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Torre Entrevista | Paul Pope

Há um bom tempo queria entrevistar o Paul Pope. Dono de um traço original e versátil, suas histórias chamavam minha atenção. Nos encontramos em uma cafeteria no meio de uma tarde chuvosa em São Paulo e Pope, muito atencioso como em todas as vezes em que conversamos, falou sobre suas experiências com a Marvel e DC, trabalhos passados, sobre a tão aguardada conclusão do segundo volume de Bom de Briga, projetos futuros, artes e muito mais que você confere logo abaixo, na PRIMEIRA entrevista concedida por ele em 2017!


Muitas das suas HQs são ligadas aos quadrinhos underground pelo estilo do seu traço, que apesar de ter influências de Hugo Pratt, Victorio Girardino, Alex Toth e etc. tem um quê de alternativo. Você já se sentiu como um ”estranho no ninho” ao trabalhar para grandes editoras como Marvel, Dc, Kodansha, Dargaud…?

Às vezes. Vejo a Marvel e DC como se fossem selos de gravadoras. Assim eu seria como um músico de jazz em uma gravadora de música pop. Porque meu estilo é bem diferente comparado ao que é publicado no mainstream americano.

Você já trabalhou para mercados dos Estados Unidos, Japão e Europa. Como essa mistura de ideias e cultura influenciaram em suas histórias?

Sempre me interessei em procurar uma síntese de estilo, quando se tira os melhores elementos de Bande Dessineé, Mangá e os quadrinhos americanos. Deste último, mais precisamente os quadrinhos clássicos e underground, como os do Robert Crumb. Assim se constrói um novo estilo.

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Capa de Strange Tales #1 (Marvel Comics, 2009)

Lá pelo ano de 2010 você fez apresentações como DJ. Essas, eram acompanhadas de um vídeo. Algo interessante é que esse vídeo não está disponível em lugar algum. Você também já disse que gosta que as pessoas imaginem como é algo que não é tão fácil de se obter…

Sim, acho importante. Principalmente nessa era onde está tudo tão fácil disponível online acho bom que ainda haja algum mistério. Também acho que há um grande valor em não ter acesso a tudo pois assim pode exercitar sua imaginação. O vídeo ao qual você se referiu tem cerca de 30 minutos de duração e é uma série de trechos de filmes de ficção científica e documentários sobre explorações espaciais, porém exibidos em um ritmo mais lento. São luzes, lens flares, planetas e imagens cósmicas. Uma espécie de filme impressionista para reagir com a música…

…é por isso (o não tão fácil acesso às coisas) que o protagonista de Bom de Briga tem um passado obscuro? Algo que não acontece com a Aurora West, que tem uma HQ contando seu passado?

Acho que porque o Bom de Briga é descendente de deuses; A Aurora, de humanos. Aurora representa heróis como o Homem de Ferro ou Batman, que não têm superpoderes, apenas trajes e aparatos modernos. Pelo BB ser um Deus acho que é necessário ter um quê de mistério sobre suas culturas, por isso não vemos muito sobre ele.

Você costuma desenhar ouvindo música. Em imagens do seu estúdio já vi pedais de distorção e cabos de amplificador pelo lugar. Música é seu Heavy Liquid (referência a uma HQ homônina de Pope. Inédita no Brasil)? É como o Robin que seu Batman na história Teenage Sidekick precisa para não se tornar um Coringa?

[Risos] Eu vim de uma família de músicos. Sempre gostei de tocar e gravar. Essas coisas estão lá porque costumo usá-las. Já fiz trilhas e vários amigos meus de Nova York são músicos e compositores de Jazz e Rock. Sou muito influenciado por música pois não há aspectos visuais nela, apenas sons. Por sua vez, quadrinhos não tem som. Por isso penso que música pode ser um complemento para a arte de fazer HQs.

Uma grande influência sua, Hugo Pratt, depois que criou o Corto Maltese se tornou mais sério perante seu público. Ele achava que não levariam a sério o Corto caso os leitores percebessem que seu autor era frívolo. Algum personagem ou autor influenciou sua forma de pensar e agir depois de você ler suas histórias?

Você diz sobre a relação entre arte e o autor ou sobre mim mesmo?

Pode ser sobre as duas coisas.

Pratt é intrigante porque ele é uma figura tão internacional. Admiro muito ele e Moebius, que deixaram seu país para ir a outros lugares. Também vejo isso em Attilio Micheluzzi, que era arquiteto na Líbia até  Muammar Gaddafi chegar ao poder e aí [voltando à Itália] começou a fazer quadrinhos. Outro é Daniel Torres, que foi escultor na Espanha. Como minha formação é de História da Arte e Artes Visuais, comecei nos quadrinhos após 8 anos de faculdade, onde eu pintava esculpia e fazia coisas do gênero. Dessa forma, me sinto mais como um autor europeu, desses autores que transitaram entre outras artes antes ir aos quadrinhos…

Por isso você se tornou um quadrinista ao invés de músico?

