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Creed III: Quando poucos golpes são suficientes

A franquia Rocky ultrapassou os limites do ringue de luta. Embora mantive-se o foco na história de superação, treinamento, disciplina e nos sacrifícios pessoais do lutador Rocky Balboa, os filmes nunca esqueceram do aspecto urbano e do cotidiano envolto do protagonista. Ryan Coogler, diretor do primeiro Creed e roteirista da trilogia, conseguiu retomar esses aspectos através das lentes da cultura negra americana. E mesmo Pantera Negra (2018) sendo o seu trabalho de maior prestígio e popularidade, foi com Creed que a sua capacidade conseguiu ditar as temáticas de uma franquia inteira. No terceiro filme, agora sem a estrela de Sylvester Stallone, o background dos personagens persiste nas raízes da comunidade negra – e como o passado destes interferiu em suas expectativas e sonhos de vida.

Se olharmos em última instância, todos os filmes da franquia, desde o primeiro Rocky de 1976, trabalharam em cima do sonho daqueles em tela. Os personagens sempre estão buscando alcançar um outro patamar de vida: casar com a mulher amada, vencer a luta, tornar-se campeão. O personagem interpretado por Jonathan Majors, Damian Anderson, é um entre vários que almejavam ser profissional do boxe e desfilar com o cinturão numa carreira vitoriosa, mas acabou tendo seu caminho redirecionado por uma sentença de 18 anos em cárcere privado após um desentendimento na rua. O terceiro filme nos oferece dois personagens que partiram juntos, mas acabaram atravessando jornadas distintas e consequentemente finais desiguais. Adonis tornou-se aquilo que o amigo desejava, e Damian viveu quase duas décadas no presídio vendo um sonho próximo da realidade se transformar numa probabilidade distante.

Assim, Creed III traça um comentário político interessante quando coloca em debate como as circunstâncias e a desproporcional punição condicionaram o futuro de um garoto, e destruíram qualquer perspectiva de sucesso. Contudo, o filme se interessa mais nessa background como justificativa para o sentimento vingativo do antagonista, do que necessariamente se aprofundar no comentário político e social.

É preciso ter uma suspensão de descrença do mesmo nível daquela em Gigantes de Aço (2011), quando o robô de treinamento Atom confronta os robôs mais competitivos e tecnologicamente avançados do mundo, para engolir a história de Damian. O plano arquitetado e a escalada oportunista para enfrentar o atual campeão, além do mistério envolta da sua vida dentro da prisão, mantendo o ritmo de treinamentos e o porte físico de um atleta profissional são enfiados goela abaixo e apenas geram dúvidas pertinentes sobre suas reais condições na cadeia, pois é conveniente para o roteiro deixá-lo pronto para a jornada sem qualquer preparo – e torná-lo uma opção viável num confronto de proporções globais.

E o roteiro não peca exclusivamente nesse contexto. A história retrata um Adonis Creed aposentado, sendo a primeira luta do filme justamente sua despedida dos ringues. Semelhante à premissa de Rocky Balboa (2006), Creed III coloca seu protagonista na posição de superado e ultrapassado, quando outros rostos e nomes assumem o protagonismo do esporte. Contudo, existe uma diferença gritante entre o que fizeram com Balboa em 2006 e essa tentativa. A caracterização de Sylvester Stallone corresponde a alguém obsoleto, cansado e nitidamente fora da idade (resultado da própria realidade do ator); a forma como o filme explora suas vulnerabilidades e fraquezas o tornam mais verossímil, e nos fazem reconhecer seu retorno aos ringues como um desafio complicado. No caso de Michael B. Jordan, sua caracterização e, portanto, seu porte físico e estilo de vida (assim como o período curto da aposentadoria), não correspondem ao que filme pretende transmitir e acaba por atrapalhar na forma como nos relacionamos com ele, sendo este “grande desafio” um mero percalço no caminho.

Se essa tentativa frustrada de emular a capacidade emocional da obra de 2006 já não fosse suficiente, o filme também retrata uma perda (que não será revelada aqui) com o peso dramático de uma folha de papel. Novamente parte do esforço de criar empatia pela história do protagonista, como se obter a comoção do público fosse missão fácil apenas por colocar o acontecimento anunciado desde o início num ponto crítico da trama – e não resultado de um processo construído gradativamente (se possível, com sutileza).

Contudo, as limitações óbvias do roteiro esbarram numa direção competente e inspiradora do estreante Michael B. Jordan. Foi uma grata surpresa reconhecer na tela um diretor que busca alternativas para cenas simples, sempre procurando caminhos diferentes para transmitir sensações. Não só pela capacidade de conduzir ritmos impressionantes nas lutas, mas imprimir um estilo inspirado por seus gostos pessoais pela linguagem dos animes (os planos fechados nos braços e luvas, o slow motion) que possuem caráter próprio na produção das cenas de ação. Outro ponto relevante é como Jordan não se limita em focar na luta em si, mas busca intercalar com flashbacks que remetem às emoções e pensamentos dos lutadores. O conflito principal entre Adonis e Damian é para além do âmbito físico, é quase como um acerto de contas espiritual.

Também vale ressaltar a continuidade de estilos musicais, temáticas e saudosismos que integram toda a trilogia. É importante manter uma unidade artística facilmente reconhecida ao assisti-los: a representatividade da comunidade negra, a exaltação e o respeito pelas figuras do passado (embora aqui ocorra um distanciamento muito maior do que nos anteriores), além da música tema com acordes clássicos da franquia. São, portanto, elementos que mantém o espírito dos três filmes.

Ao final (sem spoilers), o diálogo entre o Adonis e Damian retrata dois homens compreendendo como o sentimento de vingança só serve para consumir aquilo que resta. Mas o destaque está quando eles se conscientizam sobre o quão equivocados estavam em tentar procurar culpados entre si, quando a culpa verdadeiramente partia daquelas forças externas maiores, que – às vezes – os tornam coadjuvantes da própria vida.

