Raul é a gíria para os indivíduos que aplicam golpes envolvendo obtenção fraudulenta de dados bancários e falsificação dos cartões magnéticos.
Entendendo o que significa o nome da graphic novel Raul, a reportagem em quadrinhos, publicada pela Editora Elefante, em seu debute no segmento da nona arte, a gente entende mais sobre a história que será contada na obra. E muito bem contada por Alexandre de Maio.
A trama mescla diversas frentes: uma que conta a origem e evolução até os dias de hoje desse crime silencioso, onde o bandido assalta sem portar uma só arma. Que provoca grandes perturbações aos lesados. Mas também é um relato fiel da criminalidade em geral, da truculência e subornos de alguns policiais, a vida nas regiões carentes, o grito abafado de agonia do sistema presidiário nacional (desde as casas para menores até as grandes prisões), tudo isso seguindo a vida de Rafa.
A história de Rafa é real e tanto o seu nome quanto os dos demais personagens apresentados na HQ, são ficcionais. Alexandre de Maio conta a vida de Rafa desde criança, quando chega a São Paulo, o início ainda jovem no crime, as vezes que foi preso, o poder aquisitivo que o golpe de Raul o deu. Mostrando de como ele chegou a ser um rapper famoso com uma carreira consolidada.
A realidade de um jovem que vê no crime uma forma de crescer na vida, não é novidade em nenhum lugar no mundo. Ainda mais no Brasil onde a divisão entre pobreza e riqueza são absurdamente enormes. A trama já começa com o pé lá embaixo, com a trajetória do jovem Rafa em golpes curtos, antes de entrar no circuito dos cartões, e suas idas e vindas às delegacias. O relacionamento com sua mãe que busca métodos poucos ortodoxos para “convencê-lo” a sair do crime.
Quando Rafa, depois de tantas experiências, resolve seguir no mundo do rap, Alexandre de Maio brinca na sequência. Ele traz a narrativa o protagonista levando uma vida que foi bem sucedida, com sucessos nas rádios, clipes em Youtuber entre os mais assistidos e a balança de manter uma carreira em um mundo tão competitivo como o da música. A dúvida entre seguir como rapper ou retornar a vida do crime é latente nessa fase da HQ e praticamente salta as páginas. Como se afogasse Rafa em um mar revolto.
A arte de Alexandre de Maio é como estar lendo um álbum de Sin City com Frank Miller nos melhores dias. O sombreamento, as páginas escuras e os personagens praticamente sem rostos não atrapalham a leitura e em certos momentos (principalmente os mais tensos, vide todas as cenas das cadeias) são sufocantes, mas só ajuda a passar a realidade do que Rafa estava vivendo no momento.
Alexandre de Maio fez um excelente trabalho investigativo em Raul. Pois além de uma biografia praticamente perfeita, vemos também como um golpe, que as agências bancárias insistem em esconder por causa das publicidades negativas, evolui ao passar dos anos. Fiquei curioso para saber mais coisas sobre outros golpes, que não são badalados pela grande mídia também.
Espero que mais obras de jornalismo em quadrinhos, que é tão comum lá fora, ganhem mais produções aqui no Brasil. Temos um nicho muito bom para explorar de situações que somente em Terras Tupiniquins acontecem. A excelente graphic novel Raul é uma prova disso.