sempre amou fazer, então veio a editora. Passados, acho que três anos, nem vou perguntar se está satisfeito com a decisão porque é óbvio a resposta, mas você achou que em algum momento tinha queimado a largada e antecipado o processo, ou pensa que poderia ter feito antes? 

O tempo foi perfeito. Não saí nem cedo demais e nem tarde demais. o empurrãozinho foi dado pelo meu antigo chefe da agência de marketing, onde trabalhei por seis anos. Sempre tive meus projetos paralelos, sendo o primeiro deles o canal. Quando comecei a “trampar” na editora, eu ainda estava como designer. Só que aos poucos meu chefe começou a reparar que eu estava rendendo cada vez menos no meu trabalho de verdade, porque minhas energias estavam na editora. Então no final de 2019, ele me chamou na sala dele e disse que estava feliz pelos meus projetos pessoais, até porque nunca escondi o que eu fazia, mas eu precisava escolher o que eu queria fazer da vida.

Porque fazer as duas coisas não dava, ele me disse que eu precisava decidir se ia focar no trabalho ou nos projetos pessoais. Essa conversa foi numa sexta-feira, na segunda-feira seguinte eu pedi demissão. Ele entendeu de boa, porque ele sabe o valor e o peso de ter projetos pessoais. Foi no tempo certo, nem cedo demais, nem tarde demais.

3 – Já vão completar três anos que a editora Comix Zone está na ativa, e meio que ela ditou algumas melhorias no mercado, juntamente com a Pipoca & Nanquim, Figura… o que foi bom, porque merecemos sempre melhores histórias e com produtos de grande qualidade. Você acha que tanto o leitor e o mercado estavam preparados para essa “subida de sarrafo”? 

Eu gosto de pensar sim que somos responsáveis por uma melhoria nos quadrinhos publicados no Brasil. Graças a nossa curadoria, eu acho que ajudamos a sofisticar mais o leitor que está pensando menos em quadrinho de super-herói descartável e está dando uma chance para quadrinhos de outros gêneros, de outros países…, mas isso não se deve somente ao trabalho da editora. Se deve muito ao canal do Youtube, que veio muito antes da editora. A editora é de 2019 e o canal existe desde 2015, e essa confiança que construímos ao longo desses anos, fez com que os leitores confiassem nos quadrinhos que nos publicamos. A editora não vive sem o canal, é uma ligação direta. O sucesso vem muito desse vinculo. 

Ferréz

4 – Como foi essa união com o Ferréz? De onde surgiu essa parceria? 

O Ferréz eu só conhecia de nome. Nunca tinha lido nenhum livro dele, mas sabia quem ele era por causa do Instagram. Eu já tinha feito alguns vídeos falando sobre a minha vontade de ser editor de quadrinhos, dos cursos que tinha feito, mas eu sabia que nunca ia conseguir montar uma editora morando no Canadá. E o Ferréz acompanhava o canal, e eu não sabia disso, então um belo dia ele me enviou uma mensagem, isso foi em abril de 2019, depois de assistir um desses vídeos. Ele me perguntou se eu não queria entrar em algum projeto com ele, até então não tinha o papo de editora ainda. Era um projeto ou algo parecido. Então sugeri montar uma editora e ele topou na hora! Parecia até mágica, saca? Sabe aquele lance de duas pessoas que parecem que se conhecem ao mesmo tempo? Foi isso. Tudo comigo e com o Ferréz acontece de forma bem rápida, direta. Não tem isso de reunião, demora e tal… a gente conversa, acerta e faz. E até hoje funciona assim. 

5 – Como rola a escolha das obras para serem adquiridas e publicadas? Rola uma leitura de ambos, ou tem aquilo de “cara, vamos fazer isso aqui que essa parada é boa”. 

A curadoria é feita 100% por mim. Como moro no exterior tenho acesso ao que está sendo publicado aqui fora. Como novidades e backlist das editoras, o material um pouco mais antigo e monto uma lista das coisas mais interessantes. Eu faço um pitch para o Ferréz. Aquele pitch de elevador de um ou dois minutos com premissa do quadrinho e porque ele seria pertinente. Se ele comprar a ideia, a gente corre atrás, adquire os direitos e publica. Ele não lê os quadrinhos antes, até porque os quadrinhos na esmagadora das vezes são importados e ele não fala nem francês e nem inglês. É uma relação de confiança. Ele confia no meu gosto e que tem se provado as escolhas editorais são bem acertadas. Eu costumo falar que o Ferréz é o meu primeiro cliente, eu faço o pitch e se ele achar interessante corremos atrás para publicar. 

A Canção de Roland foi a primeira publicação da Comix Zone em 2019.

6 – Qual a publicação que te deu mais prazer de fazer? Aquela que te dá um puta orgulho. E aquela que você pensou que fosse estourar demais, tanto na parte financeira quanto na parte de reação da galera e não foi tão bem assim? 

Todos os quadrinhos dão um certo prazer, principalmente quando nós o terminamos (risos). Mas de orgulho… tem uns que gosto mais… gosto de todos (pensativo), Paracuellos e a Grande Farsa são dois que eu gosto muito, recentemente teve O Guarani e Contos Ordinários de uma Sociedade Resignada, porque são dois autores que nunca foram publicados no Brasil antes. E a editora vai, publica, as pessoas falam a respeito deles e eles são sucesso. Isso é o que me dá mais prazer. Ser capaz de colocar no mercado um quadrinho que as pessoas nunca tinham ouvido falar antes. Graças ao trabalho que fazemos no canal, as pessoas confiam, compram e elas adoram. E falam a respeito e passam para frente. Esses são apenas alguns que mais gosto, mas gosto de todos. 