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Retorno de Succession é síntese do que a série sempre foi

Humor e drama andam de mãos dadas em Succession. O sucesso estrondoso do streaming faz por merecer a audiência e a repercussão. Após três temporadas finalizadas, a série ainda se mantém fiel aquilo que a fez chegar aos holofotes, e sem perder a qualidade e as particularidades técnicas que a tornaram incomparável e única no meio de tantas produções televisivas. Sua principal virtude recai na forma como ela enxerga a elite econômica americana. Isto é, um retrato irônico sobre uma família que possui tudo do ponto de vista financeiro e, ao mesmo tempo, nada na perspectiva familiar e afetiva – e talvez um dos seus apelos seja justamente rir daqueles que estão acima (em termos de concentração de renda e poder), como se fosse uma catarse temporária para nós, espectadores, rodeados por uma dinâmica de tensão de classes.

Rir e chorar, aliás, ditam os ritmos do primeiro episódio, que serve como abertura para já anunciada quarta e última temporada. Em poucos minutos, a série consegue criar tensão sobre um negócio particular complicado, que envolve uma transação de bilhões de dólares; humor na festa de aniversário de Logan (Brian Cox) rodeada de pessoas interesseiras que se esforçam para conseguir o mínimo de apreço e apenas recebem desprezo; estranhamento pelo fiasco da campanha presidencial de Connor; dramaticidade a partir do conflito amoroso entre Shiv e Tom; além do constrangimento decorrente da situação enfrentada por Greg. Assim, são cenas que geram emoções contraditórias: preocupação, atenção, alegria, tristeza – e isto é síntese do que a série sempre foi. Um amálgama de emoções que nos fazem odiar e amar todos os personagens, torcer contra alguns, mas depois torcer para outros. É uma experiência audiovisual inteligente e capaz de nos fazer enxergar uma família por diferentes perspectivas e, desse modo, nos tornar ativos a cada episódio: para quem estamos torcendo, afinal?

Numa das cenas de abertura do episódio, os convidados cantam parabéns para Logan, este que sai da sala esbravejando: “put* que o pariu…”. Já é popularmente conhecida a insatisfação geral de Logan pela vida e as pessoas ao seu redor. Embora seja um dos personagens mais cruéis, sinto uma sinceridade rara exalando nele; como se fosse o único realmente consciente do interesse que move o cotidiano corporativo. O diálogo entre ele e seu segurança num simpático e humilde restaurante demonstram uma preocupação honesta sobre o destino e a finitude das coisas. De certo modo, é um momento particular que enxergamos as outras camadas da sua personalidade, nos afeiçoando brevemente – para logo depois o próprio criticar e colocar pra baixo a sua equipe de suporte inteira.

Ao fim da terceira temporada, os personagens se separaram em dois pequenos grupos. Shiv (Sarah Snook), Roy (Kieran Culkin) e Kendall (Jeremy Strong) fizeram uma tentativa frustrada de tomar as rédeas da corporação presidida pelo seu pai, enquanto Logan ficou com Tom, este que traiu a confiança da esposa para conseguir o mínimo apreço e finalmente conquistar seu espaço dentro da empresa. Como prometido, portanto, a quarta temporada será marcada pelo conflito entre esses dois grupos, ambos ambicionando poder, influência e dinheiro. Nesse episódio especificamente, os filhos finalmente conquistam a primeira vitória contra as tentativas do pai, que subestimou a coragem destes. A repercussão desse embate, contudo, só poderá ser vista no próximo episódio.

Antes de entrar na cena mais dramática, devo mencionar o quão engraçado foi descobrir os resultados da campanha presidencial do Connor (Alan Ruck). O filho mais velho de Logan é um coadjuvante na trama principal, mas guarda para si uma missão: tornar-se presidente dos EUA. Porém, seus gastos milionários na campanha quase não surtiram efeito, atingindo a marca impressionante de 1% nas pesquisas. E sua dúvida é se um investimento adicional de 100 milhões de dólares seja suficiente para que sua campanha não perca décimos e não seja considerada um fracasso (como se 1% não fosse cômico suficiente). Greg (Nicholas Braun) também passa por uma situação engraçada ao praticar relações sexuais com a parceira num dos quartos de Logan, onde Tom afirma que existem câmeras instaladas. Greg, então, fica preocupado e começa a questionar Logan durante o ponto mais crítico da negociação. Logo, enquanto todos estão preocupados com o desfecho do acordo, Greg fica completamente deslocado da seriedade e tensão do ambiente, resultando em cenas constrangedoras – e hilárias.

Para finalizar a análise do episódio, é preciso comentar sobre a relação entre Shiv e Tom. Após diversos momentos críticos em episódios variados, o casamento parece ter chegado no seu limite emocional. Cansados de manter algo desgastado e sem sentido, o diálogo que serve como desfecho do episódio é um dos mais sentimentais da série por representar o fim do amor a partir da consciência de dois adultos maduros que compreendem que aquilo ali acabou, por mais duro que seja. A cena com ambos deitados de mãos dadas é, desde já, uma das imagens mais marcantes e tristes do ano.

Tom, particularmente, possui um retrato melancólico. Enquanto este despreza as pessoas sem poder aquisitivo, algo que fica marcado nas piadas referentes à companheira de Greg, suas brincadeiras e gozações acobertam uma vida artificialmente construída pelo interesse, um casamento infeliz, além de relações de trabalho frágeis. É um personagem habilmente construído e atuado com excelência por Matthew Macfadyen, que traz consigo trejeitos quase infantis como alguém que não possui habilidades sociais suficientes para dizer aquilo que sente, apenas arrota arrogância para disfarçar a insegurança.

Portanto, Tom não é  retratado exclusivamente como um pobre coitado, mas também como um vilão oportunista e manipulador, indiferente em como as atitudes irão respingar em seus relacionamentos. Essa ambiguidade envolta dele, e de todos os outros, é uma das razões para a série se destacar em meio a tantas produções.

Succession volta aos domingos preenchendo uma lacuna possível de ser alcançada por raríssimas obras que tenham algo a dizer, mas principalmente mostrar – e isso ela tem de sobra. Chega com a proposta de combater uma associação socialmente construída entre poder aquisitivo e valores pessoais, como se o bilionário fosse exemplo de perfeição em carne e osso, uma idealização altamente difundida nesses tempos sombrios de coaching. Mesmo com a crueldade e perversidade de alguns personagens, a série é capaz de extrair sentimentalismo e sinceridade das relações de seus protagonistas, e destacar como estão perdidos tentando aprender uma lição fundamental: nem tudo se compra.

