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Como entrar no mundo dos animes | Parte 2: Gênero, número e grau

Se você não leu a parte um, largue de ser louco de querer começar as coisas do meio, e leia-a aqui.

Japonês é um povo estranho. E embora o título de hoje possa fazer parecer que iremos discutir a linguística oriental (que, convenhamos, também é estranha. Sabiam que não existe “espaço” em frases em japonês? Elesescrevemtipoassim, só que com runas lunares), vamos falar mesmo de outro assunto que envolve as três flexões de verbo.

  • GÊNERO
Não, não ESSA discussão de gênero...
Não, não ESSA discussão de gênero…

Da mesma forma que as suas tão queridas séries do Netflix são divididas em categorias, separando-as em coisas como “Romance”, “Terror”, “Psicológico”, “Só quero ver explosões” e “Amostra as teta” (e acho que “Game of Thrones” estaria em todas essas), animes também tem subdivisões, para deixar mais fácil a filtragem de o que você gostaria de assistir, ou o que será um lixo total.

O principal problema das pessoas que tem “preconceito” com anime é a ideia errônea de que todos eles são sobre ou A) Colegiais Seminuas ou B) Ninjas. Embora seja verdade que essas duas categorias cubram uns 90% de tudo que é lançado, ainda tem muita coisa que não cai no estereótipo das lendas urbanas do limbo.

Um dia eu planejo fazer uma série de posts contando detalhadamente sobre o que se trata cada gênero de anime, e o que eles têm a oferecer. Mas esse dia não é hoje, e por isso eu vou apenas explicar resumidamente o que se deve esperar de animações japonesas no geral, e como elas diferem de séries e sitcons americanas ou seja lá onde o Netflix esteja situado.

I) OS TRÊS PRINCÍPIOS DA COMÉDIA:

O primeiro princípio da comédia é a repetição… e o segundo princípio da comédia é a repetição. O humor japonês (não só o dos animes) segue uma vertente bem diferente do que o ocidental. Meu antigo professor de teatro, quando realmente aparecia para dar aulas, costumava dizer que “A verdadeira comédia é a desgraça alheia“, e isso resume bem a perspectiva que nós temos.

Animes diretamente focados na comédia existem, e são uns dos meus prediletos. Como foi dito no início, a repetição realmente é um ponto importante, mas ela sozinha não sustenta séries por mais de 100 episódios, como acontece com Gintama. Paródias também são muito mais comuns do que se espera (até por ser mais fácil de fazê-las, já que o risco de levar um processo por direitos autorais e/ou difamação é bem menor).

Porém, a verdadeira estrela das cenas de humor em qualquer mídia japonesa são o Boke e o Tsukkomi (E não, não estou falando grego. É japonês, lembra?). Também chamado de “Manzai”, esse tipo de comédia se centra em conversas onde o cara bobo (Boke) fala alguma coisa muito idiota, e o cara sério (Tsukkomi) reage, normalmente de forma exagerada. Isso pode gerar alguns problemas de “choque cultural”, pois a piada em si é a reação do Tsukkomi, e não o que supostamente viria depois. No começo você acaba esperando algo no nível de “O Gordo e o Magro”, onde após a conversação de uma ideia, o Magro acaba sendo convencido e quem se ferra é ele. Olha só, voltamos a desgraça alheia… Pois é, essa última parte se perde quando tratamos de Manzai. É só uma questão de se acostumar (e eu já escrevi um post inteiro sobre isso, lembra?). Isso acaba se tornando especialmente engraçado quando o dublador do Tsukkomi é ótimo em gritar.

Ah, o terceiro princípio da comédia? Bem…

II) UMA FATIA DE VIDA:

Perdão pelo título, não resisti.

Slice of Life” é o maior terror daqueles que não estão totalmente (ou suficientemente) acostumados com a cultura japonesa. É um gênero onde – na maior parte dos casos – não há super-poderes, não há organizações malignas tentando dominar o mundo e nem há ninjas (nem sempre). A trama se desenvolve, como o título sugere, apenas seguindo a vida de um grupo de pessoas. Os temas são tão diversos como o dia-a-dia nos permite, e os dramas são coisas rotineiras, com o objetivo de você conseguir, de certa forma, se espelhar naquela personagem, enquanto ela supera suas dificuldades (ou morre. As vezes elas morrem).

Embora existam alguns seriados onde não há nada de “extraordinário”, e você também acompanha a rotina dos personagens, o que as diferem dos animes (além da cultura fazer com que o dia-a-dia deles seja diferente) é a premissa de muitos dos problemas que se tornam a trama principal. Explico: Como japonês é um povo estranho, você vai ver que uma frase mal entendida numa conversa aleatória no meio do primeiro episódio, vai ser a causa de uma caçada vingativa por trinta e oito episódios, sendo que tudo poderia ser resolvido em questão de minutos, sentando e conversando. Não sou a melhor pessoa pra fazer uma comparação, pois nunca parei pra ver uma série Slice of Life completa, mas pela minha experiência assistindo “Meninas Malvadas” (que se você parar pra pensar, tem uma ambientação bem anime-like, cheia de garotas colegiais), as tramas diárias americanas costumam ser bem mais agressivas.