7 – A Comix Zone será destinada para quadrinhos ou teremos também livros publicados? 

Existem sim conversas sobre publicar livros, acho que pode acontecer no futuro, mas não posso confirmar nada. 

8 – Vamos falar de O Golpe da Barata – Tem Fantasmas em Casa. Eu li umas resenhas sobre ela e todas foram bem taxativas: é uma história pesada, mas necessária de ser contada. Como foi o processo de negociação e edição de uma história tão importante? 

O Golpe da Barata é um quadrinho muito importante. É uma aposta da editora. Um quadrinho que vai impactar muita gente, fala de um tema super relevante. O primeiro quadrinho escrito por uma mulher na editora e isso alivia um pouco a gente. Porque, infelizmente, o nosso catalogo era muito masculino, mas sabemos que estamos longe ainda do ideal, mas estamos trabalhando para mudar isso e trazer mais mulheres para o nosso catalogo. Foi um quadrinho super tranquilo de contratar, até porque a Gata Fernandez é autora nova, desconhecida no país, ou seja, não tem muita gente se “estapeando” (risos). Agora eu acho que vai ter mais gente olhando para as obras dela. Essa é a vantagem de olhar para onde ninguém está olhando, encontramos boas histórias de grande relevância sem grandes concorrências. 

9 – No lance de publicar Che, que é um clássico do quadrinho sul americano, pareceu ser um sonho bem antigo de vocês. Essa ainda tem um texto do Guilherme Boulos. Como surgiu a ideia do Boulos criando um texto? 

Eu não digo que publicar o Che era um sonho. Não sei se era para o Ferréz. Mas era uma coisa que ia acontecer, ainda mais depois de publicarmos cinco obras do Breccia no Brasil. Depois de publicar somente material inédito, e chegou a hora de fazer essa reedição. E por se tratar de uma reedição, já que ele tinha sido publicado pela Conrad em 2008, a gente queria fazer algo diferente. A minha ideia logo de cara foi chamar realmente o Boulos. O Ferréz que é muito bem relacionado é amigo do Boulos, ele então fez o convite que foi aceito prontamente. 

Che, de Oesterheld, Alberto Breccia e Enrique Breccia, tem um texto do Guilherme Boulos.

10 – Se lembra de quando falei de “elevar o sarrafo”? Hoje em dia temos diversas editoras trazendo grandes obras e com qualidade ímpar. Além de vocês, tem a Figura, Pipoca, Skript… e umas outras que já tinham um tempo no mercado também apresentando obras que dificilmente veríamos por aqui. A concorrência é grande e boa, como consumidor eu acho muito bom isso. Como manter esse movimento sempre engrenado e que fique acessível financeiramente tanto para editoras e para os leitores? 

É… hoje em dia a gente tem muita editora brigando por um dinheiro de público que é bem reduzido. A gente sabe que o quadrinho no Brasil é algo muito de nicho, mas temos o nosso trunfo que é o canal que rola desde 2015, repito, a editora não seria nem de perto tão bem sucedida se não fosse esse relacionamento estreito com o público. No canal do Comix Zone são quase 60 mil consumidores em potencial. E acho que uma editora para ser bem sucedida hoje, precisa do público e ter um material diferenciado. Mas também não adianta ter um material diferenciado se não saber trabalhar aquilo, não souber atingir as pessoas para quem o produto é destinado. Como eu disse, a editora e o canal andam juntos, mas sim o mercado fica cada vez mais concorrido a medida em que mais editoras surgem e o poder de compra do brasileiro fica cada vez menor. 

Thiago além de analises de quadrinhos e anúncios da Comix Zone, também lida com o amor dos haters em seu canal do Youtube.

11 – Qual seria o “sonho de princesa” que você gostaria de publicar pela Comix Zone? 

Meu Sonho de Princesa…. já realizamos alguns, temos tantos outros que gostaríamos de realizar e que vamos realizar. Mas não posso falar porque tem editora por aí querendo “furar os nossos olhos” (risos). O que posso passar é que tem um quadrinho escrito por Mark Russell ilustrado por um brasileiro e que vamos publicar e estou muito animado. Tem outro quadrinho, na verdade é uma série contratada, escrita e desenhada por Marc-Antoine Mathieu, o autor de Deus em Pessoa, que eu sou apaixonado desde que li pela primeira vez, e que vocês mal perdem por esperar. É algo impressionante e que será publicado ainda esse ano. 

12 – O Ferréz falou lá no Flow Podcast, e em algumas outras ocasiões, que o grande barato ou “missão” da Comix Zone é poder publicar coisas que passariam batidas por aqui, ou momentos da história que são esquecidas de propósito. Por exemplo, O Guarani, em todo meu ano letivo, apenas dois professores contaram esse episódio. Agora tem esse, digamos, resgate com Che de Oesterheld e Breccia. Você acha que essa é a principal “missão” da editora ou não tem nada disso, o lance é publicar boas histórias. 

O Ferréz está certo! Uma das grandes missões que temos na editora é aumentar a bibliodiversidade. Não só no nosso catalogo, mas nos quadrinhos do Brasil como um todo. O maior tesão que eu tenho é mostrar para o público um quadrinhista, em um lugar totalmente estranho que ele nunca tinha ouvido falar e tornar aquele nome conhecido e desejado. O que eu mais gosto é quando alguém chega e me fala: “nossa, eu não conhecia isso e preciso desse quadrinho”. O que eu mais gosto é publicar gente nova. 


13 – Vocês se tornaram a casa do Lourenço Mutarelli. E aposto que muitos leitores mais novos, nem conheciam a obra dele tanto assim. A importância de apresentar Mutarelli para essa galera mais nova é imensa. Foi algo pensado trazer o Muta desde o começo da editora e que foto é aquela lá que você postou essa semana marcando o Mutarelli? Pode adiantar algo? 