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John Wick 4: Baba Yaga: Uma viagem alucinante e brutal

“A good death only comes after a good life.”

John Wick é a definição ideal do exército de um homem só. Como dito exaustivamente, é um homem de foco, compromisso, de pura vontade. Keanu Reeves deu vida a um personagem que não demorou para se tornar um símbolo do gênero de ação. Mas muito além disso, tornou-se sinônimo de um estilo vibrante, frenético e brutal, onde a preocupação da câmera recai no posicionamento e na movimentação dos corpos em cena, responsabilidade do excelente Chad Stahelski.

O primeiro filme da franquia parte da premissa básica de um assassino aposentado, que se vê forçado a voltar à ação após o assassinato cruel do seu cão, presente de sua falecida esposa. Essa sede de vingança foi apenas escalando filme após filme, numa demonstração clara de que o cachorro era a superfície de um anseio interior maior e mais intenso. Essa ascensão da violência chega na Alta Cúpula, a grande organização criminosa deste universo ficcional; quando a bala de John Wick rompe todas as regras e mandamentos que mantém o sistema criminal operante, tornando-o alvo principal com uma recompensa milionária pela sua cabeça. Em seu quarto filme, John começa sua jornada para o acerto de contas com a instituição que lhe trouxe morte, sangue e consequências irremediáveis. 

Diferente do seu antecessor, John Wick 4: Baba Yaga demora alguns minutos para pegar no tranco. O filme pode ser observado como uma obra composta por três grandes sequências de ação, bem delineadas no começo, no meio e no fim. Para os acostumados à ação desenfreada da franquia, a proposta inicial pode soar estranha por se debruçar substancialmente nos diálogos e nas relações dos personagens, embora os clichês e as frases de efeito continuem aqui. Assim, pode-se dizer que o roteiro arquiteta estas cenas como apoio para o surgimento da ação, quase como a necessidade de carregar a arma antes de apertar o gatilho.

E quando o gatilho é apertado… o filme é uma obra inesgotável de luta, tiros, coreografias, sangue e brutalidade. As cenas funcionam como a culminação de tudo aquilo que o diretor e o restante da equipe aprenderam com os filmes anteriores. Há diversas repetições daquilo que já vimos, tanto em termos de escolhas estéticas da direção de fotografia e do design de produção (paleta de cores, enquadramentos, composição de cenário, iluminação e movimentos de câmera conhecidos) quanto de detalhes dos efeitos das balas, que ricocheteiam na blindagem ou explodem no crânio, mas a execução desses elementos em conjunto nas sequências de longa duração é um êxtase para o espectador.

Tal sentimento é constante ao longo das quase três horas de filme, porque é como se a obra fosse como o protagonista: inesgotável. O filme parece não cansar da ação, e é importante salientar como as cenas nunca se tornam exaustivas, pela habilidade do diretor ao constituir um ritmo que ofereça possibilidade de compreendermos aquilo que está na telona. A câmera é consciente de si, isto é, percorre o ambiente sem deixar escapar detalhes do campo de visão e da ação dos personagens. Sua movimentação também permanece contida, porque é mais eficiente você deixar brilhar a equipe de dublês e os movimentos treinados/coreografados do que balançar/chacoalhar para dar a falsa sensação de ação e dinamismo (né, Michael Bay?). 

Aliás, os dublês e as passagens de luta continuam sendo o ponto mais alto de John Wick, porque apresentam uma brutalidade real com técnicas e estilos verídicos, mas mantém certa teatralidade pelo excesso e o absurdo com tantos golpes num curtíssimo intervalo de tempo, que, combinados com a mise-en-scène bem pensada e executada, oferecem uma ação orquestrada como num espetáculo.

Nunca iria me perdoar se não reservasse um parágrafo para comentar sobre uma das maiores sequências de ação que já assisti dentro da sala de cinema. Não havia como cronometrar, mas acredito que a parte final contenha mais de quarenta minutos de ação postergada de ação e antecedida por ação. O que ocorre é tão frenético que só termina literalmente nos créditos finais. Sem respiros ou tempo para se ajeitar na poltrona, o terço final combina a estrutura de anúncio de recompensas da Cúpula feito exclusivamente por mulheres via rádio (já apresentada em filmes anteriores) com a perseguição por John Wick. Os anúncios de aumento da recompensa, como também da localização em tempo real de John, são acompanhados por músicas na transmissão. É como se colocasse uma playlist no Spotify ditando o ritmo da carnificina. Em dezenas de minutos, os ambientes se alternam entre ruas, pontos turísticos, cômodos e escadas (importante salientar a sequência com o uso do plano zenital que será lembrada por diversos anos); os tipos de arma se modificam de pistolas à metralhadoras (ressalto aqui a edição de som da arma explosiva); e as ameaças vão ficando gradativamente piores. Minha tremedeira ao final é a única resposta possível para exemplificar o sentimento provocado pela experiência.

Outro ponto fundamental é a integração completa da cultura oriental na narrativa de John Wick. Mesmo sendo pincelada no terceiro filme, aqui os aspectos orientais ficam em evidência e são articulados pelas escolhas narrativas do longa. Principalmente no início, o ambiente oriental é o palco principal, com os estilos de luta e armas complementando essa representação. A adição do personagem Caine (Donnie Yen) é absolutamente espetacular, sendo este responsável por roubar a cena quando passa.

Porém, o maior destaque desta integração fica na predominância da temática da honra acerca da trajetória de vida, e como as escolhas possuem consequências às vezes definitivas. De certo modo, o filme tenta encontrar razão para a insanidade que John Wick persiste em manter e percorrer mesmo sofrendo perdas irrecuperáveis, oferecendo delicadeza ao retratar as escolhas de um assassino aparentemente impiedoso e inescrupuloso num caminho sem volta. Essa constatação é marca de como um exercício de gênero de ação se permite sensibilizar-se com a história de seu protagonista, possuindo virtudes para além das suas coreografias, cores, sons e luzes estonteantes. 