De certa forma. Quando eu era mais jovem toquei muito. Tive bandas, fiz shows. Era necessário muito tempo dedicado para ambas as artes então tomei a decisão dos quadrinhos ser a arte dominante. Já fiquei sem tocar guitarra por 2 ou 3 anos daí voltei. Hoje em dia voltei a fazer e gravar música. É interessante, porém não tem como tomar a maior parte do meu tempo. Também tenho interesse em esculturas. Estou fazendo esculturas de brinquedo, porém não tenho tempo de fazer algo em bronze ou outro tipo de metal.

Quando Escapo foi reeditado, sua publicação veio em cores. A primeira era preto-e-branco. No posfácio da edição em capa dura você diz que obras em cores vendem. São mais atrativas aos leitores.

Saíram duas histórias de Escapo. Existe uma terceira história dele que devo publicar quando os direitos sobre o personagem voltarem para mim. Quando eu reeditar, vai ser em preto-e-branco novamente. Alguns projetos levam muito tempo para serem concluídos. Comecei as histórias do Escapo em 1995; A segunda história saiu em 2001. Por volta de 2008 voltei a mexer com Escapo, quando finalmente tive ideias para uma nova história. Portanto, demorou quase 20 anos para chegar ao fim.

É por isso (sobre o uso de cores) que Bom de Briga tem um traço mais limpo, sem muito uso de preto e sombras? Mas porque Rise of Aurora West é em preto-e-branco?

[sobre Bom de Briga] Sim, é isso mesmo. [sobre Aurora West] foi uma decisão editorial, não minha. Assim como o formato de Bom de Briga. Não gosto muito daquele formato publicado. É muito pequeno. Mas estou conversando com a editora para ter edições publicadas em um formato maior.

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Capa de Fall of the House of West (First Second books, 2015)

Mas esse formato não foi uma ideia para poder encaixar em estantes de bibliotecas?

Sim. Nesse sentido, isso é muito bom porque a First Second (selo da editora Roaring Brook Press que publica Bom de Briga nos Estados Unidos) é bem conservadora. Publicaram diversos livros mas apenas recentemente começaram a publicar Graphic Novels. Mas acho que precisamos, além de experimentar esse formato que custa em média 10 dólares e de disponibilidade em bibliotecas, também ter publicações em formatos maiores e em preto-e-branco atrativo a outros públicos, que gostam de apreciar a arte. Por isso estou conversando com a editora para tornar isso possível.

Agora que você finalmente está concluindo Bom de Briga, você mira fazer desta obra algo imortal, uma HQ para ser lembrada para esta e as próximas gerações. Quais obras você considera neste nível?

Os quadrinhos d’O Pato Donald feitos por Carl Barks, o Tintim de Hergé, qualquer obra do Katsuhiro Otomo ou [Osamu] Tezuka, Robert Crumb, o Bone de Jeff Smith, espero que Bom de Briga… Tudo que Jack Kirby fez para a Marvel nos anos 60 e começo dos anos 70, qualquer uma feita por Moebius, como Incal… acho que essa já é uma boa lista.

Você considera Bom de Briga sua obra mais pessoal? Pelo tempo dedicado, ideias colocadas na história e etc.

Acho que foi a mais exigente, porém não a mais pessoal. Tenho um projeto com a Dargaud chamado Psychonaut que considero muito pessoal. É sobre sonhos e análises sobre os mesmos. E isso é um contraponto com Bom de Briga que é algo mítico, uma jornada heroica ou a minha versão a respeito disso. Por isso [em BB] tentei colocar tudo que acho bacana e que não existe em quadrinhos para leitores mais jovens. Algo contemporâneo e ainda assim clássico. O lado interessante da publicação é que tenho conhecido leitores de cerca de 12 anos de idade que leram BB e essa é a única HQ que eles têm até então. Isso é ótimo, um jeito de apresentar graphic novels a uma nova geração.

Curiosa essa resposta porque eu estava para perguntar sobre um projeto da Dargaud antes chamado La Chica Bionica. O que aconteceu com esse projeto? E qual é o novo nome?

Agora se chama La Bionica e é um tipo de ópera. No momento tenho dois contratos com a Dargaud: Um para Psychonaut, outro para La Bionica. Sobre o cronograma, ambos são projetos exigentes. Psychonaut se tornou mais dominante. Então, estou terminando Psychonaut junto com Bom de Briga e La Bionica virá depois. Desta última, tenho cerca de 30 páginas finalizadas de um total de 76. Psychonaut é um pouco maior e faltam, talvez, 10 a 15 páginas para terminar.

Há algum prazo para o lançamento de tal?

Não. Haverá quando sabermos exatamente onde acaba e quando eu puder entregar estas páginas. É o mesmo com Bom de Briga no momento, que está em processo de enviar das páginas para os próximos estágios de produção. Em BB a história já foi escrita e estou terminando as páginas do segundo volume mas não há como colocar no programa de lançamento antes de tudo estar finalizado e daí podemos trabalhar a respeito disso. Eles [os editores] não querem que eu divulgue exatamente quando a HQ deve sair ainda mas acredito que no próximo ano, provavelmente.

