Um antigo provérbio japonês, datado do período Edo (1603-1868), diz que “Kawaii uguu baka desu sushi katana wasabi ne?“. Traduzindo, significa “Melhor postar dois meses atrasado do que deixar passar em branco, né?“. Não sei o que eles queriam dizer com isso na época, mas dá pra ver que desde muito tempo, japonês é um povo estranho.
Começamos essa temporada com presidiários, passamos por patinadores e viajantes do tempo-espaço, para chegarmos em garotas mágicas exorcistas…? Pera, tá certo isso aqui, produção, é isso mesmo? Parece que sim. Nessa famigerada season onde tudo é sempre tão melhor do que no resto do ano, e as esperanças estão sempre em alta para aquele conteúdo de qualidade, nós recebemos… Bem, isso. Mas de qualquer forma, segue o trailer abaixo e bola pra frente:
Resumir em uma só palavra a experiência inicial de MATOI THE SACRED SLAYER (que convenhamos, tem o nome anglófono muito mais legal que o original em japonês) seria desafiador. Isso porque todas que passam por minha mente, descrevem muito bem um dos aspectos do show, enquanto são uma abominação completa para com outro aspecto. Talvez pudesse usar “confuso”, mas até mesmo essa não se adequa o suficiente.
Prefiro começar pelas coisas que são mais consistentes. A representação visual, por exemplo. Cortesia da White Fox (Steins;Gate, Katanagatari), temos uma animação que… Poxa, não posso dizer que é excelente. Tem seus momentos, mas na média, ficamos apenas naquele limiar de “o mínimo aceitável para obras recentes“. Talvez um ponto que consiga compensar essa ‘falha’, seja o design de personagens: Todas elas são detalhadas, extravagantemente exclusivas e, principalmente, bonitinhas pra caramba (e estou incluindo os homens nisso também. Tenho uma queda por cavanhaques…). Um ótimo trabalho por parte de Mai Toda.
Depois, outra consistência é a sonora: uma OST forte e envolvente é uma das qualidades do show. Criar a ambientação através da música, seja ela uma suave melodia pra demonstrar a calmaria do dia-a-dia, ou um ritmo acelerado a intenso pra captar a agressividade de um combate, o anime o faz de forma excepcional. O responsável por esse feito de fazer um desinteressado como eu notar o seu trabalho foi o diretor sonoro Takayuki Yamaguchi (Terra Formars, NouCome). Só que vocês não ligam para esses detalhes industriais (e nem eu, pra ser sincero), então a abertura (“Chou Musubi Amulet” pelo grupo Mia REGINA) e o encerramento (“My Only Place” pelo grupo Sphere) seriam assuntos mais relevantes. O primeiro é perfeito para cumprir o seu dever, pois é empolgante e animador, te deixa com o sangue pulsando para finalmente chegar no episódio em si. E depois de tudo, você chega na segunda música e ela te acalma e bota seus nervos no lugar, te fazendo lembrar que isso tudo é só um desenho e que você não devia quase ter um ataque cardíaco por causa de garotas mágicas (Mas escrevo isso enquanto escuto a abertura em loop por mais de 2h).