Publicar a obra do Mutarelli não era necessariamente algo que passava na nossa cabeça quando a gente abriu a editora. Mas quando foi, mais ou menos, na altura do nosso segundo lançamento, alguém do nosso grupo no facebook, em um post sobre catalogo, falou: “Pô, o Ferréz é amigo do Lourenço. Porque vocês não falam com ele para republicar os quadrinhos dele?” Na hora meus olhos brilharam! Eu falei com o Ferréz, como eu disse antes, não somos de conversinha. A gente fala e faz. Falei com ele, eram oito da manhã, duas horas depois, Ferréz me retorna e fala que tinha conversado com o Lourenço e estava tudo certo (risos). Por que o Ferréz é assim. E ele é muito amigo do Lourenço. Tem muitos trabalhos, como o Capa Preta, que o Lourenço não tinha menor vontade de republicar. E ele só permitiu porque ele é amigo do Ferréz. E assim nos tornamos a casa do Lourenço Mutarelli. E em setembro teremos mais uma republicação dele que será o Astronauta ou Livre Associação de um Homem no Espaço, que tem a peculiaridade de ser um quadrinho escrito pelo Lourenço, mas que não foi desenhado por ele. O quadrinho teve um processo bem interessante que envolveu mais três pessoas além do próprio Lourenço. Foi publicado pela primeira vez pela Zarabatana e será republicado em uma edição de aniversário com muito extra bacana e um projeto gráfico que vai deixar a galera babando. 

14 – E na vibe de quadrinhos nacionais, existem possibilidades de mais autores nacionais serem publicados pela Comix Zone? 

Estamos com um quadrinho original sendo produzido por uma pessoa absolutamente brilhante, mas que não posso entrar muito em detalhes e outro projeto que estou louco para mostrar para vocês. E a gente pensa sim na produção de quadrinhos nacionais e vai rolar. Até porque a Comix Zone é uma editora multinacional, com o Ferréz no Brasil e eu aqui no Canadá, e quero muito licenciar quadrinhos para publicar aqui no exterior. Sobretudo na Europa, principalmente na França, Canadá e EUA. 

 15 – Para encerrar, meu chapa, qual os projetos do Thiago e da Comix Zone para esse resto de 2021? 

Veja, eu sou um homem simples. Tudo que eu quero é continuar publicando quadrinho legal, continuar apresentando quadrinhistas incríveis para o público brasileiro, continuar vendendo gibi e fazer essa máquina girar, quem sabe em breve expandir a equipe, contratar um designer talentoso para dividir a produção comigo. Por que tá foda (risos). Mas não tenho o que reclamar, 2021 tem sido um ano incrível e espero que siga assim até o final. 

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Música Torre Entrevista

Torre Entrevista: Jimmy London

Jimmy London fez a fama cantando sobre bebedeiras, brigas e roubos de caminhões em durante quase mais de vinte anos em frente ao Matanza. O seu jeito único de cantar e sua presença de palco criou uma legião de fãs a cantar as histórias do bebum acabado. Com shows históricos e performances destruidoras a banda foi uma das mais importantes nas últimas décadas. Por isso que muitos lamentaram o fim da banda.

Mas nunca é o fim para Jimmy London.

Foto: Felipe Diniz

O vocalista se uniu a banda carioca Rats, que ele já tinha produzido o primeiro disco, e formou a interessante Jimmy & Rats, onde mistura Irish, Folk, um tanto de Country com o bom e velho punk rock. A banda recentemente lançou o excelente álbum Só Há Um Caminho a Seguir.

Em meio a tudo isso ele ainda se uniu com dream team do metal brasileiro como Felipe Andreoli (Angra) no baixo, Antonio Araújo (Korzus) na guitarra e Amilcar Christófaro (Torture Squad) na bateria e assim foi formado o Matanza Ritual, onde pretende reencontrar com o público da antiga banda e no horizonte tem um disco de inéditas.

E ainda Jimmy ainda é ator e apresentador! Participou de produções como a minissérie Dois Irmãos e na novela Deus Salve o Rei, ambas na TV Globo, participou do filme A Viagem de Pedro (2018) e da série Cidade Invisível da Netflix. A próxima produção será O Anjo de Hamburgo do diretor Jayme Monjardim na Globoplay. Na TV ele ainda apresentou o Pimp My Rider Brasil, na antiga MTV e atualmente está de frente ao Rock Estúdio no Canal Bis.

Aqui batemos um papo sobre tudo isso e mais um pouco. Segura aí!

1 – Uma vez você postou no seu Instagram que estava lendo Watchmen. Você curte quadrinhos e está lendo o que atualmente?

Eu me amarro muito em quadrinhos. Quando era moleque, deixava de comer no recreio pra poder comprar duas revistinhas na hora de voltar pra casa. Quando as revistas mudaram de formato, o preço ficou salgado e eu me afastei, mas continuo achando esse tipo de literatura um tesão. Algum dia eu volto a ler com frequência, com certeza. Hoje em dia a vida tá corrida pacas e os livros tem preferencia, mas também entendo que as duas artes dialogam demais. Quem já leu um livro do jack London, com certeza sabe do que tô falando…

2 – Recentemente o Jimmy & Rats lançou o seu primeiro álbum de estúdio. A banda já tinha feito alguns shows, gravados algumas músicas, mas esse é o primeiro trabalho… digamos… completo. Esse tempo todo que passou até culminar no disco, rolou um bom caminho. Esse caminho foi necessário para muitos aspectos? Como por exemplo “afinar” mais a banda em um só ideal?

