A conclusão é a parte mais importante de um texto. O porquê disso está ligado pelo fato de que é nesse parágrafo que as ideias do texto tomarão maior credibilidade e sustentação. Se um texto de 30 linhas necessita de atenções redobradas para conclui-lo, imagine uma franquia criada em 1977. São mais de 40 anos de história, que influencia diversas gerações pelos cinemas que passa, além de se manter como a maior saga de todos os tempos em termos de popularidade. Tendo isso em vista, Star Wars: A Ascensão Skywalker se autopromove ao desafio de encerrá-la, na presunção de relacionar oito filmes em um. Nesse sentido, o resultado é contraditório e bastante discutível.
Star Wars: O Despertar da Força (2015) iniciou o primeiro projeto da Lucasfilm sendo uma propriedade da Disney. Sua trama centrava-se na inserção de novos personagens e contextos, mas sempre lidando com a reintrodução de velhos conhecidos. A nostalgia aliada ao bom fôlego da aventura foi o que consagrou o filme entre fãs e crítica, e o responsável por isso foi o diretor/roteirista J.J. Abrams. Após desavenças criativas com Colin Trevorrow e uma recepção bastante instável de Star Wars: Os Últimos Jedi (2017), Abrams parecia a melhor opção. E, pelo seu histórico, sua volta ao universo foi aceita entre o público.
Contudo, a confiança no trabalho do diretor consegue ir se esvaindo ao longo do primeiro ato de A Ascensão Skywalker. Embora o filme, logo nos minutos iniciais, nos presenteie com cenas visualmente impressionantes e um até “retorno icônico” de Kylo Ren (Adam Driver), as explicações superficiais surgem rapidamente e transmitem a falta de criatividade que rodeia o roteiro da obra. Sendo assim, o roteiro escrito por Abrams e Chris Terrio demonstra o grande problema dessa trilogia: a falta de planejamento. Isto é, a quantidade excessiva de coincidências e acontecimentos convenientes, na tentativa de avançar uma narrativa que nunca teve o seu encerramento pensado anteriormente. Sem noção nenhuma de como a história irá prosseguir, o diretor se rende ao passado e tem a capacidade de retomar dúvidas já respondidas, além de estragar personagens que estavam resolvidos.
A trama gira em torno da busca por um artefato – até aqui sem novidades – que revelaria o local de uma possível nova Primeira Ordem, com uma artilharia capaz de destruir toda a República. Com isso, Rey, Finn e Poe se juntam na busca do objeto em uma aventura que guarda os melhores elementos que fizeram Star Wars ser o que é hoje. A relação entre os protagonistas, aliás, é o grande trunfo do filme, porque a química dos atores funciona, e estes entendem as aflições de seus respectivos papéis.
Rey, interpretada por Daisy Ridley, está mais madura como nunca. O seu arco está bem definido e é o mais explorado e revisitado, devido a sua importância para com a trama principal. A relação entre ela e Poe é inédita, já que nunca vimos os dois tanto tempo juntos em tela, e rende pela mistura entre a abordagem conflitante e amigável. Com os outros personagens, principalmente Finn e BB-8, sua dinâmica resume-se ao que já víamos antes. Em relação a própria Rey, a personagem continua agradando e demonstrando uma força notável, muito devido a ótima atuação de Ridley, que domina as emoções e conflitos na palma da mão. Olhar o início da jornada de Rey com o seu final – apesar de apresentar um erro tremendo – se assemelha a jornada de Luke Skywalker (Mark Hammil) em aceitar o seu passado e sua posição no universo, temas recorrentes nas trilogias.
Já Poe e Finn não têm nem um por cento da relevância de Rey na história. Oscar Isaac se esforça para entregar um bom papel e responde à altura. O episódio nove expande a história por trás do personagem, sendo uma das passagens que revela um pouco do seu passado, mas, ao final de tudo, as coisas apresentadas são subaproveitadas e completamente irrelevantes. Ainda, Finn (John Boyega) também é subaproveitado ao máximo, desde sua chegada em Jakku, e continua tendo a participação ofuscada por personagens mais interessantes. Provando a dificuldade de desenvolver os arcos, o roteiro não teve a mínima ideia de como encaixá-lo, deixando-o como um mero espectador das passagens relevantes. Não pode deixar de citar a participação de C-3PO, que brilha entre os outros andróides por, além de seu valor narrativo, ser o ponto cômico perfeito e irretocável.
