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Crítica | It: A Coisa

Andrés Muschietti é o Stephen King nos cinemas. As ideias de ambos parecem seguir os mesmos caminhos nas telonas e nas páginas, respectivamente. No livro It: A Coisa, King deixa seus personagens em primeiro plano, desenvolve seus conflitos internos e molda o terror da história com os conceitos criados pela visão inocente das crianças sobre o mundo. Agora, com a estreia do filme It: A Coisa, Muschietti não se prende à obra e tem grandes liberdades criativas, mas mantém a essência da trama que é ser carregada por ótimos personagens e seus problemas particulares.

Derry é a cidade que abriga os integrantes do Clube dos Otários. Bill Denbrough (Jaden Lieberher), Richie Tozier (Finn Wolfhard), Eddie Kaspbrak (Jack Dylan Grazer), Ben Hanscom (Jeremy Ray Taylor), Mike Hanlon (Chosen Jacobs) e Beverly Marsh (Sophia Lillis) são uma das maiores surpresas do ano. Os atores mirins dão um show de atuação, criam perfis únicos para os seus personagens. A química do grupo impressiona e se torna orgânica na tela. Todos os conflitos e os momentos do filme são resultados das ações deles. São uma orquestra com uma sinfonia sincronizada.

Richie Tozier e de Beverly Marsh se sobressaem do resto. Tozier funciona em uma mistura de comicidade e descrença, o timing de Wolfhard parece agradar o público e acaba colocando a atenção de várias cenas para si próprio. Sua atuação agrupa os atores, enaltecendo os diálogos rápidos e ágeis entre eles. Já a atriz Sophia Lillis foi a escolha certa para interpretar a única garota do grupo, que tem o psicológico bastante explorado e ao mesmo tempo mais denso. Desde sua transformação até as consequências de suas escolhas, Beverly se prova uma personagem feminina poderosa e relevante em todo desenvolvimento.

Ainda no núcleo de atores e atrizes, temos Bill Skarsgård, que dá vida à Pennywise, o Palhaço Dançarino. A atuação incrivelmente assustadora e bizarra remete a várias misturas de personagens conhecidos por nós. Uma junção da loucura de Beetlejuice e o sarcasmo de Freddy Krueger somadas à monstruosidade de Pennywise no telefilme de 90 exemplificam a Coisa. Apesar do bom trabalho, Skarsgad foi prejudicado pelo excessivo uso do CGI, tornando a atuação um pouco limitada, que deve ser mais aproveitada no próximo capítulo.

Não só o ator, mas até sequências e cenas foram prejudicadas pelo excesso da computação gráfica. Os designs das criaturas são bem feitos, porém faltou um maior cuidado na apresentação deles. É visível as passagens que exageram na quantidade de efeitos, que poderiam ser contidas para trazer uma sensação “sóbria” do que estaria acontecendo.

Outro problema é a falta de ritmo no primeiro ato. As apresentações dos personagens e suas experiências com a Coisa são mal encaixadas e sobrepostas umas nas outras, criando um problema de fluxo inicial, mas que vai se acertando próximo ao começo do segundo ato.

A direção de Andrés Meschietti, além de segura e precisa, homenageia todos os elementos do universo da Coisa. Derry é a típica cidade repleta de lendas urbanas e profundos segredos internos. A ambientação oitentista e o clima macabro formam o palco perfeito para o espetáculo. As locações remetem aos trechos em que Stephen King a descreve, principalmente o cruzamento entre a Rua Jackson e a Witcham, além da casa na Rua Neibolt. Há cenas icônicas (Georgie encontrando a Coisa, Beverly no banheiro ensanguentado) que também foram traduzidas para as telonas, com uma pitadinha de exageros agradáveis do diretor.

Sem contar com os problemas iniciais, a palavra reinterpretação cabe exatamente nesse molde. A liberdade criativa permitiu o roteiro montar decisões próprias e trazer novas resoluções e consequências, que provocam um ar inovador e de portas abertas para novos caminhos.

Com um dos melhores elencos do ano e a direção estilizada de Andrés Meschietti, o primeiro capítulo de It: A Coisa imita o livro em não ser exatamente uma obra que provoque medo, mas sim uma história que explore a sua essência, abordando vários outros sentimentos que se iniciam na nossa infância. Agora é saber como lidarmos com eles em uma fase mais madura. Só o segundo capítulo trará essas respostas.

You’ll float too…

Por Thiago Pinto

‘’E quando acabar de ler a matéria, terá minha permissão para sair’’

-Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)