Bom, eu já tenho uma historia longa com o Rats. Ajudei o Fernando com algumas composições, produzi o primeiro disco deles, então sempre me senti muito confortável com a banda. Mas realmente, na hora em que começamos a trabalhar juntos foi necessário um ajuste de expectativas e no modo de fazer as coisas.

Eu tenho um jeito muito “guerrilha” de fazer as coisas, que se adaptava muito bem a realidade do Matanza, mas no J&R os ritmos são outros e os seres humanos são ímpares. Foi preciso ter um freio de arrumação pra gente conseguir andar em passos sincronizados, mas foi ótimo pra mim também. Sempre bom lembrar que o mundo não funciona de um jeito só e que sempre há uma opção, em qualquer cenário que seja.

Jimmy & Rats

3- É muito visível quanto o Jimmy & Rats de completa e te satisfaz. Vi umas entrevistas suas que você está bem satisfeito e orgulhoso do trampo. Ele foi uma evolução musical para a sua carreira?

Sem duvida alguma. São novas vozes, novos instrumentos e um fim a uma “cela auto-imposta” do Matanza. A verdade é que deixávamos nos fazer reféns do estilo Matanza e a inovação tava ficando de lado. Além disso, meu som mesmo começa com Country, Irish, Folk, Bluegrass, e é exatamente isso que fazemos no J&R.

4 – O Jimmy & Rats tem uma influência de Flogging Molly muito forte. E se olharmos para a música nacional, não temos muitos trabalhos assim, apesar de termos um bom público para esse estilo. Pode-se dizer que esse caminho do Jimmy & Rats é algo novo por aqui?

Não. Aqui no Brasil nós temos o Terra Celta, Confraria e mais uma porrada de banda fazendo essa mistura de Irish e Celta aqui, nos curtimos muito isso mesmo. Talvez nos sejamos a banda que mais mistura isso com o punk rock, mas também não estamos inventando nada. Mas estamos definitivamente colocando nosso tempero nessa mistura, e fico feliz que isso seja percebido como algo único.

Capa do novo álbum

5 – Fiquei sabendo que o Matanza Ritual está com novas músicas engatilhadas e que um álbum de inéditas será possível no futuro. O quanto é importante para a nova banda ter um disco com músicas inéditas nesse “universo” do Matanza? É uma nova identidade ou uma repaginada do que já foi feito?

Na verdade, ainda não sabemos exatamente qual será o futuro do Ritual. O disco tá nascendo porque ele nos obrigou a ser escrito (risos).. As músicas são uma mistura completamente insana das influencias dos quatro integrantes, então acho seguro dizer que vai surpreender a maioria das pessoas.

Obvio que tem sangue de Matanza, mas também vem cheio de korzus, Angra, Torture e mais uma porrrraaaada de coisa. Melhor esperarem pra tirar suas próprias conclusões.

6 – E como foi essa montagem do Matanza Ritual? Foi algo que aconteceu naturalmente ou você chegou a escolher do tipo: “Quero esse aqui no baixo. Esse aqui eu quero na guitarra…”?

Os parâmetros eram simples: tem que tocar pra caralho e ser um puta profissional e gente finíssima. Era uma escolha pra fazer com que fosse, antes de mais nada, um enorme prazer pra se excursionar. Então não houve dúvidas, pq os três caras a bordo são dentre os melhores músicos do Brasil e do mundo, e de uma elegância ímpar.

7 – Eu acredito que a pessoa passe por uma evolução seja na vida pessoal e/ou na vida profissional. O Jimmy de hoje não é o mesmo dos tempos do Matanza. E não será o mesmo de dez anos para frente. Como essa evolução tem ajudado tanto no Rats e para voltar com algo como o Matanza Ritual?

Bom, que bom que eu evolui, né? comecei o Matanza com 20 anos, agora tô prestes a fazer 45 (essa entrevista foi realizada no dia 15/07, um dia antes do aniversário do Jimmy). Se nada tivesse mudado eu teria sérios problemas… eu acho que, hoje em dia, tenho mais clareza sobre o que quero alcançar e mais capacidade de trabalho. Acho que meu discurso também ta mais limpo, com menos interferência externa e isso me ajuda muito na comunicação com o público.

E como também tô fazendo várias coisas ao mesmo tempo, isso ajuda muito a não patinar, quando algo para de andar eu simplesmente mudo o que tô fazendo e volto depois. Costuma dar certo.

O Matanza Ritual, da esquerda para a direita: Felipe Andreoli, Amilcar Christófaro, Jimmy e Antonio Araújo. A banda fará shows em 2022!

8 – Você uma vez falou que sente falta do público do Matanza, (como público do Matanza, também digo que sentimos falta), e como você acha que vai encontrar esse público? Você acha que ele chegou a se renovar?

Não sei se chegou a se renovar ainda, nao tem nem três anos do fim da banda, mas acho que essa galera vai ficar feliz quando sentir a energia que tá guardada dentro de mim pra fazer esses shows do Ritual. Como também tivemos essa sinistra pandemia, eu tô acumulando quase dois anos em casa sem tocar. Imagina quando eu puder colocar pra fora? sai de baixo, mermão…

9 – E a carreira de ator, bicho? Quem viu o Jimmy lá no início do Matanza, nunca imaginaria ver você como ator em novelas. Como está sendo esse rolê? O próximo trabalho será O Anjo de Hamburgo do Jayme Monjardim, que tem uma forte história e uma certa ligação sua por causa de uma parente próxima.

Atuar é tão divertido quando fazer shows, e isso é uma afirmação bem radical. Tô apaixonado por essa nova atividade onde os mais mínimos detalhes ficam enormes a tela e meus instintos precisam ser utilizados ao máximo. Vou ate me conter, ou acabaria falando demais sobre isso. Só digo que tá foda, uma diversão gigantesca e uma honra poder estar fazendo projetos tão importantes.