III) COM GRANDES PODERES, VEM GRANDES…

Mas, se você quer assistir o dia-a-dia de pessoas com a vida muito melhor que a sua, existe Novela pra isso, não é? O negócio é ver gente dando porrada umas nas outras, soltando energia pelas mãos e tal.

Super-poderes em animes costumam ser bem aceitos por vocês, visitantes das áreas menos obscuras da Torre. Isso se dá pois o que mais existe em quadrinhos, comics e HQs (que até hoje eu não sei se existe uma diferença entre os três) são pessoas com habilidades especiais e pouco questionamento sobre elas. Por isso, não me prolongarei muito nessa parte, e só farei o favor de citar Super Sentai pra vocês.

Super Sentai é um negócio muito grande lá no Japão. No ar desde 1975, essa série (com pessoas de verdade, não é uma animação) é o que deu origem à sua cópia ruim: os Power Rangers. Embora fosse mais válido eu citar que animes Shounen de lutinha normalmente são episódicos, com diversos vilões de pouca relevância pro enredo como um todo, apenas para que existam explosões… Acho que falar de Power Rangers é mais fácil e ajuda vocês a associar melhor o que estou dizendo. Além do mais, Super Sentai é uma referência do gênero como um todo, e diversos animes seguem tendências estabelecidas por ele.

Fora que depois eu faço um post sobre isso.

  • NÚMERO:
"Nossos segredos guardados, enfim revelados... nus sobre o sooooooooool!"
“Nossos segredos guardados, enfim revelados… nus sobre o sooooooooool!”

Falando em números… Logo o que vem a cabeça são os grandes. Mas pode desencanar que quando o assunto é desenho, a maior parte deles é pequeno (menos os preços das coisas, mas eu comento sobre isso lá em baixo). E no contexto gramatical que envolve esse post todo, podemos dizer também que é normalmente no Plural.

E já que estamos falando em Números, vou fazer a contagem usando apenas primos. É bom que vocês se acostumam ao enorme apelo familiar que temos nas obras japonesas (e consequentemente, suas complexas árvores genealógicas):

II) VINTE MINUTOS:

Tá, um monte de seriado também tem em média, vinte minutos de duração, e daí? Ah, é bom comentar que todos os animes tem, em média, vinte minutos de duração, né? Afinal, algumas séries tem o dobro do tamanho (e eu dropei Falling Skies por não aguentar assistir um negócio tão longo, mesmo tendo gostado do que vi).

E, embora o subtítulo sugira vinte, também existem os animes chamados “curtas”. Talvez você os curta. Categorias variam, de coisas de três minutos, a coisas de quinze minutos. Um ponto interessante a se notar é que todos, independente de sua duração, precisam ter um tema de abertura e/ou encerramento (que são importantes. Tipo, muito importantes. Posso comentar outro dia sobre). Isso leva a situações onde um curta tem três minutos, mas metade dele é o encerramento, dando um tempo útil de menos de 90 segundos.

Tão curto quanto, será essa parte do post.

III) DOZE EPISÓDIOS:

Até hoje, eu não entendo a lógica (se é que existe uma lógica) do número de episódios que uma série tem por temporada. Cada hora é um número, e cada série tem o seu. Como o Japão é um pouco mais metódico que o ocidente, por lá a coisa é diferente, e temos – quase – tudo nivelado (embora tenhamos programas que começam em horários como 15h37). Dentro de cada temporada (que explicarei no próximo número primo), tudo precisa ter a mesma duração. A programação da TV nipônica é bem mais rígida, e não dá pra simplesmente mudar algo para o horário nobre, só porque começou a fazer sucesso.

Daí o padrão adotado foi o que eu já tinha explicado num post anterior: O número de episódios de um show precisa, necessariamente, ser um múltiplo de 12 + 1. As vezes algumas abominações aparecem, como coisas de 10, 15 ou 18 episódios, mas elas são sempre compensadas na temporada seguinte.

E já que estamos falando de aberrações e episódios, um comentário rápido sobre OVA’s. Sigla pra “Original Video Animation“, são episódios que não fazem parte de uma temporada propriamente dita. Eles normalmente tem a mesma duração de um episódio normal (embora possam ser menores ou maiores), e retratam coisas pouco relevantes para o enredo principal (implicando que os episódios normais são relevantes). Seria o equivalente a “Episódios Especiais” de séries, que contam alguma coisa que aconteceu fora dos acontecimentos da série principal, ou tem algum comentário dos diretores, ou coisas assim. Não vejo série o bastante pra saber se algo mais existe.

V) QUATRO TEMPORADAS:

Não, a palavra “Temporada” acima não tem a mesma semântica que na frase “The Big Bang Theory tem uma porrada de temporadas”. Embora a palavra seja empregada nesse sentido, também para animes (i.e. “Naruto tem uma porrada de temporadas”), o termo, no contexto, implica outra coisa.

