Super-heróis, no geral, são a alegria da infância e adolescência de muita gente. Raramente um leitor de quadrinhos não começou lendo Homem-Aranha, Batman e outros personagens icônicos. E a leitura contínua desses personagens em boa parte provenientes das editoras Marvel e DC Comics segue até a vida adulta, mesmo com tantas repetições no decorrer das histórias.
É claro que, muitas vezes, um leitor segue acompanhando os personagens que mais gosta por puro preciosismo. Aquele herói do coração sempre terá um espaço na prateleira, na ida à banca ou no acervo digital. Não importa quantos casamentos sejam apagados com pactos demoníacos ou quantas vezes o super-alienígena teve a mente dominada pelos vilões, seguimos acompanhando os altos e baixos na esperança de que surja algo diferente.
E muitas vezes essa espera é recompensada. Em um dos reboots anuais, uma equipe criativa (verdadeiramente criativa) pode soprar ar fresco para uma criação ultrapassada. O herói amargurado há 30 anos, de repente, retoma suas origens da Era de Prata e passa por um momento mais divertido. Ou um roteirista careca irlandês resolve trazer de volta conceitos descartados que renderiam boas histórias para o vigilante da cidade gótica. Essas mudanças são, sim, inovadoras após tanto tempo de mesmice, mas também são rapidamente ignoradas pelas editoras ou demoram para receber o destaque que merecem.
É fato que os leitores de quadrinhos de super-heróis muitas vezes buscam mais do mesmo e deixam de prestigiar algumas mudanças. A ideia de acompanhar um arco com o Vilão X atacando a cidade por meia dúzia de revistas faz parte da rotina do consumidor. No fim das contas a história pode ter um final ruim, mas valeu o passatempo. E algumas vezes esse hábito torna-se prejudicial.
No momento em que o leitor está anestesiado, acompanhando por rotina até os maus momentos de todos os personagens que gosta, seu senso crítico também torna-se mais do mesmo. “Ah, não vamos mudar isso. Tá funcionando assim.” E nesse ritmo tudo permanece… O mesmo. E a mesmice domina as HQs de super-heróis das grandes editoras por mais alguns anos.
Algumas pessoas notam que, no geral, quadrinhos de super-heróis são cíclicos, apesar de pérolas momentâneas que surgem de tempos em tempos. Nos últimos anos, inclusive, muitas novidades relevantes foram feitas. Mas essa percepção abre horizontes: ainda gosto de quadrinhos, mas o que ler após o cansaço? E editoras norte-americanas como a Image Comics, Dark Horse, IDW, Dynamite e tantas outras estão cheias de boas histórias esperando para serem lidas, algumas inclusive na temática dos super-heróis, porém com mais liberdade criativa. Todas elas contidas em uma parcela mínima das vendas de quadrinhos nos EUA.
E não só das grandes editoras vivem os quadrinhos, obviamente. O segmento underground e independente proporciona experiências fantásticas para leitores E autores. Ao expandir um pouco mais os horizontes, o mercado europeu (quadrinhos franco-belgas, italianos e outros) está cheio de obras-primas, enquanto no Brasil este permanece sendo um filão pouco prestigiado pelos consumidores. Mas não somente no Brasil: por aqui existem séries europeias que não foram lançadas nem nos Estados Unidos. É o caso, por exemplo, da excelente Lanfeust de Troy. Ou da série Elric, levada aos EUA somente por uma editora britânica. E também dá para mencionar os maravilhosos quadrinhos nacionais que necessitam de todo o apoio possível para alcançarem o estrelato.
É impossível afirmar que a insistência em revistas de baixa qualidade, afundadas no mais do mesmo dos heróis, impede que o leitor possa ‘sair da caixinha‘ para consumir novidades. Mas este é, sem dúvidas, um fator predisponente. Nunca haverá oportunidade (e dinheiro) para tentar explorar outros tipos de HQs enquanto todo o tempo e esforço for investido naquela rotina de 30 anos de vida ou mais.
E a questão não é cortar para sempre a leitura de materiais repetitivos que mais causam frustrações do que alegria. Se aquilo lhe proporciona diversão, não há nada de errado. Mas é possível manter um hábito mais variado, para quem ama quadrinhos, consumindo coisas diferentes. Ninguém vai te julgar se você deixar de ler uma revista do Flash. Também não existe problema nisso.
No Brasil, as portas para novas descobertas estão sempre abertas, inclusive pelas grandes editoras que publicam quadrinhos de super-heróis. Partes dessas editoras também fazem um esforço para trazer uma variedade de títulos ao mercado, nem sempre recebendo a atenção que merecem. E, pela falta de apoio de leitores mergulhados no mais do mesmo, diversos bons investimentos não dão certo.
A questão, claro, não é tão simples. Marketing por parte das editoras também ajudaria na expansão dos quadrinhos em terras tupiniquins, mas antes de tudo a cabeça dos leitores deve mudar um pouco: será que continuar com essa revista ou série de encadernados está valendo a pena? Minha insistência tornará impossível que eu esteja aberto a novidades? Ou não? E apesar do empecilho do preço (quadrinhos que fogem das duas “maiores editoras” dos EUA geralmente possuem menor tiragem, por venderem menos, e o preço é elevado), é sempre possível fazer um esforço. Com toda certeza, este esforço será recompensador.
Os super-heróis estão aí para receber o prestígio que merecem, especialmente quando estão nas mãos de bons roteiristas, desenhistas e editores. Fora disso, realmente fica difícil se empolgar com tantas grandes-mudanças-que-não-impactam-mais-ninguém. A não ser, é claro, que você já esteja anestesiado de tudo isso ou ainda se empolgue. Nestes casos, só permanece a sugestão de que existem HQs tão recompensadoras quanto por aí. É só procurar ou seguir boas dicas. Pessoas focadas em divulgá-las é o que não falta.
E saiba também que, dentro da Marvel e DC, o pensamento tem mudado. Iniciativas como o Batman de Enrico Marini (formato de criação totalmente europeu) são verdadeiros testes de mercado, algo similar à revolução das graphic novels proporcionada há algumas décadas, e o resultado pode ditar o futuro dos super-heróis nos EUA e no mundo. Somente o tempo dirá.