John Wick 4: Baba Yaga é o ápice da franquia e, possivelmente, uma conclusão plausível e satisfatória sobre um marido que buscou sangue como forma de sobreviver à dor do luto. Afinal,o pequeno cachorro serve como um pretexto para as profundas ânsias de John Wick, que o usa como justificativa para respaldar toda a sua aparente sede de vingança ao reproduzir violência. Mas balas não funcionam contra a inevitabilidade da morte – e do sofrimento proveniente -, são apenas tentativas frustradas de curar a ferida profunda e incurável. Assim, John Wick se reveste como Baba Yaga para dar vazão àquilo que o impede de prosseguir; mas se empenha para ser lembrado como um marido dedicado, e não como o maldito que matou três homens no bar com a porra de um lápis.   

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Army of Thieves encontra o equilíbrio virtuoso entre único e familiar

Após o sucesso estrondoso do filme dirigido por Zack Snyder, ‘Army of the Dead’ (Clique aqui para conferir nossa crítica do filme), esse novo universo tende a se estender mais ainda mostrando o passado do amado personagem do longa original, Ludwig Dieter (Matthias Schweighöfer). Enquanto o mundo estava passando pelo surto dos zumbis em Las Vegas, a atenção foi completamente roubada, e então uma misteriosa mulher decide contatar Ludwig para um dos maiores assaltos já vistos na história, nos cofres mais lendários já feitos, e que são a paixão do protagonista, e que conectam ambos os filmes.

Sua história tem seus pontos singulares, como a trama com zumbis, o conto por trás de cada cofre, personagens originais, mas em um todo: Não é revolucionário no meio de filmes de assalto a bancos, e não há problema nenhum nisso, pois seu charme não está em se diferenciar nisso: Está em como isso é criado. A construção da identidade aqui é algo que é feito com maestria, e que definitivamente, não teria o mesmo impacto se não fosse pela direção e roteiro.

Quem dirige o longa é o próprio protagonista, Matthias Schweighöfer, e seu roteiro é feito por Shay Hatten (John Wick: Parabellum)  e Zack Snyder. O fator de seu personagem ser a pessoa por trás de tudo isso só torna mais fácil a imersão e o entendimento da história, logo que, tudo aqui é visto através do contar do próprio Dieter. E como o seu início de carreira em filmes norte-americanos, sua direção apenas foi explorada em uma série e poucos filmes estrangeiros, pode se dizer que Matthias tem um futuro extremamente promissor; apesar de não ser perfeita e em poucos momentos cometer certos deslizes (alguns até por culpa da edição em si), a atenção ao detalhe e o ritmo se alcança de maneira esplêndida. O seu excelente roteiro também é um grande auxílio, a criação das personagens, cenas, interações foi fundamental para que a direção capturasse a verdadeira essência do que estava sendo proposto aqui. Cenas mais tensas, mais cômicas (que, sem dúvidas, é o suprassumo do longa) e o desenvolver de tudo, é magnifico. Em alguns momentos é possível ver uma influência de Zack na direção, e pode acabar tirando foco da marca de Schweighöfer, mas também auxilia para que seja feito com uma mão mais experiente – é uma faca de dois gumes.

E falando sobre os atores, a composição de tudo, desde química até background, tudo é muito encaixado e diverso para que funcione de fato. A escolha de ter cada um com uma nacionalidade cria uma identidade e diferencia de outros estereótipos do gênero. Consequentemente, alguns tem mais destaque que outros, mas mesmo assim, tudo tem sua belíssima funcionalidade. O único fator ruim no elenco, foi seu ‘vilão’, Delacroix (Jonathan Cohen), que é extremamente caricato e pouquíssimo interessante. Por mais que tenhamos mais de um, como Beatrix (Noemie Nakai), entrega algo muito mais interessante, mas pouco focada. Também temos uma cena envolvendo crianças supostamente ‘brasileiras’ que ficou no mínimo esdrúxulo, por mais que tenha sido uma cena divertida.

Em seus pontos técnicos, não há o que falar sem ser elogios. Sua trilha-sonora é composta por Hans Zimmer, e somente por esse nome já se cria uma expectativa enorme, mesmo não sendo seu maior trabalho, não desaponta nem por um segundo. Sua fotografia é incrivelmente bem executada, e também chega a se lembrar o trabalho de Snyder, que é exemplar. Mas sua maior graça está no trabalho sonoro, que é muito bem detalhado, mas poderia ter sido mais explorado, de certa maneira. Vale também pontuar o ótimo uso da cenografia e locais, assim como de um trabalho de figurinos incríveis, e que sabem se imergir bem com a trama. O seu CGI é muito satisfatório, principalmente em cenas onde os cofres são abertos.

Army of Thieves é um filme divertido, que consegue entregar diversão e certos momentos de tensão (por mais que, tenha seu final meio “estragado” para quem já assistiu Army of the Dead”), pode decepcionar quem busca algo mais sério. Definitivamente, é um ótimo filme para o início da carreira de Matthias, e que consolida mais ainda o universo que Zack Snyder está criando com tanta atenção e dedicação.

Nota: 4/5 – Ouro

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Aquarius (2016): Resistência à demolição

Aquarius não é um exercício de gênero, mas de brasilidade. A visão lúcida de Kleber Mendonça Filho diante do cenário brasileiro – as dificuldades profundas sofridas por um país marcado pela desigualdade, da riqueza cultural promovida pela diversidade notória, da violência à arte urbana, da favela ao condomínio de luxo – amplia os horizontes da função do país no longa, não sendo só um espaço cinematográfico para os personagens contracenarem, mas uma amostra concreta sobre as contradições brasileiras. 

Por se tratar de um filme nacional, dirigido por um dos maiores expoentes da direção no país, há de se esperar certo saudosismo às nossas próprias referências culturais, uma exaltação intensa do que existe de melhor no Brasil. Contudo, logo nos primeiros minutos, a protagonista Braga coloca um CD no rádio do carro, a música era nada menos do que Another One Bites The Dust, da banda Queen. Oras, um filme brasileiro não precisa – e nem deve – se submeter à negação de fontes externas de cultura, afinal, algo marcante nos dias atuais é a forma com que as outras culturas se aproximaram, e de certa forma se misturaram, em vários setores da sociedade brasileira. E a coragem de Kleber ao assumir essa identidade conflitante, fazendo com que a paixão da protagonista seja exemplo dessa mescla de gostos e culturas distintas, deixa ainda mais autêntica – e autoral – a sua visão inserida na obra.

