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Torre Entrevista: Conversamos com Bruno Sorc sobre a Graphic Novel Mojica Móveis

Já está no ar a campanha de financiamento coletivo para o quadrinho Mojica Móveis. A história acompanha o protagonista Amácio, um quarentão que acaba de sair da casa da mãe e procura uma loja de usados para mobiliar o novo lar. Porém, ao entrar na Mojica Móveis e conhecer o seu proprietário que vende os segredos mórbidos de seus produtos, Amácio ouve histórias escrotas e extremamente reais, entendendo um pouco sobre o perigo da influência.

O roteiro é de Bruno Sorc, um escritor de longa data com diversos livros publicados, fazendo sua estreia nos quadrinhos, o autor reuniu um time peso pesado de desenhistas, como Bruno Lima, The Immigrant, Alex Genaro, Letícia Pusti, Oscar Suyama, Rapha Pinheiro, Rick Troula e Laudo Ferreira. A capa é de Dudu Torres, cores de Cássia Alves e o prefácio de Alexandre Callari (editor do Pipoca & Nanquim).

Trocamos uma ideia com o Bruno sobre Mojica Móveis, a campanha no Catarse, seu trabalho, como a música influenciou a sua escrita, como foi reunir esse time para desenhar a HQ e futuro.

1 – Quem é o Bruno Sorc? De onde ele vem, o que ele lê, o que ele leu, quais são as suas maiores inspirações…

Bruno Sorc: Eu sempre gosto de falar que “sou um escroto, mas não sou um saco” – bela forma de começar, não é mesmo? – Sorc aqui é um cara legal, mesmo sendo esse escroto assumido, têm lá o seu carisma magnético. As pessoas costumam me amar ou me odiar muito rápido, o que me leva a crer que eu seja intenso. Romântico, um cara apaixonado, e são essas paixões que me inflam de coragem, de ambições. Tenho um coração enorme, quem conhece sabe.

Sou paulistano, de família humilde e batalhadora. Não sou o tipo de cara que teve a faculdade paga pelos pais – nada contra, é só um relato – e nunca tive carro. Mas sou rato de metro e estou satisfeito com isso. Já trabalhei em fábrica de cigarros, segurança de festa, em transportadora e fui livreiro, mas graças a Deus me formei em marketing e trabalho alguns anos com o que amo. Escrita.
Eu leio, assisto e ouço de tudo. Acho que gosto de aprender o tempo todo, e tudo tem algo a nos ensinar, saca? Acho super válido ter outras óticas, perspectivas de outras culturas e pensamentos. Leio daquela Turma da Mônica de formatinho a Friedrich Nietzsche. Ouço do rapper Gerardo ao Mayhem.

Porém a pergunta me força a responder quem são os meus queridinhos, não é? Mas não vou ficar na nona arte, porque minhas inspirações vêm de todo lado, suave? Acredito que minha patotinha fica assim: Dona Magda, minha mãe e a minha noiva Steh abrem a lista com os dois pés na porta. Aí temos Chuck Palahniuk, Seth Rogen, Garth Ennis, Rob Zombie, Lars Von Trier, Charles Bukowski, Quentin Tarantino – não tem como ignorar esse cara – Irvine Welsh, Alan Moore e Steel Panther – sim, você não leu errado, eu coloquei o gênio dos roteiros ao lado de uma banda glam satírica. Não me leve a mal.


2 – Onde surgiu o estalo, a ideia para o Mojica Móveis?

Bruno: Confesso que esta é uma pergunta que gosto tanto que cheguei a colocar nos extras da HQ. Eu botei na cabeça que era hora de realizar um sonho de criança e roteirizar um quadrinho, mas não tinha nada rabiscado para isso (risos). Então veio exatamente esse estalo quando minha mãe pela décima vez, começou a contar para minha noiva a vez que se mudou com o meu pai, ainda muito novos e mobiliaram a casa com móveis usados. Até aí ok, mas ela sempre relata a porra de uma geladeira azul no qual não gelava. E por que não gelava? Ela e meu pai descobriram que tinha um TIRO em seu interior.

Aí ela sempre se pergunta ”o que será que aconteceu ali”, eu acabei rabisquei a minha versão e até brincando um pouco com a fina e interessante linha entre justiça e vingança. Assim que terminei pensei “os móveis presenciam tudo, sempre estão por perto… uou”. E comecei rabiscar outros dois roteiros, sempre batendo em algo, sempre com uma crítica social pesada. E quando vi que poderia falar da temática que mais têm me amedrontado nos últimos anos, que é o “perigo da influência”, não deu outra, falei ”vou amarrar tudo isso aqui”. Beijos mãe, essa porra é da senhora também!

3 – O Mojica Móveis é praticamente uma coletânea dentro de um contexto. Temos um direcionamento, um norte, mas as histórias são dos mais variados estilos. Por que fazer essa “salada visual”?

Bruno: Então cara, acho que isso casou bem por três motivos:

1º – Que até ter o plot sobre o ”perigo da influência”, eu de fato não comecei a escrever os outros contos e muito menos amarrar tudo, porém, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi ”eu poderia colocar vários traços nesse quadrinho”. Então foi um desejo que surgiu.

2º – Quando eu estava orçando preço de página e entrando em contato com os profissionais, vi que a parada é cara. E diferente de muita coletânea no qual você é convidado a participar, mas não recebe por isso, eu fiz questão de pagar cada um dos artistas. Demorou pra cacete, mas fui pagando aos poucos e me orgulho muito disso. A questão nesse segundo ponto é, eu não sou famoso, e queria fazer barulho na primeira obra. Então arrumei um jeito de pôr uma porrada de nomes famosos na capa.

3º – Uma vez ouvi dizer que as cores são a “trilha sonora dos quadrinhos” e como já queria muito fazer paletas – no plural – diferentes, também casou. Esse formato então não só permitiu isso, como municiou eu e minha colorista para tentar algo ainda mais profundo, a dubiedade das histórias.

E isso é um tesão. Ficou foda!

4 – Você é “criado e forjado” no underground musical. Você vivenciou in loco nas cena do hardcore brasileiro. O hardcore vai de músicas de protesto passando por músicas de relacionamento e tal. Como essa fonte ajuda na sua escrita?

Bruno: Isso mesmo, vivenciei bem a cena. Principalmente ao lado dos caras do Dance of Days. Comecei com zines e graças a uma professora de português que me instigou bastante a participar de saraus, escrevi poemas. E pra você ter ideia, meu segundo livro eu compilei poemas e o intitulei de “Doce Desespero”, porque na real é isso. A cena me moldou. Porra sou straight edge até hoje. Carrego esse eco em meus gostos e atitudes. Sou essa mescla mesmo, protesto e paixão, e o leitor pode sempre esperar isso das minhas obras. Roteiros escritos com muito amor e que vão dar porrada em muita coisa que entendo como errada.

5 – Como rolou a escolha dos artistas que participam da obra Mojica Móveis? Já estava pré-determinado ou tu foi conhecendo e escolhendo?

Bruno: Ah, na real eu fiz uma lista com uns 30 caras, até porque não sabia ainda preços, aí tem que bater o roteiro com os caras para ver se rola interesse e se encaixa em suas agendas. Nada é fácil, ainda mais se ninguém nunca ouviu falar sobre você. Eu conhecia o trabalho dos 30, era amigo de uns 10 e 10 era aquele lance de admiração mesmo, por tudo que já se envolveram.

Mas engraçado essa pergunta, porque assim, no Mojica Móveis somos em 12, tirando eu, esses 11 que entraram pro projeto, só 10 vem da lista de 30. Porque um irmão meu, o Caio César, havia acabado de começar um projeto autoral e falou que não rolaria participar, mas me indicou o professor dele, o Rick Troula que topou na hora quando leu o roteiro. Eu e o Rick se tornamos MUITO brothers, o cara é sensacional. Talentoso e super profissional.

6 – É a sua estreia nos quadrinhos, acredito que role um friozinho na barriga, apesar de você já ser um escritor de longa data. Eu li o Mojica Móveis e achei muito bom. Aconteceu uma reciclagem no seu estilo? Tipo, “agora preciso aprender a escrever quadrinhos” Você usou coisas, técnicas inéditas para você ainda?

Bruno: Primeiramente, muito obrigado por topar ler e agradeço também o elogio. Acredito que realmente gostou, se nem tivesse curtido, eu não teria nem sido convidado para estar aqui (risos). Mas retomando a pergunta, eu acho que tento me reciclar o tempo todo. Eu lancei minha primeira obra – em formato de livro – em 2011, de lá pra cá foram 10 livros, 275 poemas, sei lá quantos roteiros para audiovisual e muitos, mas muitos artigos e entrevistas. Eu não paro de escrever graças a Deus! Então eu acho que a reciclagem é parte dessa evolução. Pretendo me reciclar muito ainda, tecnicamente e narrativamente. Testar coisas novas, mas sem deixar de ter a minha assinatura escrota e visceral (risos). Nunca perder a mensagem!

7 – Um pouco sobre você. Sobre desafios. Qual o assunto ou tema que você ainda não escreveu, tem alguma ideia que ainda irá para o papel?

Bruno: Cara, vamos tentar recordar aqui um pouco do que já escrevi: zines com mensagens de protesto e poesia, na literatura comecei com dark fantasy, fui para thrillers policiais, drama e terror. No terror já fiz sobre possessão, gore e tenho até mesmo o meu próprio slasher. Na publicidade e no marketing já escrevi jingles, slogans, e-mails marketing, copys de inbound, artigos com SEO on-page, spots de rádio, materiais ricos como e-books, infográficos e os mais variados roteiros, comerciais, manifestos, curtas e longas. Fora entrevistas no cenário fílmico nacional, artigos e pautas, principalmente para podcasts.

Acho que está faltando roteiro de média metragem, piloto de série, teatro… (risos)! Mas na real, falta escrever muita coisa. Não tenho um full romance ou uma comédia – por mais que sempre trago pitadas ácidas para minhas obras – por exemplo. Mas quem sabe um texto infantil?! Seria um puta desafio gostoso!

8 – Na mesma vibe da pergunta anterior, o que você já escreveu e que até hoje você pensa: “caçarolas, isso poderia ter ficado assim ou assado, poderia ter ficado melhor”?

Bruno: TUDO! Mas eu acredito que um bom escritor deve respeitar o seu tempo. E quando digo tempo, é referente ao o que você sentia na época e a técnica que você usava. Deve ter um respeito por quem você já foi. E tempo também no sentido que você não pode e nem deve ficar masturbando uma obra sem fim. Uma hora ela tem que ir pro mundo. Se você ficar lapidando, lapidando e lapidando, a parada nunca nasce e se esfarela. Somos seres que procuram a perfeição sempre, só que a perfeição basicamente não existe, porque ela é extremamente subjetiva. Então ver algo e querer mudar é normal, só não acho que deve de fato mudar, porque depois de um tempo que você voltar a ler, vai querer mudar de novo. E de novo e por aí vai. Deixa o que já foi escrito, escrito.

9 – O Mojica Móveis tem uma série de nomes talentosos e famosos. Qual foi aquele artista que você não acreditou quando aceitou?

Bruno: Laudo Ferreira. Fácil. Próxima (risos)! Eu lembro que fiz uma lista com esses 30 artistas, no topo da lista vinha o Laudo. Quando entrei em contato com ele, não senti muita firmeza em nossa primeira troca de e-mails, e para minha expectativa estava tudo bem. Eu fui na cara e na coragem, mas com aquela sensação de ”é uma tentativa”, era muito provável de não rolar. Depois que ele leu a obra e elogiou meu roteiro – o que na real me deixou animado pra caralho – fechamos valores e agenda. Mas até de fato ele me mandar a primeira página eu não estava acreditando muito. Porra, é o Laudo!

Ficamos amigos. Trocamos muitos áudios via WhatsApp e aprendo muito com ele até hoje. O cara é um gigante, e falo isso pra ele. Aliás, o chamo de Mestre, né, porque o cara não só tem um conhecimento, uma experiência cavalar e um talento ímpar, como ele compartilha! Isso é para poucos, ter essa maturidade e confiança é para poucos, cara!

Mas se me permite colocar mais um nome dentro dessa resposta, seria o Alexandre Callari. Esse cara me apoiou a dar o pontapé inicial nos meus sonhos de ser escritor, lá em 2011. Um cara que me adicionou no finado Orkut e me ajudou no processo da minha primeira obra em 2012. Tudo isso após nos conhecer em um Zombie Walk. Hoje ele é titânico e não é à toa. Muito disso se deve ao homem que ele é e o coração que possui. Incrível. E porra, quando mandei a obra para ele ler e fiz o convite, ver que ele não só topou, como também elogiou o roteiro, foi uma verdadeira conquista. Então sempre vou chamar o Laudo de “Mestre” e o Alê de “Padrinho”. Tô bem na fita.

10 – Muitas histórias são baseadas em algum acontecimento real. Qual a história que você fez que te fez pensar: “Essa é a minha preferida”.

Bruno: Ah, não saberia responder… não sou de ficar em cima do muro, mas que pergunta filha da puta, cara… eu acho que preferida de quem já leu, está bem dividido, viu? Repercutiu bastante o peso dos contos do colchão, xícara e fogão. O do aquário é o que mais destoa do quadrinho, porque é um sonho meu fazer cenas de ação, e o pessoal também curtiu. E bom, até por isso trouxe o conto da cama de um dos meus antigos livros, porque amo ele e queria ver a parada mais visual.
Tem o final da história principal que puta que me pariu de lado, sem humildade nenhuma, é sensacional. Mas eu acho que tenho um carinho enorme pelo conto da guitarra que é bem autobiográfico e claro, da geladeira que citei anteriormente, uma vez que ele foi o pontapé inicial para o quadrinho nascer.

11 – Existe alguma ideia ainda sendo fermentada para uma expansão do Mojica Móveis? Tipo, por exemplo, um Mojica Autos (sim sério! imagina quantas histórias os carros podem contar)?

Bruno: (RISOS) olha, estou rindo, mas achei foda!! Então, na verdade essa pergunta levanta 2 pontos:

O primeiro é que a loja de móveis usados não é só uma desculpa, faz parte da narrativa. Não deixamos de ser seres ”móveis” e ”usados”, saca? Fora que dentro dessas lojas normalmente é uma bagunça – como relatado na belíssima capa do Dudu – assim como dentro das nossas cabeça. E temos o ”vendedor”, o cara que nos ”influência”. Então é muito mais casado com o plot do que em um primeiro momento.