Sobre a segunda guerra, acho que é um dos capítulos mais terríveis da nossa humanidade. Eu sou judeu e minha família passou em primeira mão vários desses horrores. É essencial falar sempre sobre isso pra que não caia no esquecimento e pra que as pessoas não comecem a usar estapafurdiamente o holocausto como certos políticos tem usado. A humanidade tem capítulos drásticos: os massacres, escravidões, guerras, extermínios…

Não sei como ainda existimos, sendo um ser tao defeituoso e capaz de tanta maldade.

Jessica Córes e Jimmy em cena na série Cidade Invisível.

10 – E qual seria o sonho de atuação? Uma produção que se pudesse gravar seria a cereja no topo do bolo?

Quero muito fazer cinema, algo grandioso. Meu sonho é um puta papel num filmão estilo Senhor dos Anéis. Em breve num cinema perto de você!

11 – O lançamento do disco do Jimmy & Rats agora e as preparações do Matanza Ritual, que terá shows (se tudo der certo com a vacinação) ano que vem, enquanto isso quais os planos do Jimmy para o restante de 2021?

Tudo andando ao mesmo tempo agora! Lives pro J&R, disco pro Ritual, atuando cada vez mais, Rock Estúdio no Canal Bis voltando em breve, e mais uma porrada de surpresa vindo ai!

Seguuura, e puuutaquipariu!!!

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Torre Entrevista: Cadu Simões

Hoje, dia 30/01, é Dia do Quadrinho Nacional, grande parte da produção dos quadrinhos no Brasil é realizada por pessoas que se desdobram em mil com empregos, família etc… para poder dar a sua contribuição a essa arte. E nesse longo caminho dos quadrinhos brazucas, surgiram muitas pessoas que são pilares e cravaram seus nomes, seja com suas contribuições, ou seus discursos e lutas para melhorias para cada um poder publicar sua arte. E uma dessas pessoas é Cadu Simões.

Cadu Simões é autor de gibis lendários como Homem-Grilo e Acelera SP, e sempre de alguma forma esteve presente na cena dos quadrinhos, produzindo, em conversas, eventos ou em bate-papos no icônico Bar do Simões, local capitaneado pelo seu querido pai, que fica em Osasco. E enfrentando uma luta contra o reumatismo que muitas vezes o impede de produzir.

Nessa conversa falamos um pouco sobre como promover a produção de quadrinhos desvinculando noção de mercadoria, a cena de agora com de antigamente, o momento político/econômico do país e como afeta a nona arte e uma dúvida de todo fã: “Seria o Cadu Simões o Homem-Grilo?”

1. O que você está lendo atualmente?

Atualmente estou lendo apenas livros teóricos para faculdade de Letras, que voltei a cursar, depois de ter trancado ela em 2013 por causa do meu reumatismo. Mas assim que eu entrar de férias, pretendo retomar a leitura da minha pilha de quadrinhos que só cresce.

2. Você tem uma interessante ideia de promover a produção de quadrinhos que desvincule a noção do produto como mercadoria a ser vendida num mercado visando a acumulação de capital. Pode dar mais detalhes dessa ideia?

A história em quadrinhos surge, como toda arte, como a poesia, a música, a pintura, não como um produto a ser vendido e comercializado, mas como uma obra a ser apreciada e desfrutada. Mas no século XX, com a criação do formato de revistas em quadrinhos, principalmente dentro do modo de produção e distribuição industrial das grandes editoras, a maioria das pessoas passaram a encarar os quadrinhos apenas como produto e mercadoria e que vai culminar no colecionismo, muitas vezes feito por pessoas nem mesmo leem essas HQs, e apenas ficam exibindo-as na estante.

É como se a obra quadrinhos não existisse mais sem a mercadoria quadrinhos. Mas assim como a música existe sem o produto disco ou CD, os quadrinhos podem existir sem o produto revista ou livro, seja físico ou digital. Então nos meus quadrinhos eu estou tentando um modo de produção e distribuição anticapitalista que vai na contramão do que vem sendo feito tradicionalmente, mesmo nos quadrinhos independentes, desvinculando ao máximo os quadrinhos como mercadoria.

E isso é feito principalmente publicando-os sob uma licença livre Creative Commons, que permite que qualquer um possa copiar, compartilhar e redistribuir minhas obras em qualquer suporte ou formato, assim como transformar, remixar e criar outras obras a partir das minhas, mesmo que para uso comercial, desde que seja dado o crédito apropriado aos autores, que seja indicado a fonte das obras, e que qualquer obra derivada seja distribuída sob a mesma licença, dessa forma promovendo um ciclo virtuoso de cultura livre.

A produção das minhas HQs são financiadas por financiamento coletivo recorrente e são publicadas online, nos sites de cada respectiva série em quadrinhos, de forma gratuita para a leitura de todo mundo, e não apenas para os apoiadores. Afinal, apesar de não existir almoço grátis, uma vez que o almoço foi pago e produzido, porque não compartilhar com os outros? Ainda mais quando esse almoço pode ser copiado e reproduzido infinitamente sem a perda ou o esgotamento de cada cópia.

O objetivo é que seja priorizado pelos leitores o valor de uso dos quadrinhos como objeto artístico e cultural, e não seu valor de troca como mera mercadoria. Assim, todos podem se sentir vontade para ler, compartilhar, imprimir, distribuir e criar obras derivadas a partir das minhas HQs.

O Homem-Grilo

3. Muitos consideram você, digamos, uma “velha guarda” dos quadrinhos nacionais. Ao seu ver, tirando a tecnologia, o que mudou de melhor para que produz quadrinhos no Brasil?

