O cheiro de pipoca no ar. As máquinas de refrigerante não param em nenhum momento. Estamos dentro de um cinema. Damos o ingresso para o funcionário, ele analisa e permite nossa entrada. Na sala “da telona” subimos as escadas e passamos por corredores melados, provavelmente pela manteiga da pipoca ou das incontáveis gotas de refrigerantes que, acidentalmente, acabaram caindo no chão. Sentamos naquelas poltronas (às vezes confortáveis) e esticamos as costas. Há uma curta conversa prévia ao início da sessão, falando sobre regras de “boa conduta” dentro do cinema, fofocas, ou até algo relacionado à obra que está prestes a começar. De repente, as luzes se apagam lentamente, um feixe de luz atravessa a cabine de projeção. Os trailers, comerciais e afins começam a aparecer na tela e, finalmente, estamos prontos para ASSISTIRMOS AO FILME?
Qualquer apaixonado pelo cinema, talvez, se relacione com esse breve resumo. Em poucas palavras, eu consigo descrever toda a parte “externa” e física da atividade de ir no cinema. Quem nunca gostou de ir nesse lugar? Para alguns… um santuário. Para outros… um simples local para se passar duas horas, beijar, conversar e curtir com os amigos. E, em relação a esse segundo caso, claramente as redes cinematográficas do nosso país, especificamente, irão usar todos seus recursos possíveis para extrair cada centavo dessas pessoas. Salas XD, IMAX, 3D, D-BOX, 4D, MACRO XE etc… tudo o que for possível e que faça as pessoas se “interagirem” com os filmes e GASTAREM, com certeza estará lá. Infelizmente, com esses objetos externos, o simples material, a parte física da coisa: cadeiras que se mexem, coisas saltando perto de seus olhos, cadeiras que reclinam etc… cria-se uma redoma perigosa, e privam as pessoas de prestigiarem o verdadeiro motivo de estarem nesse lugar, nessa sala, nesse cinema: a arte.
Netflix, Hulu, Amazon e tantos outros serviços de streaming são baratos (em grande parte), rápidos, acessíveis e úteis. A quantidade de filmes e séries que estes serviços produzem, além dos milhares de títulos que são disponibilizados por estes, os tornaram rentáveis dentro do mercado consumidor. Várias pessoas assinam algum tipo de streaming, é bacana ver o interesse de assistir filmes de uma forma mais ágil, porém, ao mesmo tempo, o que torna a assistida uma experiência cinematográfica? Bem, a resposta depende de pessoa por pessoa, tentarei argumentar a minha.
O processo, descrito no primeiro parágrafo, tirando uma frase ou outra, pode, facilmente, ser feito em nossas casas. A pipoca, a cadeira, o sofá, o refrigerante, a tela, o escuro e a conversa prévia. Não teremos o vendedor, os cheiros, a meleca, o som imponente, as regras de convivência, a tela gigante, os trailers e os chatíssimos comerciais. Em suas vantagens e desvantagens, esse processo dentro de casa não se demonstra ruim, pelo contrário, o conforto de sua casa é incomparável e indiscutível. Além disso, você não precisa GASTAR DINHEIRO e consegue assistir inúmeros filmes de uma vez só. E, quando acabar, você não precisará fazer algum comentário, pensar sobre o que acabou de assistir durante a saída pelos corredores do cinema, simplesmente irá fazer um xixi, lavar a louça, dormir etc.
Bom, nos dois casos, assistimos a algum tipo de filme e fomos fazer outra coisa, que pode estar relacionada à atividade ou não. Porém, qual foi o significado de tudo aquilo que aconteceu há alguns minutos atrás? Aonde está a famosa experiência cinematográfica? A resposta é simples: ELA ESTÁ COM VOCÊ.
Parece que estou fazendo uma confusão, mas não. Quando estamos em casa, não gastamos dinheiro, ficamos completamente confortáveis e depois vamos procurar outra coisa para fazer. Quando ficamos sentados numa poltrona que se mexe, 3D incrível, grande parte das pessoas ficaram apenas prestando atenção nisso. Esquecendo do lado mais importante de todo esse processo: o interior.
