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O maior, mais lindo e furioso som tocado em Xampu é do sentimento!

“Aumenta que isso aí é rock ‘N Roll!” (Celso Blues Boy)

Já fazia muito tempo que eu queria ler Xampu do Roger Cruz. O trabalho totalmente autoral de um dos maiores quadrinistas brazucas já tinha me chamado atenção quando foi publicado pela primeira vez pela Devir, mas na época, em 2010, não consegui comprar. Anos se passaram, chegavam momentos, em que eu quase as comprava, mas sempre acontecia algo inesperado e as HQ’s ficavam para trás. Que naquele momento já acumulavam três volumes elogiadíssimos por várias pessoas. Mas finalmente a espera acabou. Já sendo publicada pela Panini, com um lindo box que lembra um vinil, a trilogia Xampu estava nas minhas mãos. E que satisfação.

Falar de uma história que foi publicada dez anos atrás, ou melhor, que começou dez anos atrás, é chover no molhado. Inúmeras resenhas sobre os três volumes estão aí na internet a um clique de distância para quem quiser. Eu prefiro falar de sentimentos. Prefiro falar de como me tocou ler algo que me pareceu tão próximo. Algo que imagino que o Roger Cruz sentiu ao fazer essa epopeia musical que mistura vidas, emoções, passado e lida com o futuro de cada um. E como cada caso parece peculiar e tão próximo.

Vamos ambientar. Era década de 90. O Brasil estava recém-saído de uma ditadura terrível. Começávamos a dar os primeiros passos para uma liberdade de expressão que os jovens não estavam preparados ainda. Não tínhamos mais as cabeças de poesias de protestos contra militares e regimes ditatoriais. Estávamos indo na emoção de onde o vento apontava. O ruim? Viramos muitas vezes massa de manobra. O jovem começou a ser visto como o futuro do país que era regido por velhos dinossauros de Brasília que estavam lá desde antes do Golpe Militar. Os Caras Pintadas foram para as ruas e “derrubaram” um presidente jovem cheio de erros. De uma democracia jovem e ainda cambaleava. Era meio que anunciado que as eleições de 1989 seriam uma bomba pelo caminho que estava seguindo. Mas era uma época em que mexer com política, não era o forte do pessoal. Nem muito o objetivo. Estávamos em uma época que o som era sujo. Amplificadores ao máximo e distorção potente. Era o nosso momento de gritar. Algo do tipo: “vocês lutaram bem, mas quem vai surfar essa onda seremos nós!” 

Xampu retrata muito disso. Do estarmos vivendo o agora. O agora é que importa. Deixa-me curtir minha vibe. E o depois? Que se foda o depois! Roger Cruz, em um relato pessoal e visceral, faz o leitor entrar no apartamento de Max, Sombra e do resto da banda The Suckers e se sentir parte da história viva. Nas festas. Nos momentos alegres. Nos momentos de papo furado. Nas transas. E nos momentos conturbados e sombrios. Tudo esteve ali. Tudo aconteceu ali. E dá para sentir. As pequenas tramas, que são fechadas, vão se desenrolando e se misturando cronologicamente, mostrando sentimentos incríveis de cada personagem. E cada personagem sempre lembra de alguém que você realmente conheceu na vida real. Assim como o seu auge e como o seu final. Impossível você não ter conhecido alguém que era o fodão da turma. A mina mais linda da turma. O cara mais legal e sensível da turma. O mais desligado. A pessoa que se perdeu na vida. Aquele ou aquela que teve um triste fim.

Particularmente, Xampu, mexeu muito comigo. Eu tive diversas bandas durante a década de 90, e como toda banda daquela época, o sonho de gravar um CD, ficar famoso, aparecer no Programa Livre do Serginho Groisman, ter um clipe na MTV e viver em turnê pelo mundo era forte. Quantos e quantos shows undergrounds em lugares fedorentos foram feitos! Diversas roubadas se metemos! Quantas bebedeiras. Algumas drogas. Algumas paixões. Correspondidas. Outras paixões não. Quantas decepções. E quantas risadas! Ah foram muitas risadas!

Esse de blusa verde sou eu!

O mais legal de uma mídia como os quadrinhos é despertar isso em você. Velhos sentimentos. Antigos cheiros. Se fazer questionar. “Se eu tivesse agido assim… como seria?”, sim esse é o verdadeiro intuito de um quadrinho potente como Xampu. Acredito por ser autobiográfico, ele tenha essa facilidade. Mas ao mesmo tempo ele é acolhedor. Como um velho amigo que te abraça e vocês começam a relembrar antigas histórias da galera e procura saber como está o pessoal atualmente.

Mas engana-se quem pensa que Xampu é somente para quem viveu, ou esteve próximo daquela época. Não. Como eu disse antes, é fácil você reconhecer alguém da sua turma que seja como os personagens da HQ. E até mesmo se reconhecer nela. Eu mesmo lendo o quadrinho, comecei a me enxergar em um mix de personagens. Mas Xampu é sobre isso. É sobre uma época que foi única, que serve de reflexo para amigos que você conheceu ou ainda conhece. Um registro bem incrível da década de 90, que eu gostaria de ver mais em quadrinhos nacionais.

 

Por Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

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