Acho que as duas principais mudança para melhor nos últimos 20 anos, desde que comecei a fazer quadrinhos, foi, primeiro, o aumento na quantidade de eventos de quadrinhos com espaço para quadrinistas. Hoje em dia alguém que está começando e acabou de fazer seu primeiro quadrinho, pode ter uma mesa para vendê-lo em grandes eventos como o FIQ em Belo Horizonte, a Bienal de Quadrinhos em Curitiba, ou a CCXP em São Paulo. Quando comecei isso para mim era impossível.

E segundo, o surgimento das plataformas de financiamento coletivo, como o Catarse, que permitiu o financiamento de várias obras em quadrinhos de forma independente, em que talvez não veriam a luz do dia nem em editoras.

4. E invertendo a pergunta: o que piorou?

O que piorou foi certamente o encerramento de diversos programas e políticas públicas federais que ajudaram a fomentar não só os quadrinhos, mas o mercado editorial como um todo entre 2003 até mais ou menos 2015. Hoje não existe mais nada disso. O governo Temer começou a cortar vários desses programas, e o governo Bolsonaro terminou de acabar com tudo (e acabou com o próprio Ministério da Cultura). Espero algum dia podermos ter novamente um governo federal que fomente não só o mercado editorial, mas a cultura como um todo.

5. No meio de um país que estamos enfrentando uma corja/onda fascista, e que chega em todas as mídias, inclusive as HQs, eu acho que devemos sair da nossa bolha de conhecimento, e apresentar para outros públicos os ideais. Na sua visão qual é a melhor forma de sair dessa bolha? Com uma obra direta (tipo pé na porta) ou com mais sutileza?

Acho que não tem um modo correto. Eu mesmo tenho quadrinhos no qual a mensagem política antifascista é mais sutil, como o Homem-Grilo, e outros em que a mensagem é mais direta e escancarada, como Acelera SP. O importante é o quadrinista se posicionar contra o fascismo, pois não dá pra ficar neutro diante dele.

6. Uma bebida para a hora da leitura?

Chá é sempre uma boa opção.

7. Tirando o Homem-Grilo & Sideralman, que são os xodós, qual obra você tem aquele lugar mas quentinho no coração e porquê?

Acho que é Acelera SP. É a minha obra mais difícil de ser escrita, a que mais me exige pesquisa, mas é a que mais me dá retorno de leitores nos últimos tempos. Muito disso acontece, creio, pela atual fase política que vivemos.

8. Como a vida pessoal do Cadu Simões conversa e se mistura com as suas próprias obras? Você seria o Homem-Grilo?

Não, não sou o Homem-Grilo. Mas ele tem muitas características de alguns amigos de infância meu. É nesse aspecto que minha vida pessoal conversa e se mistura com minhas obras. Sempre acabo incluindo elementos da minha vida nas minhas obras, ainda que muitas vezes de forma sútil e nem sempre direta.

9. Quais os próximos trabalhos?

Eu tenho escrito três novas histórias, mas que não sei exatamente quando começarei a publicá-las, pois nenhuma delas tem ainda desenhista. Então por hora não tenho como falar mais sobre elas. Mas pretendo continuar publicando novas HQs dentro das minhas séries já existentes, como o Homem-Grilo, Nova Hélade, Cosmogonias e Acelera SP. E como sempre, tudo gratuito na internet sob Creative Commons.

Para poder ler os quadrinhos do Cadu Simões e acompanhar todo o seu trabalho, clique AQUI.

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Torre Entrevista: Bruno Brunelli

No início do ano começou a campanha de financiamento coletivo para , HQ com roteiro de Alessio Esteves (DestiNation, Zikas) e desenhos de Bruno Brunelli (Veludo dos 9 infernos, Pontos Ilustrados). Aqui nos conhecemos parte da vida do Zé Pelintra, uma das entidades mais famosas da mística brasileira, Protetor da Boemia, dos bares e dos jogos. A entidade é conhecida pelo o visual de malandro supremo.

A obra busca juntar as mais diversas lendas sobre a sua origem e juntar em uma história única, abordando desde a sua infância difícil na Bahia até o início de sua vida adulta, no Recife, quando é iniciado na Jurema.

Agora, quase um mês depois do início da campanha, batemos um papo com o desenhista Bruno Brunelli. Onde procuramos saber mais sobre , a sua importância em meio a uma sociedade que recrimina culturas e religiões e os seus planos para 2021.

1. Como surgiu a ideia para a HQ do Zé?

Faz muuuuuito tempo. Quando comecei o Pontos Ilustrados eu já tinha essa história na mente. Como o Zé Pelintra tem muitas histórias e lendas, sempre tive vontade de ler algo completo, sabe? E na época eu estava lendo bastante romances baseados em reconstruções históricas ao estilo Bernard Cornwell e Conn Iggulden, então resolvi fazer o mesmo com o Zé. Fui atrás das histórias em livros, sites, boca a boca, misturei tudo numa narrativa pra ver o que saía. E eu curti! Só que não dava pra fazer uma HQ com aquilo, e foi aí que pedi socorro pro Alessio.

2. Tanto você quanto o Alessio Esteves entendem do assunto na questão religiosa e histórica. Zé tem o intuito de levar o conceito de “popularizar” a história da Entidade?

Exatamente. Na verdade ele já é muito popular em várias mídias, e agora em HQ também. Quanto mais Zé melhor!

Capa de Zé

3. Como foi esse processo de criação? Por vocês dois serem muito familiarizados com o assunto, serem praticantes da religião, existiu muito pitaco de ambos os lados?