O filme parte da demolição planejada por uma construtura do condomínio Aquarius. A construtora, contudo, tem um empecilho para dar continuidade ao projeto: a única dona que sobrou no prédio inteiro, Clara (Sônia Braga), nega impiedosamente qualquer oferta para compra do apartamento e não abre espaço para negociações, independente do valor oferecido. As razões para suas decisões nunca ficam concretamente evidentes, mas tampouco é necessária a explicação destas, já que, um dos principais objetivos de Aquarius é justamente demonstrar, por meio das imagens, das músicas, das memórias, entre outras ideias, a força da relação afetiva da dona para com o apartamento. Não é apenas um espaço substituível e passageiro, porém, um local onde ocorreram momentos únicos e especiais, mas também casuais e banais, todos estes que constituem a vida de uma pessoa, e qual ato seria mais honesto do que a tentativa de assegurar e proteger suas memórias? 

E a partir do momento que o roteiro, também escrito por Kleber, estabelece a luta incansável de Clara para resguardar suas memórias e sua história dentro do apartamento, a protagonista ganha uma dimensão profunda sobre sobrevivência; se manter e se sentir viva. Braga vive intensamente cada momento, seja participando de uma festa, se relacionando com um homem ou presenciando a conversa banal dos filhos, ela constantemente adquire e constrói memórias. Do mesmo modo, as cicatrizes, internas e externas, das dificuldades e problemas enfrentados por ela, como por exemplo o tratamento de câncer, que retirou uma de suas mamas, – e embora o tratamento não seja importante pra trama, as consequências deste são – formam o caráter persistente de Clara. Em uma aparente cena passageira, no banho, vemos apenas um seio enquanto o outro, ausente, foi retirado por conta do câncer de mama. Contudo, essa consequência drástica não afeta em nada – e nem deveria – a autoestima de Clara, e a direção de Kleber tampouco torna sensacionalista a abordagem da saúde de Clara.

Essa característica em particular trata de ressaltar a resiliência da protagonista, já que, quando ela chama um garoto de programa para satisfazê-la, tira o seio para fora e deixa o corte escondido na camisa, não como um ato de vergonha, mas de resistência. Embora fragmentada por perdas irrecuperáveis, tratamentos difíceis, com o apartamento ameaçado pela construtora, Clara mantém a força que lhe possibilita prosseguir na vida, persistindo no sexo, no mar, no edifício Aquarius; buscando prazer e a constituição – ou conservação – de memórias, o valor incalculável da vida. Tudo isso carregado emocionalmente por uma atuação brilhante, por compreender a personagem e os momentos singelos de respiros e olhares, de Sônia Braga.

A abordagem psicológica e física de Clara seria suficiente para o roteiro de Aquarius, mas Kleber, como dito, tem uma visão pertinente sobre o cenário brasileiro, e não só emprega uma visão crítica e reflexiva acerca do caráter contraditório do território nacional, como também aproxima o espectador de elementos concretos da desigualdade, seja nos ambientes distintos que se inter-relacionam, ou nas dificuldades casuais dos personagens. 

O diálogo sincero e completamente honesto entre a protagonista e o sobrinho Tomás reflete como a consciência social é importante na formação dos brasileiros. As dificuldades estão tão intrínsecas à história brasileira, que saber compreendê-las parece uma lição passada de geração para geração. Se o filme é sobre herança afetiva, memórias e lembranças, uma das heranças que Kleber reconhece ser a mais importante é justamente o reconhecimento dos problemas sociais, raciais e econômicos que geram e mantém essa realidade perversa. E a escolha do diretor da conversa ocorrer na faixa litorânea, onde as imagens contrastantes da cidade ficam visíveis e tornam-se plano de fundo, enaltece o quão imprescíndivel é para o brasileiro conscientizar-se da situação precária do país, capaz de gerar uma corrente hereditária de indignação.

Com a brasilidade sendo um dos temas principais de Aquarius, situações cotidianas tão bem representadas em tela contribuem para a concretização deste exercício autoral. Deixar o filho com a avó, a briga entre o dono da empreiteira e Clara, o aniversário da empregada, são todas situações distintas mas sintomáticas de um espaço onde as diferenças estão tão reunidas e – por que não? – naturalizadas. O embate entre a protagonista e, por assim dizer, o antagonista pode soar um tanto quanto clichê, mas é perceptível como as frases e os diálogos aparentemente comuns oferecem uma didática necessária; às vezes é preciso ir direto ao ponto, sem construções retóricas rebuscadas ou grandes discursos motivacionais; as escolhas simplistas dão voz ao ambicioso discurso do filme. 

Aquarius é sobre um país cuja memória não se perdeu, mesmo com tantas influências externas, empecilhos sociais e sabotagens internas. É sobre a persistência dessa cultura no meio de tanta contradição (a dona Braga insistindo em ficar no apartamento), é sobre tocar Queen no rádio mas reconhecer e valorizar as produções nacionais, ir no restaurante luxuoso e na laje da favela, criar um laço familiar com a funcionária, reconhecer desigualdades e se indignar com a tentativa de normalizá-las, é sobre o saudosismo nacional nunca explícito, que percorre o roteiro. 

É, finalmente, sobre o Brasil. O edifício inteiro persistindo, durando, se prolongando, mantendo-se vivo e intacto, ainda que tenha milhares de cupins no interior.

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As séries da Marvel são apenas boas, e isso é maravilhoso!

Esta publicação está sendo escrita logo após o segundo episódio da série da Marvel, Falcão e Soldado Invernal, mas não teremos spoilers desta série, mas sim de WandaVision. O que  falarei aqui é uma opinião a respeito das séries, assim como qualquer outra opinião ela pode ser mudada no futuro. Caso aconteça vocês saberão, ou não.

