Shows originais – isto é, que não são adaptações de algo, e sim escritos originalmente para o animê – são uma faca de dois gumes para o redator que vos digita. Por um lado, me economiza um parágrafo inteiro sobre o que diacho é o negócio original. Por outro, faz com que meu trabalho de criar um texto onde eu consiga dizer que “Japonês é um povo estranho” seja muito maior. Dessa vez, o que temos é um desses: Um Show Original, e que me dá muita dificuldade em reclamar sobre os japoneses… De qualquer maneira, vamos à introdução de fato:
O termo “magia” vem sendo usado pela humanidade há muito tempo. Ele mudou de significado com o passar das eras, mas sempre desperta a curiosidade de qualquer que seja o indivíduo envolvido. O nosso ser clama pelo sobrenatural, ele busca qualquer coisa que seja diferente o bastante para abalar nossas rotinas, para mexer com os alicerces de nossa existência. Afinal, o mundo como o conhecemos é… chato, sem cor… Buscamos na fantasia algo que possa nos trazer divertimento numa vida pacata.
Só que, o que acontece quando essa mágica se torna parte do dia-a-dia? Quando ela perde aquilo que a tornava tão especial? Assim que ela se mescla com o que consideramos “normal”, qualquer coisa passa a ser vista com os mesmos olhos entediados de sempre. E é justamente nesse mundo onde esse show quer se aventurar.
E quando falamos de magia, visões espetaculares sempre surgem em nossas mentes. Pode escolher sua ficção predileta, que você vai lembrar de grandes planícies repletas de árvores balançando ao vento; Fortalezas de pedra cercadas por monumentais muros que se estendem por até onde os olhos conseguem ver; Caldeirões fumegantes que exalam uma leve bruma de cor suspeita, com bolhas estourando e gerando pequenos fogos de artifício a cada instante… Bem, vocês me entenderam, né?
O ponto é que uma história desse tipo precisa de um visual deslumbrante para acompanhar. E nesse quesito, estamos muito bem servidos. O estúdio responsável pelo show, a PA Works, é famosa por sua belíssima animação e cenários de tirar o fôlego. Vou falar mais na parte técnica, mas a beleza é um dos fatores que faz com que o show funcione como deveria. Muito mais do que é mostrado no mundo, o próprio mundo te mostra que a mágica é real.
Acontece que, para as personagens que estão lá dentro, esse mundo fantástico e fantasioso não passa de algo comum. Então quando paramos para ver como elas vivem… Não há nada inimaginável. Elas vivem normalmente, têm suas atividades corriqueiras e continuam tocando a vida como nós fazemos. Assim, mesmo com o fator sobrenatural que está arraigado ao cerne da trama, estamos lidando com um Slice of Life comum.
Nisso, acabamos caindo numa contradição: queremos algo que nos cative por ser diferente, mas recebemos algo que é o mais pão com ovo das refeições. Pra fazer o comum ser cativante, é preciso algo que chame a atenção, mesmo sendo normal. E o que IroDuku entrega nesse quesito são suas personagens.
Se até eu que sou a pessoa mais apática do mundo, consigo perceber as emoções por trás das personagens, você também consegue.
De novo, as personagens são pessoas normais fazendo coisas normais. O charme delas está em suas peculiaridades. Não só a sua aparência (que também é bem trabalhada), mas suas personalidades são postas a prova logo de cara. Elas não são portas falantes, ou pedaços de papelão em tamanho real, muito menos estereótipos ambulantes. Você percebe que elas foram muito bem pensadas, e nota a grande humanidade por trás de cada ação que elas tomam. Humanidade que faz com que você possa se identificar instantaneamente com cada uma delas, positiva ou negativamente.
Outro detalhe que preciso dedicar um parágrafo pra falar é sobre as cores. O uso delas no show é muito mais do que como uma ferramenta artística para dar vida ao mundo mágico, como comentei até demais anteriormente. Ela é uma ferramenta de roteiro.
A protagonista, Hitomi, tem claros problemas psicológicos. A garota é introvertida, tem dificuldades em socializar, sofre por conta de preconceitos e pra melhorar a situação, tem sérios problemas de TER QUE LIDAR COM A TECNOLOGIA DE CINQUENTA ANOS ATRÁS. E apesar de não termos tido uma confirmação da série, fica claro que sua Acromatopsia (joguei no Google mesmo. É o nome da doença que faz com que você não enxergue cores e veja tudo em tons de cinza) é uma metáfora para sua visão de mundo.
Lembra quando eu comentei, no primeiro parágrafo, que um mundo chato é um mundo sem cor? É exatamente isso que a protagonista passa, e que o diretor quer passar. Em diversas cenas – cenas onde a garota está claramente de saco cheio da vida, com aquela famosa vontadezinha de morrer – o show faz questão de eliminar todas as suas belas cores para nos mostrar a visão dela. Fica clara a mensagem que quer ser passada.
Com tantas personagens boas e que são feitas para nós nos apegarmos rapidamente, e uma direção honestamente excelente que consegue trazer todos os efeitos desejados, nós nem paramos pra notar o quão arroz com feijão o show em si é. Sério, se você parar por trinta segundos e juntar todos os pontos, vai ver que não tem nada de especial no animê. Como já dito, é um Slice of Life pão com ovo. Mesmo com suas peculiaridades, tudo é muito simples e acaba trazendo um enorme senso de tranquilidade para o clima da obra. Mas essa simplicidade acaba sendo um charme a mais que se soma a todas as qualidades já mencionadas.
Como prometi, um pouco sobre a parte técnica: vou dar destaque para os astros, e nomear Toshiya Shinohara pelo seu trabalho na direção, que já cansei de elogiar ao longo do texto; e Naomi Nakano, por fazer o “Design de Cores” do show (que, certamente, é um dos papéis mais importantes para ESSE SHOW EM ESPECÍFICO). Ambos trabalham com uma equipe ligada ao estúdio P.A. Works, que tem seu repertório cheio de shows de qualidade (e alguns nem tanto). Ainda, a música (por Yoshiaki Dewa) e a dublagem (com diversos nomes conhecidos) são de alto nível e só agregam à produção.
Um show que surpreende por ser bonito de se olhar e gostoso de se assistir, IroDuku fica como uma estréia 8/10 e me deixa muito ansioso por mais. Você pode assistir pelo serviço de streaming da Amazon, o Prime Video, com novos episódios todas as segundas-feiras.