Segundo que sinceramente quero ter o Mojica Móveis como obra única. Como cartão de apresentação. Daqui quero projetar outras paradas. Porém, formato do Mojica Móveis é tão bem arquitetado – que até foi elogiado pelo Callari – que posso voltar a visitar a loja, com outros clientes, outros móveis, uma vez que são peças únicas e consequentemente terem outras histórias. Posso até mesmo fazer cada conto com outros artistas. Quem sabe um dia eu não volte para dar uma passadinha por lá. Mas uma coisa eu digo, só volto para um segundo volume se de fato, eu tiver uma boa história pra contar como dessa vez.

12 – Eu sempre penso que todo tipo de mídia, seja cinema, música, literatura e óbvio os quadrinhos, têm uma missão de dar algo para acrescentar. Algo para somar, inspirar etc e tal. O que você acha que o Mojica Móveis vai agregar para o leitor?

Bruno: Eu consegui abordar tudo que queria, mesmo se tratando de um quadrinho de gênero.  Acredito que quem ler vai rir, se emocionar, mas principalmente se chocar. Mas não é choque pelo choque, a cada cena de desconforto visceral, tem o seu contexto. Criei o quadrinho para abordar o “perigo da influência”. Espero de coração que as pessoas parem de cair em fake news, comer qualquer merda que os políticos falam, comprar tudo que os influencers usam, pararem de papagaiar o que lê na internet e comecem a pesquisar mais, estudar as coisas, não só para falarem com mais propriedade e segurança, mas de fato forjar um pensamento, uma opinião. Ter o seus próprios raciocínios, gostos e atitudes.

13 – Agora vem a correria da campanha no Catarse; Mas você é um cara do futuro. Seu pensamento está sempre lá na frente. Mas já existe algum plano para o futuro? Uma nova história?

Bruno: Penso. Se Deus quiser – e ele há de querer, porque nós dois somos fechadão – eu vou lançar um quadrinho por ano. NÃO com essa loucura de administrar e liderar um time, mas escolher 1 ou 2 artistas e ir pra cima. Tenho dois argumentos prontos, tô esperando encerrar a campanha no Catarse e mandar o Mojica Móveis para gráfica, que aí sim, vou me sentir a vontade de sentar o rabo, escolher um dos dois e começar o roteiro. Já tenho interessados em rabiscar esse novo quadrinho. E dessa vez será um só de uma capa a outra. Só posso dizer que vai ser mais um trabalho nosso, uma vez que essa pessoa já participa do Mojica Móveis. Vamos ver no que dá. Não sei se vou levar mais para o suspense, mas com certeza será um drama. Aguardem.

Para saber mais sobre a campanha de Mojica Móveis, valores e claro como apoiar, clique AQUI.

 

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Torre Entrevista – Mike Mckone

Depois de um período sabático, as entrevistas voltaram à Torre! Para tal reinício escolhemos Mike Mckone, artista britânico já radicado nos Estados Unidos há anos que teve sua segunda passagem pelo Brasil durante a Comic Con Experience 2019. Desde sua última visita em 2015, no Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte e também na CCXP, Mckone passou por mudanças em sua carreira, gradualmente indo de artista de páginas internas para hoje ilustrar quase que exclusivamente capas, além de desenvolver seu estilo em aquarela. Seu retorno ao evento, inclusive, mostra por essas novas escolhas que, de sua forma ao mesmo tempo tímida e atenciosa, o artista explicou para nós a respeito.


Recentemente você fez alguns headshots que me lembram aquelas Caixas de Canto (Corner Box, no original) da Marvel Comics dos anos 70 aos 90. Como é revisitar algo que era do passado agora no presente da editora?

Foi por isso que aceitei a tarefa. Porque sou grande fã do John Byrne e adorava ver os headshots dele nas caixas de canto. Então foi um desafio legal tentar condensar o que exatamente cada personagem é visualmente em pequenos headshots. Na verdade, não foram pequenas. [As ilustrações] foram bem grandes. É um baita desafio em não colocar muito da sua marca nos personagens que você está desenhando e apenas fazer uma versão “pura” dos componentes da Marvel. Foi bem agradável.

Capa de Marvel Legacy nº 6 – The Defenders. IMAGEM: ebay.com

Nos últimos anos você desenvolveu a técnica de aquarela para fazer commissions, mas voce tem planos para trabalhar assim em capas e páginas internas?

Não! Leva muito tempo. Aquarela também não tem uma boa resolução quando se escaneia então não fica no mesmo nível em material publicado. Cores digitais funcionam muito melhor. Se eu escolhesse fotografar os originais ao invés de os digitalizar talvez fosse possível, mas não tenho planos pra isso agora. Estou muito ocupado.

Hera Venenosa em aquarela por Mckone. IMAGEM: comicartfans.com

Você é um dos co-criadores de Academia dos Vingadores. Assim como em Jovens Titãs, estes são super-heróis “parcialmente desenvolvidos” porque eles estão em processo de descobrimento deles mesmos sobre suas habilidades, atitudes e etc. Para um desenhista e também co-criador, o quão confortável você se sente com personagens que pode criar mais? Por desenvolver seus poderes, técnicas e etc. ?

Eu gostava muito! Não faço isso mais porque parei de desenhar páginas internas, então a última vez que fiz isso foi em Academia dos Vingadores cerca de dez anos atrás. Gostei de dar meus pitacos nas histórias e de fazer mais parte do processo criativo. Quando se faz as capas quase não se tem a oportunidade de fazer o design dos personagens, eles já vêm com seus respectivos modelos prontos para você. Isso é uma parte do trabalho que sinto falta, mas agora tenho a chance de fazer o design das minhas próprias criações sem pedir permissão ou esperar que seja aprovado e aproveito isso muito mais.

Relembrando aquela capa de Iron Man nº1 que você fez com o Jason Keith nas cores. O quanto os coloristas das suas capas o influenciaram na composição de suas aquarelas?

Eu não sei bem como ou quanto influenciaram. São trabalhos de coloristas que gosto, e acabo talvez aprendendo por osmose. Aprendo com eles, mas não penso que cores digitais me influenciam tanto. Acho que os que eu admirava quando mais jovem, como Jon J Muth e George Pratt esses me influenciaram na aquarela muito mais. Adoro o trabalho de Jason Keith, fizemos também juntos Vingadores – Guerra Sem Fim além dessa capa em particular e foi muito bom. Deixei o traço bem claro, assim ele pôde adicionar textura e volume. Então nos consideramos ambos artistas daquela capa. Não foi só [da parte de Jason Keith] coloração.

Capa de Invincible Iron Man nº 1, de Mike Mckone e Jason Keith. IMAGEM: comic-odyssey.com

E ela [Riri Williams] é uma personagem jovem! Como os Jovens Titãs e Academia dos Vingadores. Você se sente mais confortável mexendo com super-heróis mais jovens?

Na verdade, não. Estou velho já! É mais fácil desenhar o Batman, Wolverine… então fazer adolescentes é bem difícil pra mim. É um desafio e espero estar indo bem pois não é fácil mas particularmente divertido.

Por fazer aquarela só em commissions, qual a diferença para você em desenvolver essa técnica somente desenhando para fãs?

Apenas fazendo e ver o que acontece. É um processo de produção diferente fazer em eventos. Se faz o melhor que pode em um espaço de tempo mais bem curto que no estúdio, onde se tem mais cuidado e é meticuloso. Então, acho que em breve vou tentar experimentar mais com guache e tinta acrílica mas eu tenho que me adaptar ao cronograma. Não tenho planos, vamos ver.

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Sobrevoando a Carniça | Batemos um papo com Marcel Bartholo e Rodrigo Ramos

Lá pelos idos de 2017, surgia no quadrinho nacional Carniça. A HQ nasceu na parceria do roteirista Rodrigo Ramos e o desenhista Marcel Bartholo, tornando-se um sucesso e criando o embrião do selo independente Carniça Quadrinhos. Onde, em 2018, foi publicado Lama, confira nossa resenha AQUI. A terceira publicação desse “casamento” será agora no final do ano  com Canil. Na nova HQ vai levar o leitor ao presídio de Guarás. Um verdadeiro lugar de terror e morte onde a sociedade descarta aqueles que ela já esqueceu.

Para adquirir as publicações da Carniça Quadrinhos, clique AQUI.

Rodrigo Ramos é autor, roteirista, jornalista especializado em quadrinhos de terror, crítico e autor de Medo de Palhaço. Enquanto Marcel Bartholo é ilustrador, quadrinista, artista plástico, sócio fundador do Estúdio Ideaboa e vocalista da banda Efeito Imoral. Batemos um papo com a dupla e falamos sobre Canil, o selo Carniça Quadrinhos, Antologia VHS, projetos futuros, política nos quadrinhos e de uma possível “Cachaça Carniça”.

1 – Canil está chegando em dezembro, o que podemos esperar dessa  história e qual foi a maior inspiração para ela?

Rodrigo: Com a boa recepção que tivemos de Carniça e Lama, a ideia de lançar um título por ano foi devidamente sedimentada com a criação do selo Carniça Quadrinhos. Canil traz uma mistura de origens e referências. Primeiro, é a ideia de contar uma história sobre um dos meus monstros preferidos – que vai ficar em segredo pra não dar spoiler –  e dar o fechamento pra uma trilogia meio conceitual que acabou tomando forma conforme trabalhávamos em cada HQ. Cada um destes nossos três primeiros trabalhos traz um aspecto diferente do homem e lida com a desumanização a partir destes aspectos. Isso ficará bem claro quando virem as três capas em conjunto. Carniça falava da alma, Lama da mente e Canil tratará do corpo. Portanto espere algo bem gráfico e violento.

Marcel: O embrião de Canil surgiu juntamente com os primeiros esboços conceituais de Lama. Na época preferimos deixar o projeto para 2019 mesmo, uma ideia mais simples, raiva e confinamento.

2 – Podemos esperar o já tradicional terror com aquela ponta de crítica social, presente em Carniça e Lama, em Canil também?

Rodrigo: Sempre! Mas enquanto em Lama isso era muito mais presente, pois falava do Brasil assustador que surgiu no período das Eleições passadas, Canil será uma história mais direta. Tem uma mensagem ali, mas ela não conduz a história, ela só contextualiza e dá camadas de interpretações caso o leitor queira mergulhar no nosso universo. Caso contrário, será só uma boa e violenta história de terror como deve ser.

Marcel: O que mais me atrai em nossa empreitada carniceira é contar boas histórias de terror brasileiras. Histórias que possam de alguma maneira dialogar universalmente, mas mostrando nossa cultura. Não tem como falar de Brasil, sem uma visão crítica, e o gênero do terror é sempre crítico, seja por metáforas alegóricas, ou sátiras divertidas. Temos uma gama enorme de possibilidades para o futuro.

3 – Os quadrinhos sempre serviram para passar mensagens. Seja o estilo que ele for. Nas publicações da Carniça Quadrinhos, temos visto isso acontecer. É algo pensado, do tipo: “precisamos nos expressar” ou é algo que com o desenvolver da história acaba acontecendo naturalmente?

Rodrigo: Como fã e pesquisador do horror no cinema e nos quadrinhos, esse tipo de história sempre me atraiu mais que as outras. George Romero, John Carpenter e Wes Craven sempre fizeram um terror que tinha algo mais a dizer além de contar uma história assustadora. Os zumbis de Romero e Eles Vivem! do Carpenter são talvez as obras mais emblemáticas neste sentido. Eu não acredito em uma obra apolítica. Toda forma de expressão é politizada e isso não quer dizer que você está apoiando este ou aquele partido, mas sim que toda obra traz um pouco do seu contexto e um traço do seu tempo. É impossível se expressar sem colocar um pouco do que você pensa para fora. É deste tipo de política que estou falando. Em Carniça o contexto social estava ali apenas para desencadear a história que eu queria contar, mas em Lama, aí sim eu realmente queria falar algo além da história. Canil está mais próximo de Carniça neste sentido.

Marcel: Eu acho que a mensagem, o discurso por trás de uma história não pode ser desequilibrado com o ato de contar a história em si. Todo artista se expressa com a sua carga cultural e sua visão crítica do mundo. Acho que estamos com uma boa sintonia, na arte das Hqs eu busco trazer soluções diferentes a cada história, novas influências ,inspirações e técnicas que na minha visão combinem com o roteiro.

4 – Todas as publicações da Carniça Quadrinhos foram de vocês dois.  Existe algum planejamento de lançar algo de outros artistas (claro desde que fique no âmbito do selo)?

Rodrigo: Inicialmente estamos trabalhando como uma dupla, mas nada impede que isso possa se expandir no futuro, talvez com obras individuais ou outras mídias, mas ainda é cedo para falarmos nisso.

Marcel: Pois é, sinceramente ainda não falamos sobre isso. Estamos no começo, acho que o trabalho como dupla ainda pode ganhar uma consistência cada vez maior. Virtualmente nada impede que possamos agregar novas ideias no futuro. Um passo de cada vez.

5 – Como funciona o processo de criação da dupla? Vocês se encontram, um chega a dar pitaco no trabalho do outro e tal?

Rodrigo: Nosso processo de criação é mais simples do que eu gostaria. Eu tenho uma ideia, discutimos em conjunto, o Marcel dá suas sugestões e, se ambos concordarmos, passamos para o roteiro. Quando a arte começa, ele vai me mandando os esboços e vamos reconfigurando e ajustando o que for necessário. Às vezes nos falamos online, mas o processo todo demanda cada vez menos ajustes. São as vantagens de uma parceria de três anos.

Marcel: O processo é simples, chegamos no conceito e ideia juntos… Rodrigo escreve o resumo do roteiro e eu vou pesquisando as minhas referências e técnicas que acredito ilustrar melhor a ideia. Com o roteiro escrito, durante a fase de esboços vamos diagramando melhor página a página. Temos uma dinâmica tranquila.

6 – Com o Brasil do jeito que está, com lideranças duvidosas, casos e ameaças de censura, é um prato cheio para uma HQ de terror. Mas também acredito que devemos alertar e tentar falar abertamente sobre isso.  Caberia isso em alguma publicação da Carniça Quadrinhos?