 

 

A primeira coisa a se falar é que as séries da Marvel são boas, de fato, assim como aquelas que foram canceladas pela Netflix, Demolidor, Jéssica Jones, Luke Cage, O Justiceiro e Punho de Ferro e Os Defensores (estes dois últimos nem tanto). Até por que se não fossem boas teriam sido canceladas na primeira oportunidade, sem segundas temporadas (algumas), e não após a Disney anunciar um serviço de streaming próprio. Certo?

Mas o que tenho a falar aqui não envolve só as séries, envolve os filmes da Marvel também, até pelo fato desses apêndices serem comercializados como Universo Cinematográfico da Marvel – MCU ou parte dele. A questão aqui é o simples fato das séries serem boas, mas não acrescentarem em nada o desenvolvimento dos personagens que já conhecemos das telonas. Quando falo de desenvolvimento, é literalmente o seu sentido completo, como crescimento, evolução, progresso, e não de informações sobre o personagem passado para nós. Porque isso é passado, o que passamos a conhecer mais, durante a série sobre determinado personagem nada mais é, aquilo que ele já passou. Poderíamos não saber a respeito, mas ele já sabia e tudo o que ele é naquele momento (presente da série), é resultado deste passado. Assim como todos os eventos que nos levaram a ser como somos hoje.

 

 

Pegando WandaVision como exemplo, já que a série foi finalizada e foi a primeira a ser lançada nesse novo modelo adotado pela Marvel, podemos dizer que a protagonista Wanda não evolui durante a série. “Como assim? Tudo que ela passou durante a série não a fez evoluir?” Correto, não evoluiu. Ao final de Vingadores Ultimado, Wanda termina seu pequeno arco em luto pelo seu namorado/marido/esposo Visão, até que começamos a série com ela enfrentando estas mesmas dificuldades, porém com o acréscimo de tentar gerir tudo aquilo que ela esta provocando, manipulação mental dos cidadãos da cidade e cárcere (além de toques na manipulação da realidade). “E como ela evoluiria na série?” Primeiramente, ela passaria pela fase de luto, compreenderia que seus poderes usados de forma não responsável podem causar um dano gigantesco. E como terminamos a série todos nós que assistimos a série sabemos, de luto pelos seus filhos que só existiam dentro da sua realidade criada dentro do domo, e pelo Visão que nunca retornou dos mortos de fato.

Então entra o questionamento, mas o Visão passou suas lembranças para o Visão Branco, a Wanda teve contato com Agatha outra bruxa e aprendeu novos truques (nas hqs ela é inclusive a professora de Wanda Maximoff nas artes mágicas), e ao final estava estudando com o livro pego desta bruxa. De fato temos essas questões que são facilmente explicadas. A primeira é que o Visão Branco era um projeto secreto dentro da S.W.O.R.D – E.S.P.A.D.A, e só quem o viu foram Wanda, Visão, Monica Rambeau, EMT e Darcy. Além do fato dele ter desaparecido após a conversa de Barco de Teseu com Visão original, o que nós leva a necessidade de uma explicação por parte destes personagens para o alto escalão de personagens do Universo Marvel. Se há explicação não há evolução.

 

 

Nós temos que entender que séries e filmes mesmo dividindo o mesmo universo, são produtos para mídias e públicos diferentes, claro que existem aqueles grupos em comum, mas não idênticos – veja o pequeno gráfico que montei para explicar melhor. Imagine a confusão que a Marvel causaria no público comum (público que é alvo da Marvel), podendo causar um desinteresse, ao apresentar uma Wanda completamente diferente em uma sequencia cinematográfica, entretanto é fácil mostrar que ela simplesmente agora tem um novo uniforme, como qualquer outra super-heroína que muda de uniforme ou de visual todo filme, e que ela agora tem um livrinho pra estudar. Bem simples, sem precisar resumir a temporada inteira os acontecimentos etc. Mas o ponto é que no final das contas ela se encontra no mesmo estado, com psicológico abalado, e agindo de forma emocional, do mesmo jeito em que terminou o último filme em que participou. Ou seja, nesse ponto de vista que compartilho, não houve evolução da personagem.

1 – Público fervoroso (As vezes estou nesse, ou no 3).
2 – Público importante para o streaming.
3- Público Importante para os cinemas.
4 – Público mais recente, que pode ou não ter começado a acompanhar o MCU recentemente.

 

Um outro exemplo, bastante engraçado, já que faremos um exercício de pensamento inverso, é falarmos de OVAs e filmes de animações japonesas, animes. Me desculpem aqueles que possuem um conhecimento maior em relação a este tipo de mídia, mas aqui vou falar de forma fácil e genérica para demonstrar o ponto da evolução da história.

Um OVA (Original Video Animation), ou filme baseado em animes, normalmente são lançados fora da plataforma original deste anime, geralmente são spin-offs, e não possuem relevância significativa com a história principal. Mas possuem um enredo que trabalha mais o passado de cada personagem, trabalha alguma informação nova, mas que ao voltar para o anime, demandará de explicações. Ou seja, considerando os filmes da Marvel como um anime, que possuem dentro de cada obra seu desenvolvimento de personagens e trama, as séries podem ser encaixadas como esses spin-offs que sim, agregam. Mas não interferem na história principal que é o que temos no cinema.

Se pararmos para analisar de forma fria, até mesmo alguns filmes funcionam desta maneira. Como é o caso do Incrível Hulk com Edward Norton no papel de Bruce Banner, os primeiros filmes de Thor e Capitão América. Todos eles foram implementados de formas independentes, com pequenos easter eggs que os fãs mais fervorosos puderam perceber, e só depois de estabelecidos de forma correta, passaram a ter uma importância maior na timeline do Universo Cinematográfico da Marvel – MCU.

Pode ser, que as séries conversem entre si de forma mais concreta no futuro, e que eles realmente interfiram nos cinemas (o que acho difícil), mas no momento, com o material que temos em mãos isso não está parecendo possível.