Só que como nem tudo são flores… A ‘inconsistência‘ presente no feeling do show é tão grande que chega a ser… Inconsistente. Caramba, entende agora o meu drama sobre definir numa palavra só?! De qualquer maneira… Minha reclamação, indo direto ao ponto, é sobre o público-alvo: na prática, sabemos que garotinhas mágicas com roupas bonitinhas são sempre assistidas por homens de meia idade, independentemente de o quê a obra queria pra início de conversa (Precure, estou olhando pra você). Mas elas são, na maioria das vezes, feitas para A) Um mercado muito específico de garotinhas; ou B) Um público mais abrangente de crianças. O que atrai essas pessoas fora do nicho, via de regra, são justamente os aspectos infantis da obra. A ‘felicidade’, a ‘ingeniudade’, a ‘pureza’ que estão sempre presentes no decorrer desses shows são os pontos buscados…
E então temos Matoi, que decidiu fazer uma obra já diretamente voltada para esse grupo fora do nicho, sem inventar desculpas e sem papas na língua. Podemos ver que a própria produção do anime classifica-o como “Público alvo da obra original: Masculino“, dando suporte a essa minha teoria. Só que eles conseguiram a façanha de arruinar completamente toda e qualquer chance de fazer sucesso com quem eles queriam, ao destruir justamente os elementos mais importantes do gênero: as tais ‘ingenuidade‘ e ‘pureza‘. Eles mantiveram todos os outros pontos, o suficiente para ainda reconhecermos a trama como fiel ao que queria retratar (e não um rip-off de mahou shoujo como Madoka foi, por exemplo. Matoi é claramente um Mahou Shoujo vanilla, original), mas trocaram os detalhes que funcionam como a ‘cereja‘ do bolo por seu completo oposto. É tipo você comprar uma cereja pra então descobrir que é só chuchu.
Houve essa troca de ‘ingenuidade’ por ‘sexualidade‘, e eu simplesmente não consigo entender mais pra que lado eles estão atirando. Fica claro que eles tentavam atingir a famigerada “Pandemia Otaku“, aquela super estereotipada e que aparece no programa da Fátima Bernardes (que apesar de ser minoria e não representar as pessoas que gostam de anime num geral… Bem, elas existem), mas eles tentaram fazer isso da pior forma possível: juntaram duas coisas que fazem sucesso com o público-alvo, mas escolheram justamente as ‘piores partes‘ de ambos. Garotas mágicas fazem sucesso? Fazem. Softporn japonês faz sucesso? Também faz. Mas o que trás o sucesso de ambos são dois extremos completamente diferentes, e que se misturam tanto quanto Iodo em Tetracloreto de Carbono e Água (eu sou químico e digo: essas coisas aí não se misturam).
Garotas mágicas precisam da ‘ingenuidade’ para funcionar. Elas são garotas mágicas, afinal de contas! E softporn só dá certo por estar já num ambiente absurdo desde o princípio. Se ao menos eles tivessem estabelecido um tipo de atmosfera imbecil logo nos primeiros momentos do show, todo o papo de demônios, dimensões paralelas e garotas mágicas poderiam funcionar como absurdidade. Mas o que ocorre é uma normalidade excessiva, eles se esforçam ao máximo para dar a impressão de que aquilo vai ser um mahou shoujo vanilla, pra logo depois acabar com tudo isso sem nem perceber.
Colocando em outros termos: eles tentaram fazer o Batman ser sociável; Tentaram fazer o Homem-Aranha ser rico; Tentaram fazer o Aquaman ser útil; Tentaram fazer o Homem de Ferro não ser a pessoa mais detestável da história da ficção recente; etc.
O mais impressionante é que, apesar de TODOS esses problemas, o aspecto mais de raiz dos Mahou Shoujos até que não ficou ruim. Depois de ignorar todos os zooms em peitos, garotinhas de 14 anos correndo peladas e piadas forçadas sobre exibicionismo, a trama conseguiu me deixar interessado o suficiente para continuar. Mesmo com uma desinformação enorme que chega a ser perturbadora, e que foi só parcialmente sanada no longínquo episódio 3, eu vejo um bom potencial para esse show, que por não ser baseado em nada (foi originalmente escrito para o anime), pode ir para qualquer lugar.
Acontece que potencial não significa nada se não for aplicado corretamente, e que apesar de serem em parte ignoráveis, todos os problemas de coerência ainda existem. Deixo minhas primeiras impressões de Soushin Shoujo Matoi como um 5/10, já sendo muito otimista no futuro da série e torcendo para que não caia num desfiladeiro.
O anime não possui simulcast em português, porém pode ser encontrado legalmente nos serviços de streaming da Anime Network,