De minha parte foi bem tranquilo. Claro que tivemos nossos altos e baixos, né, principalmente por ser 2020. A história em si estava bem encaminhada, mas o Alessio fez MÁGICA transformando a narrativa em HQ, e com acréscimos muito importantes. Foi literalmente um trabalho em 4 mãos. “Põe isso, tira aquilo, poxa isso não achei legal, e se fizer desse jeito…” e assim foi. Aliás, aconselho perguntar pra ele.

4. Qual a importância de mídias falarem mais abertamente sobre a Umbanda em geral, mas que falem de um modo não preconceituoso e nem daquela forma que “tradicional” que costumamos ver?

De suma importância. Pô, mais fácil a galera saber sobre nórdicos do que nossa própria cultura, que é RIQUÍSSIMA. Só de ter cada vez mais artistas brasileiros por aí já é massa demais, ainda mais colocando as brasilidades à tona me deixa muito feliz. Seja no cunho espiritual, seja nos mitos populares, na cultura e no estilo de viver, precisamos cada vez mais mostrar com orgulho tudo isso.

5. Existe a possibilidade de outras Entidades receberem projetos como Zé?

TEM! É tudo que posso dizer no momento.

Veludo dos 9 Infernos, trabalho autoral de Bruno Brunelli

6. Existiu uma pesquisa de sua parte, para o visual do personagem quando mais jovem, ou para os cenários? Ou alguma inspiração em especial?

Ah sim, com certeza. Uma narrativa precisa ser coesa. Tenho rascunhos e mais rascunhos fazendo os personagens, velhos e novos, vestuário, como eram as cidades e sua vivência. A história não tem uma data oficial definida, mas se passa mais pro final de 1800 e no final do Império.

7. O que vocês estão fazendo com Zé é bem importante e pode ser um marco. Pois eu vejo como apresentar uma religião rica, que tem uma cultura muito rica também. E geralmente quando vemos religião retratadas em quadrinhos, é para apresentar uma falha de dogmas, ou caráter de quem frequenta. Existiu um cuidado de balancear essa parte de cultura e de apresentar a religiosidade sem parecer um clichê?

Na HQ a gente trata ele mais como uma possível figura histórica do que uma figura religiosa, sabe? Na verdade, a questão é mais de espiritualidade do que religiosidade propriamente dita. A exemplo de seu Zé, como dizem as lendas, ele permeia por várias “religiões” que se conversam entre si, não negando mas também não se atendo a nenhuma, como a gente mesmo faz hoje em dia. Veja se não somos um povo “católico” que se benze com arruda e ainda tem um Buda cheio de moedas na estante da sala! (RISOS). Então no final a religião serve mais para rotular algo que já nos é inato. Ele pode ser adorado na Jurema, na Umbanda, e no Carnaval (que é uma religião SIM).

8. Quais os planos de quadrinhos do Bruno para 2021?

Oficialmente, até o momento, é o Zé e sua continuação, retomar a Parte 3 de Veludo dos 9 Infernos, o Pontos Ilustrados que é um projeto eterno, e uma coletânea de um novo coletivo FODA que tá pra nascer em breve!

Para conhecer mais o trabalho do Bruno, pode acessar AQUI. E para conhecer mais detalhes, recompensas e claro para apoiar a campanha de clique AQUI.

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Torre Entrevista | Charlie Adlard

Procurando diferenciar suas publicações, a editora norte-america Image Comics começou a publicar The Walking Dead ao fim do ano de 2003, dando início a uma transição editorial que só chegaria ao seu ápice em 2012, justamente no seu vigésimo aniversário. Desde então a Image vive o que é, para muitos, seu melhor momento: Lazarus, Saga, The Wicked & The Divine… todos títulos premiados são provenientes de uma fase que teve início exatamente com a epopeia de Rick Grimes, Carl, Michonne e cia.

A obra começou a ser publicado no Brasil bem antes de seu auge comercial: Em 2006, pela extinta Editora HQM. Duas versões foram lançadas: Sob o título de Os Mortos-Vivos, vieram encadernados com seis edições mensais cada em formato menor que as versões norte-americanas. Depois foi publicada a versão mensal, já com o título original, entre 2012 e 2017.

Em 2017, após o fim de contrato da HQM e ainda incompleta, a obra foi retomada desde o início em encadernados no formato original pela Panini Brasil e, após uma frequência intensa de publicação com encadernados quase mensais, chegamos ao fim da saga por aqui, agora em setembro de 2020.

Para falar não só a respeito The Walking Dead, mas sobre vários de seus projetos que vão além dos quadrinhos, conversamos com Charlie Adlard que, substituindo Tony Moore para ilustrar os roteiros de Robert Kirkman, tomou as rédeas do traço da publicação a partir da edição mensal nº 7 e só saiu na edição nº 193, justamente a última da série.

Depois de 16 anos, The Walking Dead chegou ao fim. Essa decisão é “como deixar a casa dos pais”: Difícil, mas necessária?

Com certeza! O que mais posso dizer? Eu acho que [eu e Robert Kirkman] regemos o caminho da história em quadrinhos para um fim natural. Passamos por vários percursos e arcos de história para completar a narrativa. Eu estava começando a ficar, digamos… exausto. Exausto no sentido de não saber onde iríamos parar. Então cheguei a dizer ao Robert que, quando quer que terminemos a HQ, teríamos que acabar por cima. Não queríamos chegar ao fim quando ninguém percebesse, pois ninguém mais se importava e não lia mais a história. Fizemos uma promessa mútua que seria assim que iria acontecer.