Rodrigo: Este é um problema com o debate político atual no Brasil. Ser oposição ao governo não é ser a favor deste ou daquele governante. O povo tem sempre que fazer oposição ao governo. De maneira coerente e racional. Questionar e fazer valer o seu voto não é “torcer contra”, mas garantir que as coisas caminhem como o país precisa. As pessoas hoje estão muito passionais quando se trata deste tema e isso acaba podando alguns artistas que ficam com receio de se posicionar. Mas desde que a história não seja panfletária e não deixe o discurso falar mais alto, não vejo problema. O discurso pode te fazer perder este ou aquele leitor, mas uma boa história vai manter todo mundo atento ao seu trabalho. Este é o segredo. A partir daí, qualquer tema cabe em nossos quadrinhos.

Marcel: O Brasil é uma fonte inesgotável de decepções, um abismo que nunca chega, como diria o querido Fausto Fawcett. Eu particularmente sempre me posicionei criticamente a TODOS os governos que tivemos, e sigo assim. Política não é torcida de futebol. Com o mar de ignorância e cegueira ideológica avançando, o diálogo vai se embrutecendo. Eu sou um otimista relutante…vivo no meu mundinho, fazendo o que posso e está ao meu alcance.
Tudo pode e deve ser refletido na produção artística…sigamos em frente.

7 – Indo para outros trampos agora… Recentemente foi lançada a  campanha no Catarse da antologia VHS. O Rodrigo é um dos cabeças, junto com o Fernando Barone, e ainda escreve a  história “A Nova Ordem”.  Fale um pouco sobre o projeto e sobre a história Rodrigo.

Rodrigo:  A ideia surgiu há algum tempo atrás quando falávamos sobre criar um coletivo de horror em quadrinhos pra publicar histórias inéditas anualmente. Durante a CCXP no ano passado muitos dos autores de horror acabaram ficando bem próximos no que acabamos chamando entre nós de “beco do horror” e a ideia foi tomando forma aí. O Barone tem experiência como editor e topou embarcar nessa pra tirar esse projeto do papel. Abrimos uma espécie de “processo seletivo” e recebemos muitas histórias boas de muita gente com quem sempre quis trabalhar o que acabou resultando em uma coletânea de mais de 280 páginas! O resultado está muito bom e espero realmente que a campanha dê certo, pois a VHS merece ser lida!

A Nova Ordem, minha HQ que faz parte da coletânea é ilustrada pelo incrível Leopoldo Anjo, que trouxe exatamente a pegada oitentista que eu queria pra história. Aqui vemos um casal de heróis, Marreta e Ceifador, em direção a uma base alienígena de onde uma série de ordens mentais são enviadas para dominar a humanidade. É uma mistura de Eles Vivem!, Fuga de Nova Iorque e Thundercats. Coloquei de tudo um pouco das minhas referências adquiridas durante milhares de horas em frente à TV nos anos 80, além de, é claro, trazer a aventura pro nosso contexto atual. Se eu falar mais, vai estragar as surpresas, afinal é uma história curta.

8 – O Marcel também está em VHS, você fez a arte de “Controle de  Pragas Abençoado” que tem roteiro do estreante Hedjan Costa. Poderia falar um pouco sobre a história?

Marcel: Conheci o trabalho do Hedjan na antologia de contos de Terror “Narrativas do Medo vol 2”, onde fiz todas as ilustrações . Achei muito bacana ele se aventurar a também escrever quadrinhos. “Controle de Pragas Abençoado” é uma história que me divertiu muito trabalhar. Ela aborda o tema do machismo com toda uma estética “TRASH”. Acompanharemos  a dedetizadora Ângela em mais um dia normal de trabalho…rarararara. Não posso contar muita coisa, mas posso dizer quais foram algumas das minhas influências nessa Hq… Evil Dead, Ratos de Porão,Caça-Fantasmas,Tartarugas Ninja…rararara . VHS está MUITO bacana mesmo!

Arte de Canil

9 – Em termos de influências para escrever e desenhar, quais foram as maiores para vocês?

Rodrigo: Talvez minha principal influência seja meu já falecido tio-avô que me apresentou ao mundo das lendas e mitos do nosso folclore. Passei muitas horas em claro depois de ouvir suas histórias da época em que minha família morava na zona rural no interior. Também tenho muita influencia do j-horror e de Junji Ito, do body horror do David Cronenberg e do cinema crítico do John Carpenter. Os quadrinhos da EC Comics, os contos Edgar Allan Poe e Nelson Rodrigues e as músicas de Trent Reznor (Nine Inch Nails) e Maynard James Keenan (Tool) também acabam no meu balaio de referências e inspirações.

Marcel: É importante o artista beber em diversas fontes para ir sedimentando sua identidade. Apesar de trabalhar com Hqs há pouco tempo, tenho uma carga de experiência com pintura, ilustração, caricaturas e tudo acaba refletindo no meu trabalho de alguma forma. Vou tentar citar algumas das influências para meu trabalho. Na pintura, Cândido Portinari, Van Gogh, Goya e Bosch. Nas Hqs, Richard Corben, Flávio Colin, Júlio Shimamoto, Mutarelli, Walter Simonson. Na literatura, H.G Wells, Ray Bradbury, Monteiro Lobato, Dostoievski. 

10 – A Carniça Quadrinhos é bem querida por todos. Pela qualidade nas publicações e em suas histórias. Teremos alguns produtos relacionados às publicações? Como camisas, adesivos ou quem sabe até mesmo uma bebida alcoólica? Uma pimenta ia combinar legal…

Rodrigo: Já chegamos a conversar sobre isso. Estamos pensando em criar produtos que possam reforçar a marca e também recompensar nossos leitores que sempre nos acompanham. A ideia da camiseta e do boné já passou pela nossa cabeça, com o perdão do trocadilho, mas a ideia da bebida seria uma boa. Quem sabe um “Marafo Carniça” como a clássica cachaça que trazia o querido Zé do Caixão no rótulo? Alô fabricantes de pinga!

Marcel: Pois é, estamos ainda devendo nessa questão…mas são ideias que já conversamos e precisamos botar em prática. Em breve…quem sabe…

11 – Além de VHS e Canil, quais os próximos projetos de vocês?

Rodrigo: Para este ano, além destas duas HQs, também terei uma história minha publicada em Astrum Argentum de Aleister Crowley, da Draco, ao lado do grande artista e amigo Samuel Sajo. Para o ano que vem, além de mais um título do Carniça Quadrinhos, tenho planos de expandir o universo de Marreta e Ceifador com um álbum solo da dupla, novamente ao lado do Leopoldo Anjo, mas o projeto ainda está em fase de discussão sem data para lançamento.  E, se tudo der certo, quem sabe um segundo volume de VHS não pinta no Catarse ano que vem?

Marcel: Em 2019 já lancei a Hq “A Necromante” no primeiro semestre, agora em dezembro será lançada “Orixás” do roteirista Alex Mir, onde sou um dos desenhistas participantes, além das já citadas VHS e Canil. Para 2020 embarcarei na produção do álbum “João Verdura e o Diabo” do roteirista Lillo Parra (La Dansarina) , e faremos mais uma publicação pelo Carniça Quadrinhos que já está sendo definida conceitualmente. Tentarei participar de mais um volume da VHS, ou outras publicações de histórias curtas. Para 2021 quem sabe consigo lançar minha primeira HQ ,fazendo roteiro e arte. Muito café e trabalho por aqui….

 

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Torre entrevista | Daniel Sousa, o verdadeiro Homem-Polvo dos Quadrinhos

O mercado de quadrinhos brasileiro vem se consolidando cada vez mais nos últimos anos, principalmente quando pegamos a área independente do nicho, vemos que novos escritores e desenhistas surgiram com ótimos trabalhos. E suas publicações têm ido de vento e popa. O que é o caso do Daniel Sousa.

O Daniel Sousa é morador de Campinas/SP, é designer gráfico e ilustrador, e encarou o desafio de publicar suas HQS em 2018, quando lançou a hqs Entrespaço e O Bar do Pântano. Como um verdadeiro Homem-Polvo, ele fica em diversas frentes com os mais variados projetos: é o artista das webcomics Niilismo Apologético e Rascunho do Inferno, capista do zine do podcast Benzina, está em campanha no Catarse com Histórias para (NÃO) Dormir, esse ano ainda começam mais duas campanhas: Antologia VHS  e Tachyon (que você pode conferir uma prévia no site Tapas), é presença confirmada no Artist Alley da CCXP 2019, fica de frente à loja virtual do Cavernna e ainda encontra tempo para ser paizão de quatro crianças. O homem não para, mesmo assim conseguimos trocar uma ideia com ele para o Dá o Papo Comics:

1 – A campanha no Catarse de Histórias para (NÃO) Dormir é um sucesso (até aqui já estava com 98%). Como surgiu a ideia e o convite para participar dessa antologia?

Daniel: O bacana desse projeto é justamente a vontade de quadrinistas iniciantes de enfiar as caras na produção de quadrinhos. A ideia veio de uma conversa entre o Lucas e o Rafael em um grupo de discussão, e em pouco tempo eles já tinham organizado tudo. A inspiração na obra do Lovecraft foi o ponto em comum entre os autores, e daí o projeto caminhou. Além disso, foram feitos alguns convites para pessoas que já tem um nome estabelecido nas hqs, como o Eric Peleias, Edson Bortolotte, Ede Galileu, e isso foi muito importante não só para ajudar a chamar a atenção do público, mas também para estimular os novos artistas. Essa vontade de colaborar só reforça o que costumo afirmar: Que a comunidade de quadrinistas independentes aqui no Brasil é muito unida. Eu fui convidado meio que em cima da hora para participar do projeto. O artista que inicialmente ilustraria o roteiro do Eric precisou se afastar do projeto, e foi nesse momento que eu fui convidado. Eu já conhecia o Lucas, e ele já havia me convidado anteriormente, mas eu não pude aceitar por estar envolvido em outros projetos, mas o segundo convite bateu certo com o meu cronograma, e eu fiquei feliz em conseguir colaborar.

Tenho ajudado também com a experiência que tive com minhas hqs no Catarse para ir arredondando as pontas da campanha, mas o mérito é todo deles, eu só faço o spam. Mas sim, alcançar praticamente os 100% da meta antes da metade da campanha é um feito bem bacana, e a intenção é continuar arrecadando para oferecer aos leitores ideias que ficaram inicialmente de fora por motivos de orçamento. Então quem está acompanhando o projeto pode esperar metas estendidas com algumas novidades, incluindo uma hq extra com um roteirista experiente e um quadrinista novo, mas espetacular! E pra quem ainda não apoiou, sugiro que dê uma passada na página da campanha no Catarse. Muita recompensa bacana, inclusive um pacotão de hqs anteriores dos artistas envolvidos e arte original.

2 – A história O Chamado de Deus é sua com o roteiro do Eric Peleias. Como foi essa dobradinha e o que pode adiantar da história?

Daniel: O roteiro do Eric é – e não podia ser diferente – excelente. Por se tratar de histórias curtas (7 páginas), espera-se pouco espaço de manobra para se contar uma boa história, e o Eric contornou isso com maestria. Sem abrir mão do horror e suspense, a trama é bem costurada e tem uma carga dramática que dificilmente alguém conseguiria desenvolver em uma narrativa curta como esta.

Tanto o Eric quanto eu estamos em cronogramas individuais apertados, e eu ataquei o roteiro já finalizado. Mas justamente pela qualidade das direções do Eric no roteiro, pude ilustrar as páginas de uma vez só. Mantivemos nossa comunicação mas tudo foi resolvido sem muitas intervenções de um lado ou de outro, e fiquei contente com o resultado. E mais importante para mim, o Eric também.

Sobre a história em si, sem entregar os spoilers, se passa em um hospital psiquiátrico e tem como ponto central os limites entre a loucura e a sanidade – tema sempre presente na produção de Lovecraft. Dizer mais do que isso já é entregar a história.

3 – A gente vê uma galera seguindo muito na vibe de H.P. Lovecraft. O quadrinho nacional bebe muito dessa fonte, o que é natural, pois Lovecraft foi um gênio sem sombra de dúvidas. Quando surgiu a ideia de Histórias para (NÃO) Dormir, rolou algum receio do tipo: “ah mais uma HQ sobre isso” ou se tornou um desafio de fazer algo diferente do que já tinha sido apresentado?

Daniel: Sem dúvidas, a obra do Lovecraft é um tema que sempre foi muito explorado pelos autores de horror e suspense. Com a maioria de suas obras passando para domínio público essa produção só aumentou, e isso tem seus lados bons e ruins. Se por um lado pode parecer um atalho rápido para se produzir material de horror, por outro é um bom ponto de partida e sempre um porto seguro. O fato é que a produção de ficção costuma passar por fases: vampiros, zumbis, worldbuilding medieval, cyberpunk… Acho que o que vale é o mérito do autor em desenvolver uma boa história e tentar se destacar no meio de tantas publicações.

Além disso, é um conteúdo que tem seu público cativo. Se não houvesse saída para esse tipo de material, certamente não veríamos tantas publicações do gênero. Então a questão não é se perguntar “ok, vou fazer mais uma hq sobre esse tema?”, e sim “ok, como posso contar uma história bacana sem cair no lugar comum?”. E sob essa ótica, eu acredito que tivemos sucesso.

4 – O Catarse é uma baita plataforma para artistas independentes e até editoras. E ultimamente temos visto muitas campanhas, principalmente de julho para cá. Como agir para uma campanha não “canibalizar” outra?

Daniel: Antes de mais nada é preciso ressaltar que eu sou cria justamente dessa geração do crowdfunding, hahaha. Da publicação de Entrespaço no ano passado até o final deste ano terei participado de pelo menos 6 campanhas, então esse é o único caminho que utilizei para conseguir publicar minhas hqs.