 

Contudo, eu não desmereço as séries, muito pelo contrário, quanto mais conteúdo melhor, até porque sem elas eu não estaria escrevendo esta matéria. Sou consumidor, e admiro este trabalho que a Marvel faz, com relação a entender o seu público alvo de cada mídia, o que a faz grandiosa. Esta publicação serve para responder algumas perguntas daqueles que tem medo ou dúvidas do futuro que a Marvel está montando. “Será que vou precisar assistir todas as séries?” “Será que tudo vai ficar diferente de uma hora pra outra?” A resposta é simples, e direta. Não! A Marvel, sabe o que faz e não vai sair mudando tudo que ela construiu em mais de 10 anos de trabalho duro nos cinemas. Pode ficar tranquilo!

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Nocturne: O piano, a irmã e o demônio

Se juntarmos Whiplash (2014) e Cisne Negro (2010), teríamos como provável resultado Nocturne. Embora acredite que o filme não seja absolutamente uma mistura dos dois – porque o resultado de uma junção total seria potencialmente melhor -, Nocturne sugere uma história de terror aos moldes dessas narrativas, misturando elementos psicológicos e sobrenaturais, tratando da obsessão em um cenário musical extremamente competitivo, requisitando sacrifícios de seus competidores, sejam eles no âmbito físico, psicológico, ou até mesmo espiritual.

Nocturne se apoia em uma ambientação muito bem fundamentada. Começando por uma cena completamente aterrorizante, onde vemos um corredor vazio fazendo alusão à “perspectiva kubrickiana”, ao passo em que revela uma porta semiaberta e o cometimento de um suicídio sem explicação aparente, nos introduzindo um mistério que perturba tanto o espectador como a própria trama. Esse momento é parte importantíssima da obra, e é tratado pelas pessoas da cidade como qualquer outro personagem genérico do gênero: “Viram que tal moça morreu?”. Apesar de tantas limitações criativas, Nocturne cria um cenário harmônico interessante, onde a obsessão pela perfeição, a tensão competitiva e o mistério sobrenatural se correlacionam. Somos apresentados à Juliet e Vivian, irmãs gêmeas que estudam no mesmo colégio de música e batalham por uma vaga em um instituto altamente reconhecido.

Vivian e Juliet podem ser gêmeas, mas vivem vidas distintas, apenas compartilhando gostos e sonhos semelhantes. Enquanto Vivian é bem-sucedida nos ensaios e nas apresentações, conseguindo vagas para competições, além de ter uma vida cercada de amigos, sexualmente ativa, Juliet, a protagonista aqui, é introvertida, com poucos amigos e sem atingir o prestígio musical de sua irmã. Mesmo sendo esforçada desde pequena, Juliet viveu às sombras da irmã pela vida toda. O sentimento ambíguo por Vivian é tratado de maneira pouco surpreendente, sendo mais um elemento genérico (dentre vários). A tentativa de se sobressair à imagem da irmã, traçando um horizonte de vingança e ódio, é um aspecto ultrapassado que não consegue ser abordado por uma outra perspectiva, tratando as impulsões da protagonista por meio de justificativas superficiais, dignas de produções juvenis de baixíssima qualidade.

Pelos exemplos acima, dos personagens discutindo as mortes aos fundamentos da protagonista, percebemos que esses elementos, apesar de genéricos, funcionam até determinado ponto. A responsabilidade disso está nas mãos do diretor Zu Quirke, que parece tirar leite de pedra. Para ser mais exato, o diretor busca tirar algo de proveitoso de um roteiro que, nas mãos de alguém um pouco menos capaz, resultaria em um novo 7 Desejos (2017) (Deus nos livrou dessa). As construções visuais e as soluções propostas por ele para exemplificar os esforços e os conflitos de Juliet são de alto nível, sejam por reflexos através de objetos em cena, ou da inserção da trilha em planos que têm algum valor à trama. Contudo, tenho a leve impressão que os sintomas do roteiro são altamente transmissíveis, porque afetam o próprio trabalho do diretor. Apesar dos esforços e das belas concepções visuais, a execução trava na pouca ambição refletida do roteiro. Nocturne não tenta impactar o público, criar uma história única, ou tentar, mesmo estando na zona de conforto, apresentar um material de alta qualidade. Nocturne é mais um tapa-buraco do catálogo do Prime Video que uma obra cinematográfica digna de nota.

E onde está o terror em Nocturne? Não existe uma resposta concreta para a pergunta; posso relatar que não há jump scares convincentes, ou algo que se desenvolva para criar um cenário amedrontador, o filme é tão leve nesse sentido que talvez funcione até para crianças. Infelizmente, Nocturne se inspira em grandes filmes, contudo, não os aproveita como deveria. Se tratando de Whiplash, a obsessão pela prática e o caminho em busca da perfeição poderiam dar à narrativa um peso opressor e dramático substancial, mas são quase que descartados do meio pro final; enquanto, por parte de Cisne Negro, os conflitos psíquicos de Juliet são minimizados, tratando superficialmente as relações entre ela e os seus obstáculos, comprometendo sua transformação enquanto musicista. Devido às atuações das atrizes Sydney Sweeney e Madison Iseman – com um futuro brilhante pela frente – os conflitos das personagens ganham uma parcela de dramaticidade, porém, o filme não se encontra, ficando em uma corda bamba, nem indo para o lado da trama psicológica, tampouco ao terror sobrenatural, ambos reduzidos às conveniências do roteiro previsível.

Nocturne, portanto, é um filme que tem seus bons momentos e, através das soluções de seu diretor e das ótimas atuações de seu elenco, consegue apresentar um ambiente introdutório que dita um tom misterioso agradável. Entretanto, suas competências esbarram em um roteiro absolutamente limitado, que não sabe expressar as reais intenções da história. Há sempre um limite para a quantidade de leite, possível de ser retirado, de uma pedra. Em um gênero tão amplo e complexo, que ganha cada vez mais notoriedade nas mãos de grandes artistas, obras pouco ambiciosas ficarão nas sombras do esquecimento.

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Enola Holmes: A sessão da tarde que precisamos

A nova obra distribuída pela Netflix promove uma sessão leve e tranquila. Se tivéssemos filmes como Enola Holmes no programação da Sessão da Tarde estaríamos muito bem servidos. Assistir à história da pequena detetive resulta em uma leveza totalmente necessária por agora. Contudo, sua leveza não é obstáculo para tratar assuntos sérios e pertinentes de maneira correta, com a extrema sensibilidade requisitada por eles.