Filmes, na MINHA perspectiva, são uma das coisas de extrema importância que o mundo artístico pôde nos proporcionar. Filmes são maiores do que os vinte reais que você pagou para assisti-los, melhores do que o simples 3D ou a cadeira vibrante (UAU!). Eles nos deixam um legado, uma mensagem, algo que ficará (pode ser que só por alguns instantes) em nossas cabeças e que durará muito mais do que as coisas supérfluas que fizemos durante aquele processo. Isso que deve ser levado em conta. As lacunas que as obras cinematográficas deixam para serem preenchidas individualmente por nossas visões de mundo, por nossas perspectivas e experiências de vida. A parte interior e psicológica fazem longas se tornarem grandiosos diante de nossos olhos. Claro que há milhares de outros quesitos, teóricos e técnicos, que fazem um filme poder ser bom, ruim, razoável, memorável e grandioso. Mas o meu foco com esse texto é falar sobre o que nós, como espectadores, podemos extrair de um filme. E para conseguirmos sentir a emoção, captar minúcias dentro da história, interpretá-los da melhor maneira possível, só o CINEMA, apenas esse lugar, pode nos auxiliar da forma mais prazerosa e rica possível.
Assistir a um filme na internet, na TV da sala ou em qualquer outro lugar é inteiramente aceitável. Eu faço isso! Eu, como muito de vocês, consigo reconhecer virtudes dos filmes que assisto dentro de casa. Só que o cinema, aquele maldito e incrível lugar, é incomparável. Ignore, por um simples momento, a cadeira vibrante e os aparatos tecnológicos. Olhe para aquela tela de preencher os olhos. Entenda o ambiente em sua volta, as caixas de som pulsando junto a telona. Sério mesmo que você acha que um filme só serve para se divertir, curtir com os amigos, conversar e beijar? TUDO ISSO EM SUA VOLTA TEM UMA RAZÃO! Por que fazem salas e salas, por que esses filmes são reconhecidos nacionalmente e internacionalmente, se só servem para isso?
Porque não são só para isso. Faça esse exercício, olhe para a tela e tente pensar, que seja por dois segundos, o que esse diretor está tentando me mostrar? O que essa história, mesmo que falhe miseravelmente, quer me contar? Ao final, se fazendo essas perguntas, refletindo e até mesmo discutindo sobre esse assunto, não indo fazer outra coisa em sua casa, você saberá o que é a verdadeira experiência cinematográfica.
O valor de assistir, entender, refletir e discutir o cinema é intangível. Está na cabeça de cada um. Não me chame de velho, não fale que eu quero assistir filmes com os irmãos Lumière em uma sala com pianinho, ou que sou 100% tradicional e arcaico. O que eu quero de você, querido leitor, é que entenda o significado de tudo isso para mim e para outras pessoas apaixonadas como eu. Eu assisto 3D, já fui em inúmeras salas VIP, reclinei a cadeira e cometi várias vezes o erro de “conversar baixinho” dentro da sala. Porém, quando eu me direciono para olhar a tela, eu tento me aprofundar no INTERIOR. As coisas EXTERIORES são coisas passageiras, materiais, superficiais, e que não ficarão comigo após a sessão.
Agora, voltaremos ao cinema em breve. Sentiremos o cheiro da pipoca de novo, ouviremos as máquinas soltando líquidos gaseificados atrás de líquidos gaseificados. Veremos novamente o funcionário do cinema, daremos o ingresso. Passaremos, tudo de novo, pelos corredores melados. Nos sentaremos em nossas poltronas, intituladas “às vezes confortáveis”. Conversaremos brevemente e OLHAREMOS para a tela. O feixe de luz passando. Se exibirão trailers, comerciais e afins. E, no final… presenciaremos aquele clima. O ambiente com luzes, som e tela riquíssimos, exteriormente e interiormente falando. As pessoas em volta, comendo suas pipocas e bebendo seus refrigerantes. Reconhecendo a real importância disso tudo: o que passará na tela, o filme, a experiência cinematográfica.
Agora sim, estaremos sempre prontos para ASSISTIRMOS AO FILME. De novo, de novo e de novo outra vez.