Eu vejo o financiamento coletivo como um grande marketplace para quadrinistas independentes. Conheci o trabalho de muita gente ao navegar pelas campanhas em andamento, da mesma maneira que há 20 ou 30 anos eu folheava títulos em bancas em busca de algo para ler, e sei que muitos dos meus apoiadores chegaram até meus títulos dessa mesma maneira. Então eu simplesmente não tenho como achar ruim que haja cada vez mais títulos disputando apoio. Isso é sinal que há cada vez mais gente com possibilidade real de ter seu trabalho publicado. O aumento no número de projetos no segundo semestre é algo natural. A CCXP acontece em Dezembro, e é o evento mais visado pelos quadrinistas, então uma concentração de novos projetos nesse período é inevitável já que o processo de seleção prioriza artistas que tenham algo de novo para o evento. Este ano, especificamente, não tivemos o FIQ ou a Bienal de Curitiba para dar vazão a lançamentos ainda no primeiro semestre, então isso influenciou ainda mais. Talvez não seja o ideal, mas estamos longe de estar em uma situação complicada. Ano passado financiei a publicação de duas hqs, uma no primeiro e outra no segundo semestre. A quantidade de apoiadores foi praticamente a mesma. Então eu não quero apresentar uma solução definitiva para essa situação, mas talvez a questão não seja a do autor disputar um possível apoiador com outros autores, e sim pensar em como trazer novos leitores para esse mercado, independente se a campanha acontece em Maio ou em Setembro.

Mas claro, existem outras soluções. O apoio recorrente é uma delas, e nos últimos meses tenho estudado e me preparado para utilizar essa variação de financiamento coletivo como maneira de disponibilizar meus títulos. Gostaria de já estar com isso no ar, mas ficará para o ano que vem.

Mas esse é um daqueles problemas que eu fico feliz em ter para resolver, hahaha. Pior seria se não houvesse esse tipo de plataforma e a produção precisasse ser bancada inteiramente do próprio bolso. Aí sim estaríamos ferrados, pois a quantidade de gente publicando de maneira independente é cada vez maior, e o alcance seria infinitamente menor. O crowdfunding é mais do que uma vaquinha para você bancar sua publicação. É uma ferramenta que cria todo um mercado de leitores. Vale a máxima: em tempos de crise, tem gente que chora e tem gente que vende lenço.

5 – Entrespaço foi a sua estreia nos quadrinhos. Ela tem um peso particular de um momento de sua vida. Já foi lançada até em inglês, sendo bem elogiada por várias pessoas. Como você vê Entrespaço ainda?  Ela chegou onde você queria ou ainda pode alcançar voos maiores?

Daniel: Eu tento não olhar muito para ela hahaha. Sim, tive um retorno muito legal por parte do público com essa hq, e isso me deixa feliz porque o texto é bem pessoal, a metáfora do astronauta é meio que o meu manifesto em forma de quadrinhos.

Artisticamente falando? Foi meu primeiro trabalho em arte sequencial, e se por um lado eu gostei do resultado estético, do outro a narrativa visual me incomoda. E o meu traço estava bem cru nesse trabalho. Tenho consciência que evoluí de lá para cá, mas ainda preciso melhorar bastante alguns aspectos do meu desenho.

Para um primeiro trabalho, acho que ela chegou inclusive mais longe do que eu imaginava. O lançamento no FIQ 2018 foi excelente – foi meu primeiro evento, lançando minha primeira hq – e até hoje encontro leitores que me puxam de lado para contar o quanto se identificaram com a publicação.

Hoje estou com a tiragem dessa hq quase esgotada (espero que sobrem algumas edições para a CCXP19), mas ela está disponível em formato digital na Comixology em inglês (como Interspatial) e português.

6 – Você está presente na Antologia VHS, que reúne uma galera muito boa e está sendo bem aguardada. O que poderia adiantar sobre VHS e sobre a sua história?

Daniel: Cara, poder participar da VHS com esse tanto de gente boa é uma honra pra mim. Para quem não conhece o projeto, é uma coletânea com quase 300 páginas de quadrinhos, organizada pelo Rodrigo Ramos e pelo Fernando Barone e a ideia é homenagear a trasheira dos filmes de terror da década de 80.

A dupla conseguiu juntar uma equipe de primeira pra essa publicação, e eu fiquei chocado quando soube que iria ilustrar um roteiro do demente Victor Freundt, do qual sou fã incondicional. Aliás, eu estou verdadeiramente preocupado com o resultado dessa hq. O roteiro do Victor pega não em só uma, mas em pelo menos uma dúzia de feridas diferentes, e tem um desfecho monstruoso. Estou seriamente considerando contratar um guarda-costas com o resultado das vendas hahaha.

Falando sério, tem sido uma experiência muito boa trabalhar com o Victor nesse projeto. Em Entrespaço eu escrevi e desenhei uma hq. Com O Bar do  Pântano e Histórias para Não Dormir, tive a oportunidade de trabalhar com roteiristas, o Tazzo e o Peleias, e foi um aprendizado pela dinâmica nova. Com o Victor, a diferença é que ele também é um ilustrador, e a dinâmica muda novamente no vai e vem das páginas. O aprendizado tem sido incrível.

7 – No final do ano passado, você e o Felipe Tazzo lançaram o Bar do Pântano. Quando voltaremos a visitar o bar no inferno?

Daniel: Este ano o Bar do Pântano foi indicado, para nossa surpresa, como um dos melhores lançamentos independentes de 2018 do Troféu Angelo Agostini, e não dá pra deixar isso passar em branco. Não levamos o prêmio, e esperamos novamente não levar em 2021, mas para isso precisamos publicar o próximo volume em 2020. Então SIM, veremos mais material. Os compromissos com as duas coletâneas e os dois títulos solo que eu me comprometi a lançar este ano acabaram adiando um pouco os planos, mas não confirmo e  não nego que 2020 possa trazer uma surpresa ou outra. Desde que começamos a pensar nessa hq o Tazzo aproveitou para elaborar todo um universo que pudéssemos ter de base para futuras histórias, e foi nesse vai e vem de conversas pelo WhatsApp e um ou outro encontro movido à base de cerveja que a segunda história presente na revista surgiu.

Então o que temos é um monte de regras, situações, personagens e possíveis acontecimentos que estão fermentando em algum lugar obscuro de nossas mentes, e que em breve serão organizados para um próximo volume do Rascunho do Inferno, que é como carinhosamente decidimos chamar esse universo que criamos.

8 – E aquele papo de animação do Bar do Pântano que surgiu no Twitter?

Daniel: Pois é, temos uma animação em andamento! O Tazzo é um cara ambicioso e eu sou um mosca morta. Pense em Pinky e Cérebro. Os planos para esse universo não estão limitados unicamente às hqs, e isso é algo que o Tazzo tem em mente desde que começamos a conversar sobre esse projeto. A ideia sempre foi expandir isso para webcomics, podcasts, animação, literatura e qualquer outra mídia que a gente puder perverter o suficiente.

No caso específico da animação, no momento não estou tão envolvido com o processo quanto gostaria de estar. O roteiro gira em torno da primeira história da revista, e o Tazzo tem contado com a ajuda do incrível Daniel Ete, também conhecido como baixista do Muzzarelas, para desenvolver a parte visual da coisa. Mas é um processo demorado, e assim que os compromissos com essa pilha de quadrinhos que estou envolvido terminar, volto para dar uma força na animação (e nas outras frentes desse plano). Mas o que tenho visto de todo o processo já está deixando bem claro que vai ser algo insano.

9 – Recentemente, você publicou no Tapas, Tachyon – prologo. Com a descrição de ser uma “hq semi-biográfica que pode ou não conter elementos de verdade”. A HQ ainda vai entrar em campanha no Catarse, mas poderia adiantar alguma coisa sobre Tachyon?

Daniel: Tachyon é uma mistureba de autobiografia, misticismo, vidas passadas, referências artísticas que eu preciso colocar para fora do meu sistema e mais um monte de ideias malucas. Eu passo boa parte do meu tempo acordado absorvendo informações, seja através de notícias, conversa, terapia, twitter, o meu vizinho maluco que insiste em bater boca com o meu cachorro (spoiler: ele ainda não conseguiu ganhar uma discussão)… tem muita merda acontecendo nesse mundo e é um desperdício isso não ser aproveitado em uma boa história. A trama, no final das contas, é uma espécie de exorcismo pessoal. Não no sentido clássico – eu não escrevo terror – mas no sentido de resolver pontas soltas da minha vida, colocar isso em pratos limpos e poder seguir em frente. Então o que você vai ler, não cronologicamente, é uma história de nascimento e morte. Enquanto Entrespaço foi uma espécie de foda-se para interferências externas em minha vida, em Tachyon eu mando o mesmo foda-se para as interferências internas, ou seja, é hora de crescer e entender o quanto você mesmo é responsável pelas suas derrotas e suas vitórias. Mas se você me conhece, sabe que eu não vou fazer isso de uma maneira linear ou, sei lá, didática.

Acredito que seja um trabalho que vai atender aos leitores de Entrespaço, que pedem por mais material nessa linha, mas que ao mesmo tempo tem uma proposta diferente o suficiente para não parecer mais do mesmo. E sim, eu sei que não falei quase nada. É surpresa. Leiam o prólogo e partam do princípio que aquilo é só o comecinho.

Arte para o podcast Benzina.

10 – Você tem histórias autobiográficas, terror, “horror-fantástico-maluco” como Bar do Pântano… qual seria um tema ou gênero que você gostaria de abordar diferente desses? Algo mais político ou mais “faroeste”, futurista…

Daniel: Alguns temas eu prefiro trabalhar com um roteirista. Terror é um deles. Eu não me vejo escrevendo terror em um futuro próximo, acredito que ainda não consegui pegar o jeito para esse tipo de narrativa. Por isso, os meus 3 últimos trabalhos, que são nessa linha, contam com o roteiro de outras pessoas (e posso dizer que pelo menos mais um está nos planos para o ano que vem, já que fui pego de surpresa com um convite bem bacana). Se formos falar de quadrinhos que eu escrevo, aí sim tenho minhas predileções. Futurista, posso dizer que com certeza sim. Política? Claro, mas não no sentido panfletário. É preciso lembrar que política não é (ou não deveria ser) o jogo de poder que vemos em Brasília, mas sim defender ideais que contribuam para a sociedade. E isso pode ser feito tanto através de alegorias quanto numa abordagem mais direta. No final do dia, o que importa é você se sentir à vontade para escrever sobre o assunto.

11 – Eu acredito que estamos vivendo um momento muito bom nos quadrinhos nacionais. Diversos artistas talentosos, uma galera boa se abraçando para divulgação, até mesmo os chamados “grandes sites” têm olhado diferente para o movimento. Mas, uma vez o Aléssio Esteves me falou, e concordo com ele, que não seria uma Era de Ouro essa atual. Porque já tínhamos uma galera trampando antes, e trampando muito bem. O que você acha desse momento? É o momento certo para fazer quadrinhos no Brasil, que se tornará mais duradouro, ou é apenas uma fase que tem uma galera “surfando”?

Daniel: Cara, o momento atual é muito bacana. Minha carreira como quadrinista é recente, mas eu acompanho o cenário nacional a tempos, e a coisa só tem embalado. Mas eu concordo com vocês. Definitivamente estamos colhendo os frutos desse pessoal que praticamente pavimentou na marra o caminho para as hqs independentes. Hoje temos ferramentas de financiamento coletivo que não existiam a 10 anos, e isso facilita imensamente o processo de publicação. Redes sociais, grupos de discussão, tudo isso ajuda muito não apenas para mostrar o seu trabalho, mas também para se relacionar com outros quadrinistas e com o público. Tive muitos apoiadores nos dois extremos do país, um alcance que eu jamais teria se não fosse por essa facilidade. Mas todo o mérito é desse pessoal que está fazendo quadrinhos desde antes dessas ferramentas estarem disponíveis para a maioria do público. Esses sim são os verdadeiros heróis.

 

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Entrevista | Raphael Fernandes, da Draco e um dos operários do quadrinho nacional

A Editora Draco está completando dez anos e com uma baita história de sucesso junto com ela. Sempre investindo em produtos inéditos e nacionais, a Draco já arrebata prêmios, grandes publicações, aborda um tom crítico (e necessário) e uma legião de fãs.

Esse ano, a Draco caiu de vez no mundo do Catarse. Em uma cruzada de praticamente uma campanha por mês, e todas elas bem sucedidas, a editora vem publicando grandes obras em diversos temas e gêneros. Batemos um papo com Raphael Fernandes, editor da Draco, já foi editor da MAD no Brasil, roteirista e um dos grandes “operários” do quadrinho nacional. Falamos sobre Catarse, sobre a Draco e sobre projetos futuros. Da editora e pessoal.

1 – Rapha, a Draco já andou por terrenos do Catarse no passado, mas em 2019 caiu de vez nessa estrada do financiamento coletivo. A campanha dupla de Cabra D’Água e a Peleja Contra os Gigantes e Opticus – Intervenções é a quinta do ano, como surgiu essa ideia de abraçar de vez a plataforma?

Raphael: Nosso principal objetivo como editora é alcançar o maior número de leitores com nossas histórias originais. Por isso, nós estamos nas grandes livrarias, na Amazon e em muitas das feiras de literatura, quadrinhos e cultura pop. Sentíamos que uma grande parcela do nosso público estava consumindo apenas nas plataformas de financiamento coletivo. Também percebemos que não é só uma questão de venda, mas de um conjunto de ações que apresentam o projeto da melhor maneira possível: vídeos, imagens, releases, muitas postagens etc. Tudo isso, ajuda a chegar em um número ainda maior de leitores. O financiamento coletivo é um caminho inevitável e o Catarse tem sido um grande parceiro.

2 – Quando se fala de Catarse, a gente sabe que é um “risco” que se corre. Do tipo se a campanha não for bem, se não chegar no planejado mesmo. Por exemplo, sabemos que o 100% é o top. Mas sabemos que podemos passar dessa marcar e ficar melhor ainda. Existe esse “receio” de não chegar? E se não chegar (vamos bater na madeira três vezes) tem um planejamento “coringa” para isso? Tipo uma reserva para completar a verba da campanha, ou algo assim?

Raphael: Depende muito, Ricardo! A real é que se o projeto não alcançar nem 50%, não faz sentido completar a grana. O Catarse nos ajuda a lançar as publicações com redução de riscos e também já com um número bacana de leitores de saída. Nós estamos no meio de uma crise editorial que deixou todas as editoras com problemas de caixa, as campanhas têm nos ajudado a sair dessa situação e conquistar novos leitores.

3 – Na Draco, vocês já estão bem carimbados na plataforma do Catarse, mesmo assim quando a campanha começa deve rolar aquele frio na barriga, do tipo “será que é esse o projeto correto para lançar agora?”. Como ocorre as escolhas dos projetos para irem nas campanhas?

