35 anos, uma filha, um divórcio. Placas Tectônicas é uma história que poderia facilmente ser transportada para as páginas de uma graphic novel através de um drama familiar. Entretanto, a artista Margaux Motin opta por mostrar sua rotina de erros, acertos e superações de forma muito real e divertida, mergulhando de cabeça em seus pensamentos mais íntimos, inesperados e (muitas vezes) totalmente pirados.
Tiras, aquarelas e composições diferentes e criativas dão vida à esta história, um misto de boas conversas e situações inusitadas recheadas de um humor especialmente feminino. Margaux Motin parte do seguinte princípio: após o término de um relacionamento de dez anos, é como se ela tivesse rejuvenescido dez anos. Seus 35 anos tornam-se 25 em suas atitudes, ideias e na forma como ela passa a encarar sua vida, sua rotina e seus afazeres profissionais.
A descoberta feita pela autora, demonstrando que o fim de “uma vida” pode se tornar o início de outra, torna-se rapidamente o fio condutor que guia sua narrativa, construída através de tiras de uma página e histórias curtas, sempre centradas em determinados aspectos de sua fase de adaptação. Motin é sincera, e sua sinceridade transforma Placas Tectônicas num mergulho na mente das mulheres, demonstrando seus gostos pessoais, realizações, desejos e muito mais.
A forma como se relaciona com amigas e familiares, incluindo suas divertidas conversas com a filha, revelam claramente a nova Margaux, se sentindo mais jovem e liberta às novas experimentações, permitindo-se descobrir coisas que até então não havia tido oportunidade de conhecer. E isso chega a incluir uma nova paixão, que também se torna rapidamente um grande destaque para a trama, expondo mais uma vez, honestamente, o que se passa em sua cabeça: paranoias, alegrias e uma miríade de sentimentos.
A narrativa, citada acima, é composta por tiras de página única e histórias curtas. Sua arte, entretanto, é uma bela mistura de linha clara com colagens e cores muito vivas, diversas vezes repletas de efeitos para transmitir determinados sentimentos. Não há divisão de quadros, e isso dá fluidez às suas ideias e sequências de ação (as mais variadas que você pode imaginar).
E sendo uma história autobiográfica, há sempre o receio de que o cotidiano do autor não seja tão interessante. Muitas vezes uma autobiografia é apenas uma fatia ou acontecimento específico da vida de alguém, transposta para determinada mídia, podendo ou não ser cativante. Porém, o cotidiano muitas vezes infantil da autora destaca-se como uma autobiografia que cativa, e ao mesmo tempo diverte e emociona, sem ser clichê. Este talvez seja seu maior mérito como narradora e também como pessoa.
A edição nacional publicada pela Editora Nemo segue o capricho editorial típico do catálogo da editora, recheado de obras-primas. As 256 páginas fluem rapidamente, e há mais de uma forma de degustar esta história, podendo ser uma leitura única e direta do começo ao fim, e também algo a ser consultado esporadicamente para saborear aos poucos algumas historietas que compõem a obra. Acredito que ambas as formas são plenamente possíveis.
E Placas Tectônicas, além de mergulhar na mente de muitas mulheres (com especial destaque para as que já passaram dos trinta anos), também serve como uma boa lição de vida, visto que há algo mais a ser passado. Tudo pode parecer simples, mas existem ideias para se absorver em cada história, e intencionalmente ou não, transmitir tantas mensagens positivas é uma grande capacidade da autora.