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O Som pesado e macabro de Delirium Tremens de Edgar Allan Poe

“Delirium tremens (DT) é um estado confusional breve, acompanhado de perturbações somáticas, que usualmente acomete usuários de álcool gravemente dependentes em abstinência absoluta ou relativa.”

Um dos grandes palcos do quadrinho nacional é o terror. Nesse estilo, arrisco dizer, que a nossa nona arte é uma das melhores do mundo, com artistas que escrevem e traçam belíssimas histórias que realmente metem medo, criam um sentimento de repulsa, que (às vezes) fazem o leitor concordar com o mal exposto na trama. Além, obvio, das produções muito bem editadas. Como um grande show de sua banda favorita, nossas obras encantam e fascinam. E Delirium Tremens de Edgar Allan Poe da Editora Draco é uma dessas.

Delirium Tremens de Edgar Allan Poe conta com oito histórias que fariam o lendário autor se orgulhar da nossa galera. São contos realmente assustadores, alguns mais, alguns menos, mas dentro de uma proporção que exploram o asco e a repulsa. E outros que fazem você concordar com o mal. A coletânea foi organizada pelo editor Raphael Fernandes, que juntou os roteiristas Dana Guedes, Murilo Zibetti, Antonio Tadeu, Larissa Palmieri, Airton Marinho, Gabriel Correia e Alexey Dodsworth. Os desenhos são por Erick Pasqua, Eder Santos, Ioannis Fiore, Má Matiazi, LuCas Chewie, Ebá Lima, Flávio L. Maravilha e Tiago Palma.

Logo de cara, Delirium Tremens mostra que não veio à passeio. A tenebrosa Smiley Away de Dana Guedes e Erick Pasqua surge como um hit pesado e amedrontador, no melhor estilo de música que uma banda abriria um show levantando o público. A vontade de ler mais sobre o esquizofrênico Eduardo em novas investidas ficou com o final da história. Outra trama que impressiona é Murder. Com roteiro de Alexey Dodsworth e ilustração de Flávio L. Maravilha, a trama segue uma policial que investiga uma série de assassinatos de membros de uma rede de pedofilia. Com uma batida que lembra muito Garth Ennis, a história vai envolvendo não somente no grande mistério mas também no desenvolvimento da personagem principal. É incrível como a história cresce e remonta passado com presente e ainda sobra espaço para críticas sociais. Alexey fez um trabalho impecável nessa história, por colocar tantos elementos e camadas em poucas páginas, como é de praxe em coletâneas.

Se Delirium Tremens de Edgar Allan Poe fosse um show de banda de rock, um dos hits que seriam cantados unissono com a galera seria In Articulo Mortis. O roteiro da Larissa Palmieri é macabro e parece que foi tirado das entranhas de Edgar Allan Poe. A trama, que tem desenho da Má Matiazi, conta a história de Natália, que se apaixona por um hipnotizador. Depois de um grave acidente, a jovem fica sobre o efeito hipnótico do rapaz. Impossibilitada de ter qualquer ação própria. Como um cárcere privado. O que acaba espelhando como um relacionamento abusivo, que infelizmente é a realidade de milhares de pessoas. Larissa Palmieri foi muito bem cirúrgica em reunir um ritmo no melhor estilo de Edgar Allan Poe e dar a sua pitada particular social na trama.

Na linha de macabro misturado com repulsa, temos a interessante O insólito caso de vossa excelência deputado Mendes, com roteiro de Gabriel Correia e desenhos de Ebá Lima. Na trama apresenta um mundo muito conhecido da política podre brasileira, com o deputado Mendes como protagonista. A história se mistura em flashbacks de uma grande orgia em Brasília às vésperas de uma grande votação para o Brasil. E assim temos um grande grupo de políticos misturados. Os desenhos fortes de Ebá Lima fazem o leitor olhar cada detalhe da página, mas o asco que ela espuma provoca desvio de olhares ao mesmo tempo. É uma experiência visual interessante, teve momentos em que era difícil encarar um quadrinho dessa história.

E para o encerramento desse show, nada melhor do que algo icônico. Butim que foi escrito por Raphael Fernandes e ilustrado por Tiago Palma é uma cereja (a mais) nesse bolo de Delirium Tremens de Edgar Allan Poe. A trama coloca o leitor no olhar de um velho que é odiado pela família, mas que tem uma grana guardada. Quando ele é morto, o protagonista quer descobrir quem o matou. A partir daí uma agonia salta das páginas pelos excelentes desenhos do Tiago Palma. A captação do feeling agônico do texto escrito por Raphael Fernandes pelo desenhista é uma das grandes sacadas e remete ao leitor sentir o que é ver a autopsia do próprio corpo. Com um protagonista totalmente estático, vemos o mundo e as pessoas se movimentarem ao seu redor com expressões, trejeitos e diálogos. Possivelmente uma das mais criativas histórias que li no segmento de terror nos últimos tempos.

No apanhado geral, Delirium Tremens de Edgar Allan Poe é uma coletânea que nenhum fã do gênero e do aclamado autor pode colocar defeito. Mas assim como em qualquer show de rock, de qualquer banda, tem umas notas desafinadas. Algumas histórias não estão à altura das outras, mesmo assim são deveras interessantes  e no final formalizam uma publicação de grande qualidade no quadrinho nacional. O que é uma das características da Editora Draco.

Delirium Tremens de Edgar Allan Poe tem formato 17 cm X 24 cm, 184 páginas e capa dura.

 

Por Ricardo Ramos

Gibizeiro, escritor, jogador de games, cervejeiro, rockêro e pai da Melissa.

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