Raphael: Para falar a verdade, quanto mais a gente faz, menos óbvio fica a produção e a escolha de um projeto. Por exemplo, nós tivemos relativa facilidade em arrecadar a meta mínima com as quatro primeiras obras, mas nessa campanha recente percebemos que não está tão fácil. A escolha das obras está relacionada com uma mistura de sua relevância cultural com o potencial de público da mesma. O frio na barriga vai do começo ao fim, acredite!

4 – Até agora, qual foi o projeto mais “tranquilo” que teve e o mais “tenebroso”?

Raphael: Eu ia dizer “Cyberpunk – Relatos recuperados de futuros proibidos”, mas só conseguimos bater as metas extras nos dois últimos dias. Para falar a verdade, nenhum deles foi tranquilo. Estamos seguindo um modelo muito próprio de campanha: 20 dias apenas, meta inicial baixa e o máximo de divulgação e buzz possível. Reduz o tempo do meio da campanha, mas torna todos os dias relevantes, não há descanso.

5 – Indo para Cabra D’Água e a Peleja Contra os Gigantes e Opticus – Intervenções… fale um pouco desses projetos, de como foi reunir o Airton e o Zanetic e o estalo de fazer um gibi de herói brazuca.

Raphael: Esses projetos estão em andamento há alguns anos! Trabalhamos com esses autores em diversas coletâneas e percebemos que era hora de lançar HQs de fôlego de ambos. Porém, com a crise do mercado, as obras coloridas foram sendo adiadas. Até que com o sucesso das outras campanhas no Catarse, percebi que era hora de colocar esse material pra rodar. Como as HQs tem certa sinergia e dividem um mesmo tipo de público, além dos caras serem amigos, acreditamos que poderia ser muito bacana juntar em uma mesma proposta. Por enquanto, tem dado muito certo!

6 – Está virando uma “tradição” do segundo semestre, uma onda de projetos de quadrinhos no Catarse. E todos os tipos de gêneros, alguns muito bons, outros nem tantos… às vezes acho que os leitores ficam meio que perdido em tanta coisa boa para apoiar. Essa onda de projetos é benéfica, mesmo sabendo que muitas pessoas têm que escolher qual projeto apoiar por causa de grana?

Raphael: Acredito que a onda é benéfica, mas cada campanha tem que trazer novos leitores e também incentivar que apoiem outros artistas. Nós fazemos parte da Coesão Independente, grupo de editoras indie que trabalham em conjunto, e nós ajudamos muito. Sinto que falta uma união maior dos autores de quadrinhos, mas uma boa parcela já colabora muito com as campanhas. E não falo de dinheiro, mas de divulgar o trabalho um do outro. Menos retroalimentação e mais troca de leitores.

7 – Eu pergunto benéfica do tipo: o Catarse é a melhor solução, a melhor forma ou é a forma que temos para publicarmos o que queremos?

Raphael: Sem dúvida, o Catarse é uma ótima plataforma de financiamento de um projeto. No entanto, a Draco sempre atua em diversas frentes: grandes livrarias, Amazon, comic shops e o próprio site da editora. Essa é uma das melhores formas de publicar, mas tem que ter outras cartas na manga.

8 – Saindo um pouco do Catarse, quais são os planos para o futuro da Draco?

Raphael: Estamos completando dez anos e lançando o máximo de coisas para celebrar com nossos leitores! Ainda haverá muitas surpresas, mas estamos esperando tudo ficar pronto para ir anunciando. Há até a possibilidade de uma festa. A agenda está muito cheia com CCXP, Horror Expo e Bienal do Livro do Rio! Alguns spoilers: as gangues estarão de volta, o treinamento só começou, parecia fantasia mas não era, uma estreia dramática, um épico sobre a guerra.

9 – E os planos do Raphael Fernandes? Quem te acompanha nas redes sociais, sabe que assunto é o que não falta para você. Teremos novos roteiros? Alguma coisa, quem sabe (vou dar uma dica se possível) relacionada ao rock? E o Fuzz Tarot, volta à ativa quando?

Raphael: AHHAHA! Gosto de produzir, me faz uma pessoa mais feliz! Estou sempre escrevendo novas histórias e no momento tenho trabalhado em alguns dos projetos da Draco pra 2020. No entanto, existe uma possibilidade de lançar uma ou duas HQs longas novas esse ano. Vai depender de alguns fatores, mas acredito ser plenamente possível. Sobre o rock, tenho um projeto, mas vai ficar pro futuro. Já sobre o Fuzz Tarot, só voltar será em outra plataforma que não o Instagram. Porém, continuo lendo tarot pra galera!

A campanha dupla de Cabra D’Água e a Peleja Contra os Gigantes e Opticus – Intervenções, já se encontra com 66% da meta alcançada. Para saber mais detalhes como valores, recompensas e claro para apoiar, clique AQUI.

 

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DestiNation #2 | Confira a entrevista com os autores Alessio Esteves e Lobo Loss

Durante o FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos do ano passado, um dos destaques foi o lançamento de DestiNation. A HQ que mistura gêneros como faroeste, cyberpunk e misticismo chamou atenção, contando a história de Jeff Van Cypher, um mercenário cibernético, que tem um passado misterioso, em sua árdua caçada à Don Juan, um cyberxamã que destruiu a sua família. A Torre de Vigilância fez a sua resenha sobre DestiNation, para saber mais clique AQUI.

Agora chegamos na tão sonhada e prometida continuação. Começou a campanha de financiamento coletivo no Catarse para DestiNation #2 (que em dois dias já está quase em 20%). Agora teremos um foco maior no antagonista Don Juan. A nova edição promete expandir o universo com novos elementos e personagens, coisa que ficamos com gostinho de “quero mais” depois no primeiro número. Serão três histórias, novamente com roteiros de Alessio Esteves (Zikas, Despacho, Na Quebrada) e arte de Lobo Loss ( O Mundo de The Witcher – Old Dragon), confira os títulos e as sinopses abaixo:

  • Pássaro Azul – Uma caçada a bandidos dá errado e Van Cypher vai precisar da ajuda de um índio hacker para escapar;
  • Pé na estrada – A caminho de um novo serviço, motoqueiros tentam roubar o combustível de Smut, a montaria de Van Cypher;
  •  Na teia do Aranha – Um terrorista geneticamente modificado está atacando os trilhos da Kismet e Van Cypher é contratado para capturá-lo.

Para sabermos mais sobre DestiNation #2, batemos um papo com a dupla criadora, Alessio Esteves e Lobo Loss:

1- O que podemos esperar de DestiNation #2?

Lobo: Com certeza um aumento de escopo do que rolou no primeiro!
Alessio: Exato. São mais personagens, mais cenários… O mundo da HQ cresce como um todo.

2- DestiNation é uma grande salada de estilos. Temos o cyberpunk, faroeste, misticismo… quais as principais influências para compor essa “salada”?

Alessio: Vish… Da minha parte, de cara, cito o Universo Marvel 2099 e Transmetropolitan. Mas não dá para não falar de Read Dead Redemption, com suas dezenas de personagens únicos com passado e motivações detalhadas. Quando falamos de misticismo, as várias abordagens mágicas presentes na HQ têm muito de Mago, a Ascensão e Carlos Castañeda.
Lobo: Gosto muito de usar os enquadramentos de filmes de faroeste, fica bacana. Essa coisa de começar no close nos personagens e depois ir para o cenário. Mas no segundo volume tive a oportunidade de mostrar mais ambientes. O primeiro volume tem muitas histórias em locais fechados ou escuros. Agora temos florestas, cidades… Então tive que ver como misturar tudo isso na arte
Alessio: Sem contar que tudo que a gente leu, viveu, meio que entra na HQ de um jeito ou de outro.
Lobo: Aquelas coisas lá no fundo da mente que às vezes entram sem querer.
Alessio: Tem Batman, tem Akira…
Lobo: Nossa, quem gosta de Akira vai pirar lendo este volume!

3- Jeff Van Cypher é um personagem misterioso. Na primeira edição, alguns elementos do seu passado como sua esposa e filha foram levemente abordados. Teremos mais profundidade no passado dele em DestiNation #2?

Alessio: Ô se teremos, mas não rola falar mais por motivos de SPOILER. De qualquer maneira, estamos dando aos leitores as peças de um quebra-cabeça, que eles devem ir montando.

4- Já sabemos que teremos o antagonista Don Juan como um dos principais personagens desse segundo número de DestiNation. Quem seria esse vilão? O estilo dele se equiparia à quem?

Alessio: Mais que o principal vilão de DestiNation, queria reforçar que Don Juan é um antagonista, no sentido que ele é totalmente oposto ao Van Cypher em todos os aspectos.
Lobo: Para mim é difícil comparar o Don Juan a alguém, porque não consigo pensar em ninguém parecido.
Alessio: Verdade. O Van Cypher tem inspirações mais claras.
Lobo: Ele é meio Hellboy, meio Jonah Hex. Já o Don Juan não tem. Acho que podemos bater no peito e segurar essa bronca.
Alessio: Bora pro play!

5- O estilo de DestiNation é um dos pontos diferenciais da HQ. Os traços são lindos. Nas feiras vocês geralmente levam uma miniatura do Jeff Van Cypher. Existe algum planejamento para camisas ou mais miniaturas dessas para o futuro? Quem sabe até uma marca de bebida?

Alessio: Porra, nunca tinha pensado em marca de bebida! É uma boa!
Lobo: Eu sonho em ter uma parada dessas!
Alessio: Temos planos sim de camisetas e miniaturas, mas acreditamos que não é o momento ainda. Estamos focados em fazer a HQ.
Lobo: Tem que firmar a marca, juntar um público. Aí, com isso firme no meio da galera, rola pensar em produtos derivados.

7- Alguns dos personagens secundários do primeiro volume irão retornar agora?

Alessio: Estamos explorando o universo de DestiNation e achamos que é cedo para isso, mas vocês poderão ver que pelo menos um deles está ativo no cenário

8-Teremos algumas referências com pessoas reais ou situações reais?

Alessio: O Don Juan é uma referência bem direta ao mestre do Carlos Castañeda em seus livros sobre xamanismo. E começa nesta edição uma brincadeira envolvendo uma gangue e… Bom, melhor deixar galera ler pra sacar!

9- Ambos são pessoas muito ativas no mercado do quadrinho nacional, como vocês enxergam esse momento? Vejo muita gente falando que estamos em uma espécie de “Era de Ouro”, por causa da quantidade de artistas e produtos de alta qualidade que estão sendo lançados (seja via Catarse ou via Editoras mesmo), concordam com isso?

Alessio: Não gosto de falar em “Era de Ouro”, pois parece que estamos desmerecendo todo mundo que veio antes de nós. Até porque algumas tiragens de décadas atrás são impraticáveis hoje.
Lobo: O que rola hoje é que tem mais canais de divulgação, o que deixa o público mais próximo autor. Então o que rola hoje é muito mais visibilidade do material lançado, mais que quantidade e qualidade.

10- O Lobo é um exímio Mestre no RPG (segundo as boas e más línguas) e o Alessio também é um profundo jogador experiente. Qual a possibilidade de vermos DestiNation um dia como um RPG? 

Alessio: Como alguém que mestra RPG desde os 12 anos, achei a citação à minha pessoa nesta pergunta ofensiva.
Lobo: HAHAHAHAHAHA!! Mas a possibilidade é grande, muito grande.
Alessio: Só estamos esperando a HQ ter mais volumes para o cenário estar mais estabelecido.
Lobo: É muito mais fácil o cenário estar construído para montar o jogo, e evita spoilers.

11- Qual o próximo trabalho da dupla? Seja ele junto ou os individuais.

Alessio: Juntos, é DestiNation e só.
Lobo: É um casamento muito bom, está dando certo, deixa como está.
Alessio: Eu tô participando do VHS, uma coletânea independente de terror com pegada nos filmes de 1980 que entre em financiamento coletivo em breve, e mais dois projetos secretos, que não posso dar detalhes agora.
Lobo: Da minha parte, é mais da área de RPG. Vai sair um Bestiário (não-oficial) de Witcher para Old Dragon, tá rolando o streaming semanal de Vampire Bloodlines que rola no canal da Ethernalys e teremos em breve novidades para o Vampiro, a Máscara 5ª Edição. Sigam Lobo Loss nas redes aí que falo tudo por lá.

DestiNation #2 terá formato americano, 48 páginas em papel couché de sépia com detalhes coloridos e capa cartonada. Para saber mais sobre a campanha, valores e recompensas clique AQUI.

 

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Torre entrevista Salvat Editora sobre o encerramento de suas coleções

Em setembro de 2013, depois de um protocolar período de testes no início do mesmo ano envolvendo as quatro primeiras edições, a Editora Salvat Ltda. chegava de vez ao mercado brasileiro de HQs com A Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel. Apesar da estreia nesse tipo de colecionismo, a editora fundada em Barcelona, Espanha no ano de 1869 já era atuante há tempos não só em território nacional, mas também em Portugal e diversos países da América do Sul, sendo no Brasil em atividade desde 2001.

Algo antes esporádico nas bancas brasileiras, a coleção popularmente chamada de Marvel Capa Preta mudou o perfil do colecionador brasileiro. Antes reservado quase que exclusivamente à livrarias e lojas especializadas, encadernados em capa dura começaram a abastecer os pontos de venda onde comumente se encontrava quase que apenas edições mensais e encadernados em capa cartonada. Estes últimos, voltados para linhas mais adultas ou coleções menores.

A primeira coleção de Graphic Novels lançada pela Salvat no Brasil

As mensais perderam força gradualmente e hoje uma parcela substanciosa dos leitores prefere encadernados aos mixes que costumávamos encontrar nas bancas desde os anos 40 com a Editora Brasil América Ltda. (Ebal). A troca de preferência também influenciou outras editoras e livrarias, que começaram a investir mais nessa forma de publicação e, coincidentemente ou não, fazendo a gigante Amazon ganhar força no país.

Nas bancas, outras editoras também aproveitaram. Eaglemoss e Planeta deAgostini, apostando na mesma forma de publicação e venda. Até a própria Panini, que começou a encadernar um maior número de seus títulos já lançados anteriormente nas revistas mensais e até publicando inéditos diretamente em encadernados de banca. Estes de capa dura e cartonada.