The Walking Dead Volume 32 – Descanse em Paz. Panini Comics Brasil (2020) Imagem: Panini.com.br

A todo tempo durante a história vocês falavam sobre a morte, que é a situação mais desconhecida pelo ser humano, porque ninguém sabe o que de fato acontece depois. Os zumbis são uma interpretação da morte. Como é para você ter que voltar frequentemente a este assunto tão nebuloso e não deixar o leitor saturado sobre isso?

Hmmmm… bem, quer dizer… Zumbis são obviamente uma dessas coisas que você disse. Uma das coisas mais assustadoras sobre eles é isso aí. Já disse muito. É quase como… a derradeira forma de sair desse plano. Porque se pensa “[depois de morrer] olha o que vai acontecer contigo!” É um panorama muito assustador. Especialmente do jeito que fizemos. Então é… ah! Perguntinha difícil essa que você fez pra mim!

Estou aqui pra isso!

É… eu espero que, esperançosamente, tenhamos demonstrado isso, porque essa é uma HQ de terror. Não é de terror por ser um pouquinho assustadora ou chocante: Nosso terror é aquele que arrepia a mente na ideia de que, quando você morre, é isso que vem depois. É algo muito horroroso.

Capa dupla de The Walking Dead nº 100, que apresentava vários personagens da trama que haviam falecido até então. Image Comics (2011). Imagem: Amazon.com

Falando da sua banda Cosmic Rays, onde você toca bateria, Dave Mckean declarou em um painel que não tem uma arte dominante. Ele também faz teatro, música, cinema… porque, caso contrário, fica entediado. Para você é o mesmo? Como administrar essas duas tarefas uma vez que você é quadrinista e vive com prazos bem rígidos?

Cosmic Rays – Trust the Process (2017). Imagem: Bandcamp.com

Diferente de Dave, eu tenho uma paixão dominante que são as HQs. Eu acho que sou melhor quadrinista que baterista e sou o primeiro a admitir isso. Por isso provavelmente escolhi essa carreira para viver a tentar a sorte como músico. Mas, por outro lado, é ótimo ter outra veia criativa além de quadrinhos. Entretanto, o que eu faço para, digamos, contribuir a mais para esse mundo, é fazer coisas diferentes nas HQs. Sempre estou interessado em… bem: The Walking Dead claro que foram mais de 15 anos fazendo um estilo similar de HQ, depositando meu esforço na mesa de desenho e fazendo o lápis e nanquim para um determinado estilo de arte. Porém, já explorei outros mundos em outras HQs que fiz, como anos atrás em White Death, com Crayon no papel cinza. Também existem as narrativas que fiz com Joe Casey, uma batizada de Codeflesh e outra chamada Rock Bottom, essa última que teve um traço mais puro sem cores ou sinais de textura porque eu queria sair da zona de conforto onde eu usava tons mais sombrios no traço, então foi bem diferente de anos atras, no momento que eu estava produzindo White Death com Robbie Morrison…

Comparativo entre técnicas de Rock Bottom (2006) e White Death (2004). Image Comics. Imagens: Comixology.com

Lá para 2004…

Isso! E agora fazendo um livro cuja produção é totalmente digital, mas uso ferramentas que emulam lápis ao invés de arte-final digital porque eu quero dar um tom mais rústico. Então, variedade é o tempero da vida. É um clichê, eu sei, mas é o que me deixa animado como meu livro Intitulado Life, esse meu trabalho é composto por desenhos sobre a vida como uma nova avenida de criatividade onde eu desenho modelos, já que você nunca aprende o suficiente durante toda a vida. Isso é muito útil.

Nesse livro você desenha modelos nus e sketches de diversas proporções. Como você o vê: Um livro de estudos, de anatomia… qual seu veredicto?

Para mim, todos nós devemos desenhar sobre a vida, não importa o quão bom você seja, pois você está sempre aprendendo…

Porque é muito diferente dos seus trabalhos anteriores!

Com certeza! Esse é um dos motivos porque eu fiz: Ser bem diferente. Me dá a oportunidade de experimentar outras técnicas, materiais… me dá outras oportunidades. O interessante também é que [nesse livro] tive um tempo limite, porque quase sempre tive que abandonar a ideia de ter uma peça mais trabalhada. É algo mais rápido e sem pensar muito. O que eu, na verdade, gosto. Quanto menos se pensa [a respeito do desenho], mais acidental fica a arte e pode terminar com algo feito em 5 minutos pensando que tal peça foi a melhor coisa que você já desenhou. O desenho de capa na versão branca foi feito literalmente em 5 minutos. Lembro de olhar e pensar “Opa, beleza! Tem uma verdadeira paixão e movimento aqui!”. Mas eu nunca replicaria algo assim nos quadrinhos, porque lá se pensa muito e se quer sempre se refinar. Então fazer esse exercício é muito bom para a alma, sabe?

Life. Independente (2020) Imagens: Infinitybeyond.co.uk

Muitos artistas depois de tantos anos no mesmo título, desistem em fazer projetos mais longos. Tem planos para fazer algo desse tipo novamente ou ficará só nas capas?

Eu nunca mais vou fazer algo longo como The Walking Dead. Estou com na casa dos 50 anos, se fazer isso de novo, eu terminaria outra obra desse tamanho com… cerca de 70. Posso dizer categoricamente que não! Nunca mais vou fazer uma série regular.

Mas ainda fará páginas internas?

Estou fazendo agora em Heretic, minha nova HQ com Robbie Morrison, quer seja uma coletânea de narrativas ou uma história só. Não sei bem ainda, vamos ver. Mas estou fazendo. Sou de coração um contador de histórias, então o que eu predominantemente farei sempre será páginas internas. Sou um quadrinista, é isso que eu e outros fazemos para viver.

Ilustração de Heretic. Sem lançamento ou editora definida. Imagem: Charlieadlard.com