O período de aproximadamente treze semanas, onde diversos shows são lançados e estão com número de episódios semelhantes, é chamado de “Temporada”. Como uma pessoa com habilidades medianas em matemática consegue supor, quatro temporadas totalizam 52 semanas, também conhecido como um ano. Outra coisa que temos quatro durante o ano são as estações; daí, as temporadas são batizadas com a estação onde elas ocorrem.

Em Janeiro, temos a Temporada de Inverno; Em Abril, a Temporada de Primavera; em Julho, a Temporada de Verão; e em Outubro, a Temporada de Outono. Vale lembrar que as estações do ano no hemisfério norte são invertidas, por isso a associação mês-estação não faz muito sentido pra nós.

Se há alguma diferença entre as temporadas? Teoricamente, todas são iguais, não havendo nenhuma vantagem ou desvantagem entre escolher uma ou outra pra lançar o seu desenho. Na prática, alguns feriados afetam a competição por vagas em determinados períodos do ano. Por exemplo, coisas lançadas em Outubro terão seus Blurays vendidos próximo ao Natal (e daí a fama de Outubro sempre trazer os melhores shows).

Conhecer o conceito de “Temporada” é importante pois o ano inteiro haverá coisas sendo lançadas, mas se você quiser acompanhar algo desde o início, precisa saber quando elas começam. Também é importante pra saber quando algo em específico vai começar, ou pra se preparar mentalmente pra nova leva de fanboys alucinados que virá poluir suas redes sociais.

  • GRAU:
Nem é bem disso que estamos falando, mas pelo menos tu não apareceu com um termômetro.
Nem é bem disso que estamos falando, mas pelo menos tu não apareceu com um termômetro.

Só percebi que não faço ideia de o que “Grau” significa, gramaticamente, depois que escrevi o resto do post inteiro… Bem, seja lá o que for, vou usar esse espaço pra explicar conceitos que soam diferentes pra quem não conhece o submundo das animações japonesas.

I) Grande parte dos animes são ADAPTAÇÕES:

Esse é um ponto que costuma ser estranho para pessoas que são acostumadas com séries. Embora hoje em dia estejamos tendo bastante conteúdo com origem em outras fontes (vide esses milhões de seriados sobre heróis… Inclusive eu dropei Supergirl no episódio dois), a grande maioria dos roteiros são originalmente escritos para o show.

E enquanto isso pode não ser algo extremamente relevante, é algo que eu gostaria de comentar, pois muitas vezes, o anime pode sofrer com problemas na adaptação de seu conteúdo original para animação. Diversos tipos de problemas, sendo um deles o que eu comentarei a seguir.

II) Grande parte dos animes são objetos de PROPAGANDA:

Dezessete temporadas no ar? Horário nobre na televisão? Alta qualidade de produção? Isso tudo é importante, mas não o foco principal da maioria esmagadora dos animes.

Como comentado acima, a maioria das animações são baseadas em outras coisas. Seja um Mangá (espécie de ‘comic japonês’), uma Light Novel (Uma série de livros curtos, de 100 a 200 páginas, que normalmente possuem linguagem mais leve e com Kanjis menos complexos, daí o nome, ‘light’), uma Visual Novel (Jogo onde você encarna um protagonista e lê a história dele. Opções aparecem em momentos-chave, e fazem você tomar rumos diferentes no desenvolvimento) ou um joguinho de celular, o maior foco dessas adaptações não é o produto novo, mas sim o antigo.

Animes são feitos, acima de tudo, para promover; fazer propaganda; divulgar; jogar panfleto pro alto sobre… A sua obra original. É muito comum que shows acabem em momentos de tensão (malditos cliffhangers!) ou ao fim de um arco que claramente não é o que o encerra. Isso serve para atiçar as pessoas a irem buscar a continuação no seu local de origem.

Às vezes o Cliffhanger é literal...
Às vezes o Cliffhanger é literal…

III) Quem determina a continuação de algo são SUAS VENDAS:

Esqueça essa conversa de ibope, audiência, número de visualizações… Quem manda no negócio dos animes são as vendas posteriores.

Sabe aqueles box com Bluray (ou DVD, se você for macaco velho/pobre, igual eu sou) que contém todos os episódios de uma série, tem uma capinha bonita, e vende por uma fortuna nas Lojas Americanas? O que dá lucro para quem produz os animes é justamente isso.

Um show comum, com 1-cour de duração (12~13 episódios), normalmente venderá quatro ou cinco “volumes” de Blurays. Um volume trará entre um e três episódios da série e normalmente algum bônus como um pequeno especial de cinco a dez minutos, e custa em média uns ¥7,000 (o que dá uns R$230).

Pode parecer caro pra caramba… É porque é caro pra caramba, propositalmente. Não vou me detalhar em como funciona a venda de Blurays no Japão, mas esse artigo da Anime News Network (que está em inglês, infelizmente) se dedica a explicar isso.

Voltando ao assunto, o que importa é que pessoas que compram esses volumes existem, e o que determina o futuro de uma série, é a quantidade de malucos que pagaram o preço de um pulmão por ela.

 

 

 

Inclusive, pegar a audiência desprevenida é o terceiro princípio da comédia.

Por Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.