Eaglemoss também apostou no modelo. Diferente da Salvat, a DC Comics Coleção de Graphic Novels ainda está em atividade.

Essa mudança de preferência fez seus colecionadores inclusive ganharem dos leitores mais conservadores a pejorativa denominação “colecionador de lombada” por: Preferirem o acabamento de luxo ao mais popular; Comprarem todos os volumes de uma coleção independente de suas histórias contidas, para formar a ilustração proposta com a coleção completa e, em outros casos, comprarem as edições apenas para as ter enfeitando sua estante, não importando seu conteúdo.

As características não necessariamente se aplicam em conjunto aos seus leitores, tampouco significa que afeta grande parte dos mesmos, apesar de exemplos serem vistos com o desenvolvimento destas coleções por aqui. Mesmo com a grande popularidade, a editora não divulga a tiragem nem o número de vendas de suas coleções, seja em pontos físicos ou assinaturas, por considerar estes números sensíveis de serem revelados devido à forte concorrência do mercado.

Mas em 20 de março de 2019 um comunicado pegou de surpresa seus colecionadores. Após vários problemas com sua distribuição, a Salvat encerrava três de quatro das suas coleções de banca: A Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel, Os Mais Poderosos Heróis da Marvel A Coleção Definitiva Homem-Aranha. Após várias tentativas de contato com a editora, cujo departamento de marketing tem base apenas na Espanha, conseguimos por e-mail a exclusiva entrevista à seguir, visando esclarecer os turbulentos últimos meses vividos pela Salvat e seus leitores no Brasil não só nas HQs, mas em várias de suas coleções:

 

O motivo do encerramento prematuro das coleções da Marvel tem a ver com o número de vendas?

O encerramento das coleções de Marvel tem vários motivos, e todos estão relacionados, tendo como consequência afetação nas vendas. A Editora Salvat distribui seus produtos a través da Total Publicações, empresa do Grupo Abril. Grupo o qual entrou em Recuperação Judicial no mês de agosto, motivo pelo qual estivemos mais de seis meses fora do mercado. Este motivo foi culminante.

Coincidentemente as três coleções encerradas são da Marvel. Tem a ver com o licenciamento da editora e sublicenciamento no Brasil pela Panini?

Na verdade, o encerramento não é só com as coleções da Marvel.

Esse encerramento também acontecerá com outras coleções que não envolve quadrinhos? One Piece, Turma da Mônica, Os Mitos da Ferrari…

Como dito anteriormente, afeta a coleções de banca, One Piece também. Turma da MÔNICA (sic) não porquê a coleção já estava encerrando. Mitos do Ferrari é produto da loja online, e este canal é considerado a parte.

Por que tantos títulos foram lançados simultaneamente? Levando em conta as quatro coleções de HQs, o gasto era de quase 400 reais mensais, próximo do valor de meio salário mínimo no Brasil.

O Modelo de negócio de venda de colecionável em todos os países é o mesmo, para Salvat e para a concorrência. Os wHQ’s estão num momento de crescimento, e a MARVEL foi uma oportunidade de mercado para a Salvat, que tratamos de aproveitar. Mas podem ver que em qualquer mercado o funcionamento é o mesmo (ver https://www.salvat.com/comics-y-libros).

Não foi possível trocar de distribuidora ou vender em lojas como Saraiva e Amazon, além da loja online da Salvat?

A única Distribuidora para o canal de bancas que existia no Brasil era a Total Publicações do Grupo Abril. Infelizmente, não tivemos oportunidade de trocar de Distribuidora.  Os produtos da Editora Salvat como falado anteriormente, muitos deles, são produtos licenciados, mas licenciados só para o nosso canal de venda que são as bancas e nossa loja online. Isso não nos permite distribuir em outros canais como livrarias, para não entrar em conflito com nossos licenciantes.

Os Heróis Mais Poderosos da Marvel: A única coleção encerrada de acordo com a expansão prevista no Brasil

Não é possível continuar com o serviço dessas coleções somente para assinantes?

A Editora Salvat avaliou todas as possibilidades para tentar minimizar os problemas ocasionados aos consumidores, mas não é viável a continuidade só para assinantes.

Existem coleções vendidas exclusivamente pelo site da Salvat. Não poderia ser feito o mesmo com as HQs?

Não é possível fazer o mesmo. Algumas das coleções exclusivas da loja são stocks (sic) de outros países, geralmente carros, motos, miniaturas.

A Coleção Tex Gold não foi encerrada, porém sofre o mesmo risco? Uma vez que também é distribuída em banca.  

O caso de cada coleção foi analisado individualmente e Tex Gold não foi afetada pela decisão de encerramento.

 

A Espada Selvagem de Conan teve seu lançamento anunciado e serviço de assinatura vendido, porém desativado. Essa coleção tem chances de ser lançada ou foi cancelada em definitivo? Os direitos de publicação do personagem voltarem para a Marvel influencia isso?

A coleção Espada Selvagem de Conan (sic) foi apresentada na CCXP de 2017 com pré-venda para assinaturas, foi cancelada e os assinantes recuperaram o valor da coleção. Atualmente o projeto está parado e se for possível reativa-lo, informaremos aos leitores no momento oportuno.

A lombada sempre foi um chamariz das coleções da Salvat. Esta só pode ser montada com a coleção completa. Como agora pensam em atuar com o leitor que se sente frustrado por ter sua coleção incompleta?  

Como falado, vamos esperar para que a situação da Recuperação judicial do Grupo Abril finalize da melhor forma possível para Editora Salvat que está investindo no Brasil desde 2001. Quando esta situação fora (sic) resolvida, analisaremos todos os cenários possíveis.

Esse encerramento ocorre só no Brasil? Ou outros países da América do Sul e Europa aconteceu o mesmo?

Só aconteceu no Brasil, principalmente pela situação do que (sic) o Grupo Abril entrou em Recuperação Judicial.

A Salvat ainda pensa em investir em HQs no Brasil mesmo depois desses encerramentos?

Desde a Editora estamos tentando solucionar todos os problemas atuais. O futuro em quanto a títulos lançados está um pouco incerto ainda, mas sabemos que os HQ’s são tendência em alça e nós gostamos trabalhar com este tipo de produto. Confiamos em poder lançar novos títulos e contar com todo o pessoal que gosta deles, no futuro!

Por meio de sua página no Facebook, tentamos contato com a Total Publicações. Apesar do inicial atendimento via troca de mensagens, a distribuidora repentinamente deixou de responder nossas solicitações à partir do momento em que foi informado o motivo de nosso contato. Mesmo com a falta de atendimento subsequente, a página em rede social da distribuidora continuou funcionando normalmente e nossas mensagens continuavam sendo visualizadas, apesar de não serem mais respondidas.

Após as respostas serem enviadas, questionamos mais uma vez a Salvat por sua resposta referente à coleção Tex Gold, pois difere da notícia publicada recentemente no Tex Willer Blog que afirma o cancelamento da coleção antes do esperado, se encerrando no número 40. Assim que recebermos um parecer, o artigo será atualizado.

ATUALIZAÇÃO: Via rede social, responsáveis pela atualização da página Coleção Tex – Salvat nos afirmaram que “Nós não temos nenhuma informação oficial sobre um cancelamento ou pausas na coleção. O que ocorreu na verdade foi o cancelamento de alguns pacotes de assinaturas (com o pagamento mês a mês), devido a algumas questões operacionais.” Apesar da resposta, a editora costuma avisar suas decisões em cima da hora. Por isso ainda é melhor ter cautela.

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Torre Entrevista | Francesco Guerrini

E mais uma vez marcamos presença no Festival Guia dos Quadrinhos. Este ano realizado no Hakka Plaza, pela primeira vez trouxe como convidado um quadrinista internacional. Alvo de muito assédio e filas imensas de autógrafos, Francesco Guerrini também mostrou ser uma simpatia de pessoa nesta entrevista concedida à Torre por convite da Culturama, editora responsável pela vinda do italiano ao festival. Confira:

Na escola italiana de quadrinhos Disney, vários acabam adotando um traço próprio, como Giorgio Cavazzano, Casty, Paolo Mottura, Marco Gervasio… e seu desenho é mais tradicional, como nos anos 50 e 60. Por que esta escolha?

Muitos desenhistas começaram vendo o Cavazzano. Casty começou há pouco tempo com seu traço fazendo referência ao Romano Scarpa, e poucos faziam o mesmo até então. Já eu tive a referência do Carl Barks. Mas não quis me limitar só ao lápis de Barks, como Dan Jippes, que também é ótimo, mas [para mim] fazer Barks é preciso entender o seu contexto, velocidade e narrativa, que é muito específico. Me inspiro em Giovan Batista Carpi, que foi meu mestre, como também em Al Hubbart. Com essas referências, comecei a praticar muito, mas nem o que se espera, se atinge. Mas sempre tento melhorar. Se alguém me diz que “na próxima vez você pode fazer melhor” eu digo que “sim!”.

Página de Carpi, o citado mestre de Guerrini. Fonte: Arabeschi.it

Também na Itália, você tem catalogadas, entre inéditas e republicações, cerca de 140 histórias. Destas, 96 o Pato Donald aparece e em 66 o Tio Patinhas. Curiosamente, a publicação principal se chama Topolino, ou seja: Carrega o nome do Mickey, em italiano. Por que você não trabalha com o Mickey nesse universo Disney?

No inicio me perguntaram “você quer o Donald ou Mickey?” e eu pratiquei mais com o Donald que, pra mim, era um personagem mais divertido. E assim foi indo porque o Mickey é um pouco menos livre. Antigamente eu teria mais liberdade com as piadas do Mickey, mas não agora. Antes seria mais fácil introduzir elementos do universo dos patos nas histórias dele. São recomendações que vêm da central da Disney, nos Estados Unidos. O Carpi conseguia fazer um Mickey engraçado mas que dificilmente as coisas com o camundongo davam errado, diferente do que acontece com o Donald. Outro que escrevia muito bem o Mickey era o Romano Scarpa, mas não tem como imitar-lo. Só recentemente o Casty começou a usar alguns de seus elementos. Não tanto o seu traço, mas seu estilo, com um Mickey mais heróico.

Várias de suas histórias não seguem aquele padrão de 3 tiras por página. Muitas delas a disponibilidade dos quadros muda de uma página para outra. Na questão de pôr no papel a história, como vem a sua ideia de direcionar o leitor exatamente a ordem que propõe?

Procuro fazer a HQ que tem a ver com a situação do momento, como aprendi com o Carpi. Às vezes os roteiristas escrevem algo que não dá para colocar em um quadrinho só, porque os roteiristas não sabem desenhar! Procuro encontrar a melhor cena além do que está descrito no quadrinho. Alguns roteiristas deixam o desenhistas serem mais livres, mas eu faço o Storyboard sempre, pois é o principal momento criativo. Eu coloco em cima os quadrinhos para fazer a cena. Porém com alternâncias para ficar mais legível. Nunca coloco dois quadrinhos duplos verticais na página. Se um é duplo, o outro é normal. Não ponho um quadrinho duplo vertical à direita, sempre à esquerda porque senão não se percebe de cara o sentido de leitura…

Isso é importante, porque quando fazem à direita acabam muitas vezes tendo que usar setas…

Às vezes é necessário quando se tem uma cena onde as setas entram na história. Senão busco outra solução, como “quadros redondos”. Já as tiras quádruplas são mais difíceis e a redação pediu para nunca passar disso. Mas às vezes é preciso e sou obrigado a modificar os quadros de acordo com o que está acontecendo. Cavazzano me falou que eu tinha “que aprender como se faz os quadrinhos Disney” dessa forma: No Primeiro quadrinho temos a apresentação, depois o desenvolvimento e por último o gancho para a página seguinte.

Em uma história sua batizada de A Agência de Mil Ideiaso final é parecido com uma história do Carl Barks, chamada 1 Milhão de Omeletes. Hoje costumam fazer releituras de histórias antigas, como você fez em A Pataca Fatal, que veio de Trenzinho da Alegria, também de Carl Barks. Como é esse processo de reconstrução de uma história já consagrada, porém como uma linguagem recente?

Foi uma oferta que eu não tinha como recusar. É como colocar a mão numa obra de arte. Conhecendo bem a historia, eu fiz de acordo com o seu espírito original. Mesmo quando algumas coisas eu não poderia colocar [na releitura] como a Vila Barraco, bairro dos meninos pobres que estavam na história original do Barks pois seria forte demais para os dias de hoje. Então mudei as características mais fortes e trocamos o nome do lugar para Tormenta.

Em suas histórias o Pato Donald tem como característica a criatividade, atributo geralmente visto no Professor Pardal. Tem algum limite criativo para determinados personagens? Na paródia de O Médico e O Monstro, a Disney não permitiu que fosse lançada fora da Itália pela forma que caracterizaram o próprio Donald.

Na semana passada comprei essa edição especial com a história d’O Médico e O Monstro porque em breve deve esgotar. O Donald já tinha seus momentos criativos até mesmo antes do Pardal. No Donald pode fazer isso, por isso é legal. Já no Mickey, não pode. O Donald não é um incapaz. Ele já foi à Marte, ao fundo do mar, foi piloto de avião, submarino… ele pode fazer tudo.

História proibida de ser lançada no exterior. Fonte: Mangame.it

Como a Itália é o maior mercado de produção de quadrinhos Disney, de que forma você vê hoje o futuro desse material por lá? Os artistas norte-americanos sempre foram os mais famosos, mas hoje os mais produtivos são os italianos.

Pergunta difícil! Os estadunidenses inventaram, fizeram os quadrinhos acontecer. Nós nos sentimos honrados de saber isso, mas eu, por exemplo, não tenho um personagem criado por mim mesmo. Temos que pensar de acordo com a central da Disney. Os desenhistas italianos que conheço são muito bons. Os quadrinhos precisam se adaptar aos leitores de hoje, que leem menos. Como dizia o Carpi, os personagens precisam se atualizar. Não dá pra fazer hoje uma história como era nos anos 40. Se muda os veículos, vestimentas… os sobrinhos do Donald não dormem nem no mesmo tipo de cama de antes. São hoje garotos modernos que usam celular, tablet, fazem esporte… e continuam sendo os Escoteiros Mirins. As crianças precisam se espelhar nos personagens para quererem ler o quadrinho. Por exemplo: A animação Lilo & Stitch.