Bom de Briga é para todas as idades, igual várias séries animadas do Cartoon Network (Hora de Aventura, Apenas um show…). Qual foi a parte mais difícil de agradar todos os públicos, sendo que hoje a média de idade dos leitores de quadrinhos nos EUA varia de 27-35 anos para homens e 17-26 para mulheres? A DC Comics já recusou um projeto seu sobre o Kamandi por este motivo (não coadunar com o público-alvo).

Respondendo a primeira parte da pergunta, eu procuro não me preocupar sobre às expectativas do público. A parte mais difícil de Bom de Briga além da história por completo, o quanto levará para ser feita e todos os diferentes altos e baixos tem sido a necessidade de compromisso com a editora porque também sou diretor de arte, todas as minhas HQs têm se saído bem e eu tenho controle sobre o design de minhas publicações e, à partir do momento que não tenho é muito frustrante para mim porque é limitar o que os leitores mais jovens estão aptos a ver sobre o potencial da obra. Por isso também estão disponíveis apenas estes volumes menores por enquanto, mas como eu disse, estou trabalhando para mudar isso. E é verdade, eu tive conversas com a DC sobre uma publicação dedicada um público mais velho. Na época, era para ser do Kamandi mas, conversando com Frank Miller e tendo em vista a repercussão da minha HQ do Batman [Ano 100] e o potencial de trabalhar com uma grande editora, esta dentre as seis maiores do mundo [Holtzbrinck Publishing Group, atual dona da Roaring Book Press] com possibilidade de licenciamento em diversos idiomas ao redor do mundo e a chance de minha publicação sempre estar em circulação, acho que esta foi a decisão mais sábia, especialmente considerando quando o projeto do Kamandi não foi adiante e vim com uma ideia original. São meus personagens. Eu poderia fazer um personagem como o Batman mas ELE é o original. Ele é diferente. Acho que os mais jovens estão procurando por isso porque eles já têm o Capitão América, Star Wars, Mickey Mouse… todos estes hoje são da Disney. Então eles precisam de coisas novas. Hora de Aventura é este sucesso porque é novo.

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Página interna de Bom de Briga (Companhia das Letras, 2014)

Em uma entrevista ao Omelete durante a Comic Con Experience de 2016, você disse que só recentemente estava descobrindo novas HQs graças a todos esses anos dedicados a esta graphic novel. Qual foi a última grande HQ que você descobriu?

Acabei de comprar aqui uma HQ muito perturbadora chamada Psico Sour [de Ronaldo Bressane e Adams Carvalho]. É uma história muito pornográfica e violenta, mas que prende muito sua atenção por ser poderosa. Esta é literalmente a última HQ que comprei. O Daniel Semanas [que estava presente na cafeteria durante a entrevista] também acho que é um talento muito promissor. Gosto também do Bruno Seelig, que visitei esta semana. [Rafael] Coutinho também gosto muito. Acho que aqui no Brasil há muitos artistas talentosos. Essa uma das razões porque estou investindo tempo aqui além de ter amizade com artistas como Rafael Grampá, Fabio Moon e Gabriel Bá. Estou interessado em conhecer mais artistas aqui porque acho que têm uma cultura e abordagem diferente de fazer quadrinhos. Não me sinto tão à vontade, por exemplo, comparado aos quadrinistas independentes dos Estados Unidos e Canadá, apesar de por lá conseguir trabalhar sem problemas no mainstream.

Você planeja falar sobre este sincretismo da sua arte com a forma que fazemos quadrinhos aqui durante a sua Masterclass no b_arco*?

Espero que sim. Pretendo focar em compartilhar ideias fundamentais sobre como desenvolver um estilo. Quando eu estava na Escola de Artes sempre tínhamos críticas sobre pintar e até passávamos o dia debatendo ideias de como fazer e entregar esse método de trabalho. Acho que essa é a coisa mais importante para alguém: Esse senso de processo pessoal. De você saber como desenvolver, produzir e sobreviver nos quadrinhos, design, Graphic Novels ou mesmo enquanto se administra [estas artes] com outro trabalho. Tudo que pode te ajudar a se tornar melhor no que faz penso que é importante. Até de forma comercial, talvez.

Para finalizar, uma bem rápida: O que você acha que precisa ser feito para, igual sua mensagem ao fim da história Teenage Sidekick, fazer as pessoas lerem mais quadrinhos?

Pessoas precisam continuar fazendo material surpreendente e recompensador [de ser lido]. Continuar inventando. Eu estou tentando o meu melhor, Bom de Briga é novo e chegou ao topo dos mais vendidos  do New York Times em sua categoria, é publicado em vários idiomas, possui contrato para a produção de um longa-metragem que está em desenvolvimento pela Paramount, há uma linha de brinquedos a serem lançados em breve… há muita energia em volta de Bom de Briga. Novos desafios necessitam mais tempo e concentração nas novas áreas da franquia, mas no fim das contas estou escrevendo e desenhando uma história original então procuro balancear todos estes elementos.

*Nota: A entrevista foi concedida na véspera da Masterclass  na escola de artes b_arco, ocorrida em 27 de abril de 2017.