Para começar a falar de Mundo Pet é necessário saber o que não se trata apenas de uma coletânea de histórias. E sim são fragmentos de uma viagem insólita que mescla utopia, aversão as coisas tradicionais, mistério e um tanto de autobiografia de seu autor Lourenço Mutarelli. Aliás, peço aqui permissão para poder falar de Mutarelli, essa é minha primeira resenha sobre o escritor e penso que ainda preciso conhecer muito mais para poder falar sobre. Mas no bom clichê de toda resenha, nesse momento eu preciso escrever: “vamos lá!”.
E o temível clichê é muito presente nessas histórias. Mas não como uma falta de ousadia e inventividade do autor, mas porque ele deve estar ali mesmo. Como um personagem. Assim como a repulsa, o medo, a satisfação, a inocência, a alegria, o choro. Como a vida e a morte. Todos esses elementos e um pouco mais estão presentes em Mundo Pet. Um mundo criado por Mutarelli em cima de experiências próprias e que bizarramente em algum momento você reconhece alguma dessa experiência. Que pode ter acontecido com algum conhecido ou até mesmo com você.
Ler Mundo Pet é um exercício fora da caixinha. Não é como ler os quadrinhos que estamos acostumados a ler normalmente. E nem estou falando dos imbecis tradicionais super-heróis. Hoje o leitor brasileiro tem uma gama de diferentes formas de leitura, não tem a necessidade de ficar datado a Marvel/DC e suas tradicionais ideologias e modos de contar histórias. E para ler Mundo Pet você tem que abraçar o mundo que não está acostumado a ler, assistir e viver. Mas que está presente em todo momento em todos os lugares. Só insistimos ignorar com nossa presunção e arrogância.
Quando você abraça a leitura de Mundo Pet, que confesso pode ser difícil pela ausência de similaridades que muitos não tem ou não estão acostumados a ter, um novo campo de visão te encontra, te abraça e te beija como um amante desconhecido. Um beijo que te leva para casos bizarros em que você não sabe se torce para o protagonista das histórias se darem bem ou para simplesmente acontecer algo para terminar suas agonias. Como para Alfredo Consuelo em Crianças Desaparecidas ou para José Manoel Rotundo, vulgo Risadinha, em A Ninguém é Dado Alegar o Descobrimento da Lei.
Nesse misto de sentimentos existentes nas histórias de Mundo Pet, nos pegamos em sua arte diferente, bizarra e linda, nos espelhando em situações e casos. Lourenço Mutarelli escancara as portas da alma, revelando um sujeito fora dos padrões, sedimentado e esmagado por momentos irreversíveis da condição humana. Assim como em Kafka, a degradação humana se dá de maneira insólita, a partir de situações absurdas apresentadas como algo definitivo, incontornável e familiar.
Como em toda coletânea algumas histórias se destacam mais do que as outras. Mas em Mundo Pet, acredito que, a experiência de leitura de cada leitor faça que suas escolhas de histórias preferidas fique muito individual. Da minha parte eu destaco: Estampa Forjada, Meu Primeiro Amor, Dossiê Stick Note e a história que dá o nome a coletânea, Mundo Pet.
As histórias de Mundo Pet foram publicadas entre os anos de 1998 e 2000 originalmente para o site Cybercomix. Em 2004, a Devir Brasil chegou a publicar Mundo Pet. E agora ficou a cargo da editora Comix Zone, em um belo trabalho de resgate das obras em quadrinhos de Lourenço Mutarelli, que iniciou em Capa Preta (2019), trazer a experiência única de Mundo Pet para os leitores.
É uma experiência diferente, que raspa no fundo da alma e da sua mente. Mas é uma grande experiência. Grande e única.