E há alguma preocupação hoje em saber que o material que vocês produzem vai chegar em várias partes do planeta?

A preocupação existe. Por exemplo: Como adaptar o Peninha e o Urtigão ao público da América do Sul? Ou o Mickey, Mancha Negra, João Bafo-de-Onça… Eles agradam público até na China. É possível adaptar-se à cultura local. O como o próprio Urtigão, que citei agora pouco. Este é diferente da sua versão italiana ou estadunidense, não é errado adaptar-se a outros tempos. O Donald pode ser um atrapalhado, um criativo, um herói… é possível.

E em breve sortearemos um Grande Almanaque Disney autografado pelo próprio Guerrini. Fiquem de olho no site e em nossas redes sociais!

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Sesi-SP Editora anuncia novidades para 2019

Mal começou 2019 e já tivemos novidades da Sesi-SP, maior editora de quadrinhos europeus do país. Mathieu Bablet, depois do lançamento de Shangri-La em 2018, retorna também pela Sesi-SP com A Bela Morte. E tem mais material vindo aí: Agraciada com o Troféu HQ Mix de 2017 para Editora do Ano, a Sesi-SP busca manter o nível das temporadas anteriores, e conversamos com eles para saber mais.

Blacksad teve seus 5 tomos lançados em cerca de um ano e meio, e assim alcançou seu país de origem. Uma nova série tomará seu lugar?

Não sabemos ainda se a editora original colocará alguma série no lugar de Blacksad, mas estamos aguardando que sim, e que nas próximas feiras tenhamos novidades para trazer ao Brasil.

Essa editora original que se referem é a Dargaud?

A editora original é a Dargaud, sim. Porém, também estamos estudando outros catálogos estrangeiros.

Os tomos 4 e 5 de Verões Felizes, intitulados Le Repos du Guerrier e La Fugue já foram lançados na França. Qual a previsão desses volumes saírem no Brasil?

Ambos os volumes estão em produção na editora neste momento e sairão em 2019, no primeiro e no segundo semestre, respectivamente. Só aguardar!

Quando começou a ser publicado em 2016, somando as duas coleções Spirou e Fantasio e O Spirou de… tivemos 9 volumes lançados em 2016, 3 em 2017 e somente 2 em 2018. Por que essa diminuição de ritmo e quais os planos para essas coleções em 2019 que contam ao todo com 55 e 14 volumes respectivamente?

É natural que o ritmo tenha diminuído um pouco. Para colocar uma série deste tamanho no mercado a editora se preparou para trazer 8 títulos no primeiro ano, mas acabou conseguindo emplacar 9; em 2017 e 2018 a estratégia foi de colocar 3 títulos por ano, mas diante dos pedidos dos aficionados pela série, estamos estudando a possibilidade de aumentar essa quantidade em 2019.

A coleção integral de Valerian tem ao todo 7 volumes. Por enquanto temos 3. Quantos devem sair em 2019?

Na verdade, os volumes 4 e 5 estão maravilhosos e chegaram ao mercado no final de 2018 [chegando às lojas em janeiro de 2019]. Em 2019 serão lançados os dois volumes remanescentes, um no primeiro e outro no segundo semestre.

Valentine teve 3 volumes publicados em 2017 e nenhum em 2018. Por enquanto temos 6 volumes em seu país de origem. A série continuará em 2019?

Sim, a série continuará em 2019, com previsão de lançamentos de Valentine 4 no primeiro semestre e Valentine 5 no segundo semestre.

Criada em 2011, a Sesi-SP Editora publica quadrinhos nacionais desde 2014 e a partir de 2016 adicionou ao seu catálogo quadrinhos europeus. Além do HQ Mix, a editora foi vitoriosa no Prêmio Jabuti, Selo Altamente Recomendável FNLIJ, entre outros.

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Torre Entrevista | Danilo Beyruth

Samurai Shirô explora um dos mais icônicos e curiosos bairros de São Paulo. Antes palco de execuções oriundas de penas de morte, o bairro da liberdade se tornou reduto predominantemente asiático à partir do início do século XX e que o habitam até hoje. Essa particularidade fez a HQ passar por revisão cultural não só por seu editor Lielson Zeni mas por estudiosos da cultura nipônica. Tanto o bairro quanto o interior paulista hoje têm uma cultura japonesa mais tradicional que até boa parte do seu país de origem, hoje já considerado pop. A edição fez Samurai Shirô inclusive ter sua capa modificada, sendo adotada como definitiva a ilustração que antes seria da página de guarda. Para esse e outros bastidores, conversamos com Danilo Beyruth que nos detalhou cada parte de sua mais recente obra.

O bairro da Liberdade é conhecido dentro e fora de São Paulo. Samurai Shirô se passa lá e em cidades do interior. Qual foi seu desafio de tornar um cenário real em ficção?

Um princípio que não canso de afirmar porque acho que é legal para se pensar sobre quadrinhos e tudo mais é o seguinte: O cinema americano pega e transforma a realidade. Quando você assiste um filme e vê Los Angeles, São Francisco ou Nova York não é a cidade que está lá, mas uma versão dessa feita para o entretenimento. Por exemplo: Estou para receber da Marvel um roteiro do Demolidor e a Cozinha do Inferno que se vê nos gibis parece algo incrível com quilômetros e quilômetros de extensão como uma cidade dentro de si mesma. Quando você vai ao lugar real a coisa é menor. É legal, parecida com o registro do Frank Miller, mas não é o que se imaginava. Acho que esse é o trabalho da ficção: Quando vamos fazer uma história a gente tenta colocar nosso olhar justamente nas coisas que achamos mais interessantes. Já fiz isso em Bando de Dois e agora tento fazer de novo com Samurai Shirô. Quando passa a fronteira invisível do bairro da Liberdade você sente que entrou em um lugar diferente do resto da cidade. Então eu tento capturar isso e trazer para a história em quadrinho de uma forma que acho interessante. A liberdade tem uma cultura diferente, culinária diferente, produtos diferentes, gente diferente…. Então acho que é importante explorar isso.

Nas páginas de Samurai Shirô é bem evidente sua influência do cinema. Na movimentação, nos ângulos… Você já disse outras vezes que essas duas mídias se comunicam muito bem, e declarou a influência de Akira Kurosawa. Além de HQ e cinema, seja na cultura ocidental ou nipônica, quais outras mídias levaram à formação de SS?

Tem uma biografia chamada Yakuza Moon, de Shoko Tendo, sobre uma herdeira da Yakuza publicada no Japão que fez dela uma celebridade por lá contando sobre quando ela fez parte da organização. Outro livro, chamado Tokyo Decadence, história real de um jornalista que vai à capital e acha espaço num jornal em sua parte policial, e lá ele conta sobre as prostitutas, yakuza, pequenos crimes… Tem a coisa do Faroeste, de uma forma ou de outra… Tem Frank Miller, nesse sentido de policial e fazer esse noir mais sujo e contemporâneo… Eu li muito Stephen King, que me ensinou muito e gosto mais de suas histórias curtas. Acho que é onde ele brilhou em sua carreira foi em seus livros de contos. SS foi um quebra-cabeças muito complicado de montar, porque você tem três personagens. Isso na verdade é uma base do roteiro: O personagem está lá na situação ideal dele e acontece alguma coisa que o mundo vira de pernas para o ar e ele é obrigado a fazer algumas coisa. É assim em O Senhor dos Anéis, Star Wars, Shakespeare… em tudo quanto é lugar. Mas como referência em SS acho que o Frank Miller é a melhor referência.

Laurousse Brasil, 2010. FONTE: Crentassos.com.br

O cinema é “mais roteirizado”, com ângulos, takes, falas e expressões. Anteriormente você já disse que não costumava escrever o roteiro antes de desenhar. Você faz as artes e a história vem com ela. Para esta também foi assim ou você modificou a metodologia?

Na verdade, o que vem junto com o desenho é mais o argumento. Eu trabalho o roteiro, mas não no estilo cinematográfico. Tem uma coisa horrorosa que não é para o consumo de ninguém além de mim: Eu abro o Excel e vou planejando a sequência de cenas. É um roteiro ilegível, horroroso de se ver, mas há um planejamento sim, não é tão orgânico. Tem uma engenharia por trás do roteiro de ver as cenas, a motivação de cada personagem e empurrar cada um para uma parte de cena e da história. Como é um Excel tem como deslocar uma cena de um lugar para outro. Isso foi uma preocupação na HQ.  Às vezes é um tiro no pé que eu dou, que dizem “a HQ tem 90 páginas, mas se lê muito rápido”. Em SS também é frenético e tudo mais, mas toda cena chega em seu limite e corta para outra, que chega em seu limite e volta para outra que estava se resolvendo para chegar a outro limite para ir a uma nova cena. Então há esse planejamento, essa engenharia para fazer a história fluir dessa forma.

Quando se pega uma história com muitas páginas, várias duplas e detalhadíssimas, é curioso de se pensar como pode ter levado até dias para o artista finalizar aquela página ao mesmo tempo que o leitor leva alguns segundos para ler a mesma. Tem a ver com o que acabou de mencionar?

A leitura de um quadrinho é um passe de mágica. Cinema tem isso também, mas em HQ acontece de forma mais bizarra. O leitor “monta o filme da HQ” na própria cabeça, porque se o cérebro não tivesse esse recurso do suspention of disbelief não se poderia ler HQs porque só seria visto arte por arte. Então você acaba grudando as ações do personagem e aí você monta o filme conforme você a lê. Esse é um dos segredos da narrativa de HQ: Quais recortes da realidade da HQ você mostra ali para fazer o leitor enxergar a ação acontecendo. Quando você pega para fazer uma página com um momento especial, página dupla com grande explosão, luta ou o que seja, aquele é o momento que o desenhista explora o máximo detalhe de forma que tudo aquilo na cabeça do leitor se carrega por todos os outros quadrinhos que talvez não estejam tão bem elaborados. Acho até que têm desenhistas que são tão bons que atrapalha a narrativa. Desenham tão bem que a narrativa fica prejudicada porque você justamente pára para ver cada quadro e detalhe. Isso acaba prendendo a leitura e ela vai ficando mais lenta ao invés de fazer só o registro do que está acontecendo para o que vai acontecer. Mas são casos raros.

Pode citar algum?

O Hal Foster é um, mas Príncipe Valente é feito de uma forma que não é muito uma HQ. [Jorge] Zaffino também tem esse problema para mim. Sou absolutamente fã do trabalho dele. Tem um desenho tão absolutamente fantástico em cada detalhe e ponto que para mim não tem como parar para observar a arte em cada quadro. Para mim você precisa ler as histórias dele três vezes porque nas duas primeiras você está observando os quadros pois tem um trabalho em preto e branco absurdo.

Winter Sea, de Jorge Zaffino. FONTE: Dogmeatsausage.blogspot.com

Os Samurais são em grande parte andarilhos e os ilustradores têm certa semelhança com isso. Passam por várias editoras e outros projetos, como campanhas publicitárias, storyboards e pôsteres de cinema. A Darkside é sua quarta editora no Brasil. O quão perto e o quão longe essa incerteza do que virá pela frente te coloca na busca do que você procura ser como artista?

Eu tenho 45 anos. Estamos vivendo um momento conturbado da política brasileira e eu tenho que confessar que não é uma surpresa. Cresci no Brasil dos anos 80 que tinha uma situação econômica e política maluca. Se parar para olhar parece que o brasileiro tem essa sina de não ter sossego, porque já passamos por cruzeiro, cruzado, cruzado novo, real… é um inferno! Já cheguei a ter meu salário indexado pelo dólar. Parece absurdo falar isso hoje, mas não dava para saber o meu salário no fim do mês por causa da inflação. A gente vive numa situação meio desgraçada nesse país que a gente não tem consciência de que é um continente inteiro. Tem que comparar o Brasil com a China, os Estados Unidos, a Rússia. O Brasil é um continente por si só, mas desgraçado por ter sempre esse problema econômico. Um dos grandes méritos que vejo na Mauricio de Sousa Produções é não ter fechado comparado a outras instituições que pareciam inabaláveis mas fecharam nos últimos 30 anos. E como encaixo eu que só quero fazer HQs no meio desse pesadelo? Porque é um produto que tem que competir com uma cacetada de outros entretenimentos que chegam fácil. Como sobreviver num país como esse? Então tem que tentar desenhar uma carreira para você, mas pegar tudo que aparece. Já fui diretor de arte em agência de publicidade, em internet. Já inclusive já trabalhei em agência com hora marcada enquanto fazia minhas HQs, como foi com o Astronauta e o São Jorge. Tem meio que sambar feito louco e descobrir o que fazer. A Fnac acabou de fechar sua última loja. Livraria Cultura e Saraiva com problemas. Revistas de banca canceladas…. O negócio é não ficar parado e não existe uma solução única. Já ouvi que o problema das HQs é a distribuição. Agora não é mais, porque vai distribuir para onde já que as bancas e livrarias estão fechando feito loucas? Mas ao mesmo tempo eu sinto que há um público sedento de ler esse conteúdo nacional e de continuar consumindo HQs em geral. Existe para nós um mercado gigantesco, porque como eu disse que é um continente inteiro que fala essa língua portuguesa. Hoje acho que é uma minoria que hoje discrimina uma HQ por ser nacional. Um Fiq e uma CCXP não existe em um país que não tem interesse por quadrinhos. Por isso acho que foi um casamento legal com a Darkside que já tem seu próprio público. No fim das contas os boletos vão chegar. A maior parte dos artistas tem que abrir novos rumos, opções e acho até bom ter limitações porque propõe um desafio de contorna-las e também faz o artista ser mais completo.

A Darkside é uma editora especialista em terror e suspense, mas SS não é bem esse tema. Por que você acha que esse título despertou o interesse da editora?

Eu já tinha começado o projeto antes de fechar com a Darkside. Acho que faz parte do diálogo deles. Nem todo livro da Darkside está super ligado ao terror. Eles estão abrindo um pouquinho o leque nos livros e na parte dos quadrinhos acho que é até meio que uma obrigação porque imaginar que uma editora é especializada em um nicho de quadrinhos é quase uma loucura. Por exemplo: Pode ser especialista em super-heróis, mas há heróis mais violentos, mais clássicos, mais ligados ao terror…. Abraça vários subgêneros dentro de si. Então para a Darkside dar esse passo com quadrinhos tem que ter essa concessão. E de qualquer forma acho que Samurai Shirô está dentro do espectro das coisas que a editora se interessa: Uma história no Brasil de Yakuza, assassinos profissionais, espadas e etc. acho que cai no espectro deles de qualquer forma. Não é um romance, drama ou alguma coisa assim.