Do lado negro da força, temos Kylo Ren em outro episódio do Casos de Família. Seu visual melhora com o uso do capacete – repare nas linhas que evidenciam sua reconstrução – que deixam o ator mais imponente e sua voz em um tom ameaçador. Mesmo que ele tire e põe a cada minuto, sua estética é o que conversa com o seu conflito de identidade. Mas… de novo? O Despertar da Força parecia ter sacramentado o destino e a escolha de Ren, entretanto, a narrativa retoma essa problemática e a resolve de maneira fútil e apelativa. Outro fator que marca a dificuldade de desenvolver emocionalmente as tramas propostas neste novo episódio.
Apesar do pouco aproveitamento dos protagonistas, a presença da Princesa Leia é inegável e fortíssima. A morte da atriz Carrie Fischer parece ter sido determinante para o desfecho, isso porque Abrams afirmou que Leia seria fundamental, respeitando a sequência Han Solo (Harrison Ford), Luke e Leia. O uso das cenas gravadas antes do falecimento fica óbvio, mas guarda um respeito e reverência admiráveis. A princesa tem um papel importante, só que sua presença é mais sentida no espírito dos personagens do que fisicamente. Dito isso, as cenas que a envolvem são, facilmente, as que tocam o coração do público.
E coração é o que A Ascensão Skywalker acerta em cheio. Os erros estão ali, e não são poucos ou esquecíveis, contudo, o filme tem as melhores das intenções. Está na busca constante pelo apreço dos fãs novos e velhos, resgatando referências e pequenos detalhes que enriquecem nostalgicamente. Apesar de escolhas duvidáveis, há construções visuais e sensoriais impressionantes, desde a constituição das vibrações do uso da força, até as trilhas – desta vez tímidas – de John Williams. A formação da dualidade entre o bem e o mal está empregada através das cores e sombras, que ressaltam as interações de Kylo Ren e Rey. Existem algumas participações especiais como a de Lando Calrissian, que não se compara a de Han Solo no episódio sete, mas empolga com a atuação carismática de Billy Dee Williams. Além disso, ocorrem momentos que buscam rimar com as trilogias antigas – tentando trazer conexões entre toda a saga e estabelecer pequenas semelhanças cinematográficas.
Afinal, depois dos famosos créditos fica a pergunta do porquê Star Wars: A Ascensão Skywalker, um filme tão respeitoso e apaixonado, ser contraditório, desde as escolhas temáticas até o fechamento dos arcos. Dito anteriormente, está evidente a falta de planejamento que permeou a idealização desta trilogia. Enquanto J.J. abre espaço para uma aventura de três filmes baseando-se – excessivamente – nas estruturas clássicas, Rian Johnson se permitiu construir uma obra original e um tanto quanto pessoal, saindo do padrão narrativo que a audiência de Star Wars está acostumada. O embate entre duas visões, uma mais conservadora artisticamente, e outra buscando algo único e particular, resultou em um terceiro filme que tem dificuldades de concluir perspectivas tão distintas. Sendo assim, o resultado talvez tenha sido influenciado por esses contrastes autorais.
Com erros e acertos, Star Wars: A Ascensão Skywalker apresenta verdadeiramente a dualidade entre os lados da força. Fora e dentro das telas. Apesar do final não ser o ideal, e faltou uma margem considerável para alcançá-lo, suas intenções em finalizar a série de maneira reverente devem ser reconhecidas, e acabam levando a ótimas sequências de ação e homenagem. Aprender a ver cinema passa por esse processo de frustração às vezes, e Star Wars, mesmo com seus erros e tropeços, nos deixa uma lição: a força está conosco… sempre.