Uma saga que soma elementos de clássicos monstruosos da ficção, Monstro narra a história de Terry, o monstro, e Kenny Corman, sobrinho do monstro, enquanto eles embarcam numa espécie de road trip de sobrevivência buscando ajuda. A série foi criada pelo gênio dos quadrinhos Alan Moore e continuada por John Wagner e Alan Grant, uma verdadeira santíssima trindade dos quadrinhos ingleses, e chegou ao Brasil em 2017 com uma edição de luxo publicada pela Mythos Editora!
Em março de 1984 a revista semanal britânica Scream!, uma antologia de horror, estreava para os ingleses. Com ela algumas séries em quadrinhos como The Dracula File, Library of Death e The Thirteen Floor, essa última o provável maior sucesso da época, alcançaram o inconsciente popular ao longo das pouquíssimas 15 edições do título. O catálogo da revista também continha o trabalho criado por Alan Moore, em um período marcante da carreira do autor, e Heinzl, que foi assumido posteriormente por Wagner e Grant sob pseudônimo Rick Clark, com arte de Jesus Redondo. O já citado Monstro, assim como Thirteen Floor, foi continuado após o cancelamento da Scream! (devido a uma disputa interna com a IPC Magazines) na revista Eagle, casa do clássico personagem Dan Dare. E anos depois, seguindo o costume das suscetivas mudanças, a 2000 AD obteve os direitos deste clássico obscuro, republicando-o numa luxuosa compilação que serviu como base para o encadernado nacional.
Ao enterrar seu pai abusivo no quintal de sua velha casa, Kenny Corman decide investigar a causa da morte, dirigindo-se ao sótão da mansão. As primeiras quatro páginas desta história foram escritas por Moore, que deu somente o pontapé inicial para a série. Ao ser substituído pela dupla Wagner e Grant, o leitor descobre que o monstro vivendo no sótão é Terry, tio de Kenny, que possui uma deformidade física e a mentalidade de uma criança de no máximo três anos. Criado a vida toda em situação precária e sem sair do sótão, Terry torna-se um fardo para Kenny, após os cuidados do tio serem passados ao garoto de 12 anos por sua falecida mãe. Com um detalhe preocupante: seu temperamento explosivo o faz matar com facilidade qualquer pessoa que venha a incomodá-lo.
Monstro é uma aventura que soma elementos de Frankenstein com os quadrinhos de horror dos anos 50 publicados pela EC Comics, como Tales from the Crypt, The Vault of Horror e The Haunt of Fear. A descrição perfeita para esta aventura seria “um monstro gentil em fuga.” A dupla de roteiristas brinca com a dualidade entre a criação e a falta de conhecimento e contato social de Terry, que o tornam um monstro a ser temido pela sociedade, constantemente perseguido pelas entidades governamentais. O “Monstro de Bricester” é realmente uma criatura malvada, ou apenas mais uma vítima inocente? E a atitude de Kenny, que decidiu fugir para buscar ajuda por estar com medo da reação das pessoas, foi a mais correta a se tomar? Essas questões permeiam a história do início ao fim, enquanto o leitor analisa cada um dos acontecimentos.
Se Dr. Jekyll e Sr. Hyde receberam o pseudônimo de “o Médico e o Monstro“, Kenny Corman e Terry, apesar de serem entidades separadas, podem ser descritos como “o Garoto e o Monstro.” As viagens da dupla, deixando um rastro de destruição por onde passam e sendo constantemente perseguidos pelos oficiais do governo, é um tipo de road trip do desastre. Na época, Moore estava iniciando sua fantástica Saga do Monstro do Pântano, e a dupla sucessora assumiu com maestria as rédeas do título, rumando para um estilo de narrativa diferente do início, onde há uma transformação de horror para uma espécie de horror reflexivo e algumas vezes até bem humorado.
A busca por ajuda médica em que Kenneth e Terry estão submetidos é magistralmente ilustrada pelo espanhol Jesus Redondo, que substituiu o artista italiano Heinzl. Com um traço “sujo” que brinca muito com o claro e escuro, Redondo é dono de uma arte que passa profundidade, dramaticidade e possui semelhanças nas expressões e movimentos com outros grandes mestres da nona arte, que também seguem a apelidada linha latina.
O texto também faz questão de deixar clara a consciência infantil de Terry, deficiente não somente física como também mentalmente. As situações em que os protagonistas se metem (por vezes, convenientes ou até cômicas) criam um desenrolar para a história que traz um ar de algo inesperado, visto que a cada virada de página um plot twist pode explodir na face do leitor. E no desenrolar das desventuras, as proporções dos problemas crescem exponencialmente.
A ideia do horror das primeiras páginas de Moore é mantida ao longo da trama. Mas seria o horror, a impressão de repulsa, que choca o leitor ou o faz refletir sobre todos os acontecimentos? A perspectiva dos policiais também é mostrada, com destaque para o Inspetor Halley, criando mais uma camada de entendimento dos civis comuns, que é expandida com a introdução de outros personagens “normais“, como médicos, famílias viajantes ou velhinhas viúvas.
Com capítulos de apenas quatro páginas, a leitura flui de maneira ágil e com uma sucessão prazerosa de reviravoltas. Na reta final a aventura chega a tomar proporções mundiais, rumando para um desfecho totalmente inesperado e apesar de tanta dificuldade, extremamente comum, fechando um ciclo para a vida de Terry. Porém, mesmo após o término, diversos questionamentos ficam em aberto, com a incessante busca por um culpado na mente do leitor.
Seria o inconsequente garoto, que negligencia diversos acontecimentos e piora todas as situações? Os pais de Terry, que o criaram como uma aberração? O pai de Kenny, que judiava do pobre cunhado preso no sótão? Ou um conjunto de pessoas desinformadas, que elevaram uma deficiência para algo extremamente caótico? Encarar o Monstro como uma vítima é o correto a se fazer, ou a forma conscientemente violenta como ele age é algo naturalmente ruim? Um diagnóstico poderia provar que a agressividade é originária da deficiência mental de Terry ou de seu temperamento? Como seria sua análise psicológica?
Algumas interpretações, no final, variam na mente de cada um. Um dos atrativos da história é poder ser analisada por diferentes perspectivas, algo que torna bastante especial e muito relevante o Monstro de Moore, Wagner e Grant. Uma história que merece ser conhecida.
Monstro possui 176 páginas encadernadas em capa dura no formato 25,9 x 18,7 cm, com preço de capa R$ 64,90.