No lançamento de SS, você disse que o autor de HQ tem que estar em constante produção para não ser esquecido. Já encontrei HQ sua até na Alemanha e além de já ter suas obras no exterior você também tem produtos licenciados. Essa é sua nona HQ em 10 anos. Você ainda teme ser esquecido? Acha que não tem seu nome marcado?

Acho que isso não é para mim saber se meu nome está marcado ou não. Eu acho que estou deixando alguma coisa, mas não sei se deixei marca na carreira de alguém, se deixei influência ou algo assim. Mas que tem um pessoal que acha que eu fiz um pouco de uma diferença, sim. Uma coisa é você ser completamente esquecido. Acho que acontece. Tem alguns que a galera mais nova não faz muita ideia que existiu, como é o caso do Flavio Colin, que acho um puta artista e hoje só encontra em sebo. Acho que se quer viver de entretenimento não pode ter só um disco de sucesso. Tem que sempre se propor a fazer uma coisa nova até porque se quer viver disso não tem outra opção. A Laerte está sempre se renovando até como uma necessidade de artista. As coisas que ela faz hoje em dia não é o mesmo que fazia nos anos 80. O meu trabalho tem mais o viés de aventura e menos intimista, mas acho importante estar sempre produzindo porque o povo não é que esquece, mas substitui por outra coisa na cabeça deles. Eu gosto de produzir. Trabalho até sábado e domingo, mas é um prazer pra mim. Não tenho mais como escapar disso. Tenho 10 anos de carreira e ao fim do ano terei 10 HQs publicadas, com Astronauta Entropia. Eu pretendo manter esse ritmo porque não sou 100% satisfeito com o desenho nem a narrativa. É um trabalho de aprendizado e não tem como saber aonde chegar com isso.

Estórias Gerais, de Flavio Colin. Conrad, 2007. Fonte: Guiadosquadrinhos.com

Tirando as Graphic MSP e poucas HQs do Necronauta, suas obras são em preto-e-branco. Por quê? Tem a ver com sua escolha ou custos de impressão?

Um pouco dos dois. Gosto de HQs em p&b. Acho bom para enxergar o desenho. Sou fã do Quarteto Fantástico do Stan Lee e Jack Kirby. Acho que sem o Quarteto não existiria o Alan Moore. Eu compro os Marvel Essential para ver o desenho do Kirby, aí me acostumei a ver arte p&b e acostumei a ver meu desenho assim. Também tem o custo de impressão, de pagar o colorista e tenho essa política de quem trabalha comigo tem que receber de alguma forma. No final das contas pode ficar caro: São Jorge tem 200 páginas e colorir sairia caro. Eu não gosto de colorir. Tenho preguiça, sou indeciso e cada quadro que eu for colorir vai ser um desgaste absurdo. Quando termino esse ciclo e coloco no papel, faz edição, letreiramento e etc. não suporto mais a HQ. Depois de terminar Bando de Dois demorei mais de um ano para olhar para a HQ de novo porque penso no que poderia ter feito de diferente aqui e ali. Depois de todo esse processo a última coisa que vou querer fazer é colorir e acho que assim como tem Robert Crumb e mangá, HQ funciona muito bem sem cor também.

Samurai Shirô não é um mangá e essa nem é sua intenção. Vendo o seu lado desse sincretismo em relação à culturas, como você busca abraçar todos esses mundos e mídias colocando sua marca? Sei que gosta do mangá Bakune Young, por exemplo.

Sim. Bakune Young foi uma das inspirações. Acho que é um dos “melhores mangás desconhecidos que já existiram”. É fantástico! Eu escrevo sobre as coisas que eu gosto e desenho o que quero. Entrei nos quadrinhos porque gosto e acho divertido. Gosto de ficção científica, aventura, terror, policial e todos esses temas que tento abordar e todos são referências para mim. Gosto de Frank Miller, Lovecraft, Stephen King, Asimov… esses temas aguçam minha curiosidade. Fico aqui o dia inteiro assistindo ghost hunters, teorias da conspiração, ufologia e são todos temas que gosto. Não gosto de ficar em um só tema porque chega uma hora que tal assunto me esgota. Quando termino São Jorge não quero no momento saber de Império Romano ou quando termino Astronauta não quero ver por um tempo ficção científica. Não significa que não posso voltar depois, mas preciso renovar a bateria. Frank Miller tem todo aquele universo que Demolidor tem muito a ver com Batman, com Sin City e ao mesmo tempo ele tem o Ronin, que é meio samurai, meio Moebius. FM tem um norte muito forte, marca indelével e até mesmo ele tem um momento de explorar. Não quero ficar preso numa caixinha pois não acho a solução mais divertida para continuar.

Ronin, de Frank Miller. FONTE: Flickr.com

Apesar de transitar em tantos temas, seus personagens são majoritariamente solistas e agressivos. De onde vem essa escolha pela tríade da solidão, violência e morte?

Tem isso. Acho que são os temas que se busca as coisas mais ressonantes. Não escrevo a morte pela morte ou violência pela violência. Acho que um filme que tem uma mensagem muito interessante é o Conan. Não é só o Schwarzenegger ou o massavéio. Tem todo o enigma do aço e da vontade humana. A violência e tudo mais é porque se quer gerar trama e essa energia de um filme poderoso. Quando o Conan derrota o Thulsa Doom, ele derrota não pela espada que ele empunha, mas pela vontade que tem dentro dele. Esse porquê de usar a violência e coisa bruta é porque deixa as histórias mais interessantes. Tenho uma mão pesada e não consigo escrever essas histórias mais sensíveis. No final isso é um pano de fundo para contar uma história mais humana que está escondida. Eu não acredito naquela narrativa que fala uma verdade que todo mundo já sabe, como é melhor ser bom do que ser mal. A própria Bíblia é escrita com historinhas e a hora que você se identifica com o personagem e com a narrativa chegando à conclusão mesmo que não seja explícita, mostra que as pessoas leem as histórias para viver as vidas que não tiveram, para pensar e refletir sem perceber. É pano de fundo para chegar ao raciocínio.

O Shirô (branco, em japonês) é um personagem sem memória; Akemi é uma personagem de passado complexo. Por que a escolha dessa polarização e desafio do abismo entre os dois para formar sua narrativa?

Para mim SS tem três personagens. Também tem o Takeshi, que mesmo que não tenha tanto o protagonismo, é um movimentador muito importante. O personagem no começo da história não entende completamente o mundo. Quando se vai à faculdade ou colegial você não sabe o que se esperar, você tem uma visão de mundo formada pela família e o que viveu até agora e quando se chega lá você vai ter um novo desafio na sua frente e você vai aprender alguma coisa com isso. Acho esse contraste legal, como o da Akemi que é uma japonesa criada como ocidental e o Takeshi que enxerga um contraponto entre ele e o resto da máfia japonesa, pois ele se considera mais tradicional em sua visão sobre o que a máfia deveria ser. Ele vê os outros como oportunistas, mas ele vê uma certa honra de ser Yakuza. O Shirô é um personagem sem passado e a Akemi acreditou num passado que não era verdade. Tem que criar esse atrito entre esses personagens e se preocupar com a visão de mundo de cada um deles pois isso é o que vai movimentar a história e fazê-los tomar suas atitudes. Se não tiver esse respiro de vida a história é chata.

Essa é sua HQ mais longa tomando como parâmetro a publicação em apenas um tomo. São Jorge passou de 200 páginas, porém em 2 volumes. Isso tem a ver com sua transição em desenhar do papel para o digital? E como isso está modificando sua forma de contar histórias?

São Jorge na verdade foi feito em uma só tacada, mas foi uma escolha editorial publicar em 2 volumes e por uma chance absurda do destino tinha uma parte bem ali no meio que dava para fazer o corte sem nem adicionar páginas. O digital eu não acho que está influenciando, só que sou a pior pessoa para você perguntar. Passei para o digital já no segundo volume do Astronauta. Me ajuda muito porque é mais organizado. Trabalho no Clip Studio Paint, antigo Mangá Studio e quando abro o documento todas as páginas estão aqui, dá para ver o casamento de cada página e, por exemplo, não sei sua impressão como leitor se agora meu traço está mais digitalizado e menos orgânico… Sempre tento ser orgânico, sem aquela finalização super limpa e acabadinha. Eu tento emular ao máximo possível o meu traço com pincel nas técnicas digitais e acho que tem funcionado. Se tiver mais olhar no detalhe em algumas partes pode dar para perceber que é mais digital, mas no geral eu não enxergo meu traço entrega esse fato. Não tem como negar que o digital acelera a produção, porém no caso do SS não quer dizer que ele tem mais páginas por causa disso. Acho que no fim das contas tem o número que achei que deveria ter. Não quer dizer que não poderia ter feito mais enxuto, só que a trama é meio complicadinha com muita coisa para ser revelado aos poucos. Se tivesse menos páginas seria mais corrido. Então não faço essa relação. Que definitivamente trabalhar no digital é mais prático, isso não tem a menor dúvida, mas eu sempre falo que “trabalhar no tradicional num dia em que tudo está bom, a tinta se comporta e o pincel faz o que eu quero, tá tudo certo. Maravilha! No dia que a tinta secou demais ou o pincel tá ficando velho, é um inferno” então o digital me dá uma mediocridade confortável porque todo dia é igual.

No Brasil, você sempre publicou como artista solo. Então você foi à Marvel e publicou em equipe. Em SS tem uma cena de moto que remete às HQs do Motoqueiro Fantasma e até no filme Motorrad. O que mais você aprendeu em grupo que agora reflete nas suas HQs autorais?

Acho que não tem uma coisa que aprendi, mas fazer essas HQs pra Marvel me deu uma oportunidade de me concentrar só no desenho. Tem roteiros que recebi da Marvel que eu gosto, outros que não gosto e isso eu já aprendi a trabalhar com o que você tem desde que eu estava em agência [de publicidade]. Eu sou agenciado pela Chiaroscuro e o Joe Prado também já comentou que tem uma mudança de traço por só me preocupar com o desenho sem ter as outras pressões. Ao mesmo tempo, depois que eu terminei o SS senti que meu traço sofreu alteração. Nunca me preocupei com meu estilo. Acho que o estilo é o melhor desenho que você pode entregar sem parar de trabalhar. Já vi gente muito preocupada com isso e dá uns bloqueios porque buscam um resultado perfeito e absoluto. Trabalhar na Marvel me deu um respiro para me concentrar no desenho e isso foi complementado pelo trabalho intenso no SS porque foi feito num período bem curto de 5 meses. Ali eu senti que o trabalho é como um joguinho em que você acumula pontos até poder passar de nível. Para mim, na Marvel teve menos diálogo entre eu e as pessoas que escrevem do que imaginam.

Samurai Shirô já tem um projeto cinematográfico em desenvolvimento chamado Princesa de Yakuza mas, diferente de Motorrad, este terá uma HQ como referência. O quão maior você considera sua função na próxima película, mesmo que o diretor já disse que não vai ser uma adaptação quadro-a-quadro?

Adaptação é adaptação, está dentro da palavra e não tem o que discutir. Não preciso que seja hiper fiel à HQ. Quero se seja um bom filme. Adoro o primeiro filme de Sin City mas acho que no segundo a coisa começou a se esgotar. Eu até tenho dúvidas se foi uma boa ideia adaptar Watchmen porque a HQ é tão maior que o filme… e também essa coleção de filmes furrecas como Do Inferno e V de Vingança que acho que não precisava ter sido feito. Em contrapartida, gosto muito do universo cinematográfico da Marvel. Eu adoro Capitão América: O Soldado Invernal, acho que é um dos melhores filmes e é uma adaptação de um monte de coisas. Juntar com o universo dos Vingadores, coisa que não está na HQ do Brubaker de um jeito que ficou interessante. E hoje em dia não existe mais material canônico. Ao exemplo o cristianismo, hoje em dia tem versões do Universo Marvel ou Star Wars e se não der certo você começa de novo, como deve acontecer com a DC. Acho que a adaptação visa gerar um produto diferente apesar dos pontos de contato com os quadrinhos. O cinema respira e faz o que tem que fazer independente do que a HQ seja. Tem que ter um tanto de fidelidade ao material original para não criar uma monstruosidade com nada a ver com o que atraiu as pessoas. Acho que esse é o limite da adaptação. O cinema tem o diretor, o roteirista, os atores…. é uma obra que vem de um caos muito maior do que de onde vem o quadrinho.

Akemi e Shirô ainda parecem ter o que contar. Seja no bairro da liberdade ou em alguma outra parte do mundo, a busca deles ainda tem caminho a ser percorrido?

Tem. E não só isso como eu tenho conseguido fazer personagens interessantes. Com exceção do São Jorge em que o protagonista morre, eu vejo a possibilidade de fazer uma sequência de Bando de Dois, Astronauta já virou uma série e acho que SS tem ainda história para contar tanto antes quanto depois assim como em Bando de Dois. Então eu não vejo essa pressa de encerrar e ser definitivo sobre nada. Assim como as pessoas, os personagens podem sofrer mais de uma transformação no período de vida deles e esses são justamente o que você captura para contar uma história. Toda história é meio o período de transformação de alguém em alguma outra coisa ou a percepção de alguma coisa nova. Esse é o princípio da piada ou do drama: Essa descoberta do final que você não esperava. Eu gosto de deixar as coisas abertas e poder voltar aos assuntos.

Então apesar de não estar fazendo isso no momento as chances são reais…

Está nos planos. Não estou fazendo no momento, mas está nos planos. É que não gosto de prometer nada porque em 10 anos fiz 10 HQs e eu conto os anos que ainda tenho de vida. Se eu chegar aos 65 anos ainda tenho mais 20 HQs para fazer [risos]. Eu não prometo datas. Até hoje muita gente me cobra um novo Necronauta. Mas eu preciso encaixar aqui. HQ só é mais rápido que cinema… O próprio [Lourenço] Mutarelli uma vez disse que “prefere escrever livros porque vai mais rápido que HQs”. Então está nos planos. Pode ficar tranquilo.