Enola Holmes é irmã do mais conhecido detetive da literatura e das artes, Sherlock Holmes. Com adaptações, tanto na TV como no cinema, além das diversas edições produzidas por Arthur Conan Doyle, sua fama foi o construindo em um verdadeiro símbolo da cultura. Palavras e expressões como “elementar” e “meu caro Watson” ficaram popularmente conhecidas e usadas ao redor do mundo; a perspicácia do detetive aliada à complexidade das tramas que Doyle concebera o fizeram ser uma figura incontestável, de julgamentos indispensáveis. Através da obra de Nancy Springer, tivemos o surgimento de uma caçula na família Holmes, Enola, onde esta toma o protagonismo para si. E em sua adaptação cinematográfica, Enola é justamente a caçula que toma as rédeas da história, colocando às vezes o próprio “maior detetive da história” no bolso.

E é nessa mudança de protagonismo que Enola Holmes funciona tão bem, como filme e discurso. Millie Bobby Brown, que fez sucesso escandaloso em Stranger Things, interpreta aqui uma menina completamente transgressora das regras sociais impostas na Inglaterra do século XIX. Sua postura é resultado da criação provida pela mãe, Eudoria Holmes (Elena Bonham Carter), que participa de movimentos feministas ingleses enquanto ensina a filha tudo o que for necessário para torná-la uma cidadã exemplar, mas, principalmente, livre. O desaparecimento da mãe, contudo, ocorre de forma repentina e serve como ponto de partida ao desenrolar da trama, fazendo com que Enola saia em uma busca desenfreada. Millie, aliás, é impressionante no papel, conseguindo aplicar um tom equilibrado à personagem, enquanto consegue mostrar rigidez e descontentamento nas horas corretas, também sabe evidenciar as dificuldades e os conflitos internos da protagonista, afinal, é apenas uma garota de 16 anos.

Como elenco de apoio, temos Sam Claflin e Henry Cavill como Mycroft e Sherlock, respectivamente. Ambos compõem a família Holmes e são irmão de Enola. Por ser o irmão mais velho, Mycroft, devido ao desaparecimento da mãe, se torna responsável pela guarda de Enola e decida colocá-la em um internato. E digo logo de cara que Claflin está ótimo, mesmo com poucas cenas e cumprindo um papel burocrático, o ator tem as feições e os gritos de um verdadeiro malfeitor de um filme infantojuvenil. Do outro lado, temos o nosso detetive Superman – e talvez isso seja suficiente. Diferentemente de Millie, que consegue distanciar Eleven de Enola, Cavill se tornou tão icônico no papel de Superman que não se consegue diferenciá-lo de Sherlock, e a atuação dele, embora não comprometa, pouco ajuda nessa desassociação. Entretanto, não há só lados negativos na interpretação de Cavill, seu figurino e sua maquiagem, além do notório físico do ator, dão imponência à presença de Sherlock no ambiente – repare na cena do internato, onde a luz solar se confunde com a figura de Sherlock; nela, podemos dizer que há realmente um Sherlock Holmes.

Acerca da narrativa, há surpresas agradáveis na direção de Harry Bradbeer. O diretor encontra soluções criativas para o desenvolvimento da história, como o uso fluido dos flashbacks na montagem junto às cenas do presente; quando Enola se encontra em uma enrascada, se lembra imediatamente da mãe a ensinando e a treinando – existe uma passagem particular onde ocorre uma briga física (até onde a classificação 12+ permite), e as cenas do passado e do presente se intercalam criando um ritmo muito satisfatório. Complementando esse sensação, a trilha sonora composta por Daniel Pemberton é animada e eleva o tom aventuresco do filme. Outra solução interessante de Bradbeer é o uso da quebra da quarta parede; quando o autor olha para a câmera e conversa diretamente com o espectador. Millie parece dominar a técnica há anos, conseguindo, através de poucos olhares à câmera, expressar tudo o que ela está passando. E o estilo da movimentação da câmera – captando a ação das cenas juntamente às quebras de Enola – é um ponto altíssimo da cinematografia de Giles Nuttgens (com belo currículo.).

Contudo, o virtuosismo técnico de Enola Holmes esbarra na própria limitação do diretor. A quebra da quarta parede e a montagem dos flashbacks são bem executados, mas usados em excesso constrangedor, porém, compreensível pelo público-alvo. A Enola fala tanto, mas tanto com a câmera, que esse elemento começa a se desgastar e você só quer que a história dê prosseguimento no meio de inúmeras interrupções. Os flashbacks também são excessivos, usados demasiadamente na explicação de QUALQUER momento importante ou decisivo dos mistérios apresentados. Parece que o Bradbeer se acomodou nesses elementos e esqueceu que um filme investigativo também pode ser solucionado e desenvolvido com outros auxílios, sem excessos ou soluções fáceis (presentes aqui).

Em relação ao tema proposto de Enola Holmes, só elogios a serem feitos. A história é sobre emancipação e amadurecimento, onde coloca uma garota tendo que enfrentar diversas opressões, de caráter social principalmente, que ditam normas e regras pautadas em um conservadorismo moral gritante. Mesmo que estes assuntos espinhosos estejam dimensionados a um público mais infantil, o filme não deixa de tratá-lo com a seriedade devida, servindo como incentivo para jovens que buscam viver seus próprios desejos e convicções. Além disso, a mensagem construída no final aquecerá até o coração dos mais velhos, concluindo uma trama marcada por superações e pela busca de autonomia.

Enola Holmes é, indiscutivelmente, a sessão da tarde em sua melhor expressão. Há aqueles que tratarão o filme como um simples conto infantojuvenil – e ele também é isso – e deixarão escapar significados que possam interessá-los. A lição que fica é nunca subestimarmos filmes que, no início, possam parecer que não têm nada a dizer. Esta obra não é o caso, embora passe longe de ser perfeita.Para quem está trabalhando?”, “Inglatera.”, é um bom exemplo de diálogo que reflete a capacidade de um filme infantojuvenil ser tão sutil e, ao mesmo tempo, tão ambicioso ao trabalhar seu discurso. Em tempos difíceis como esse em que vivemos, talvez essa ambição seja o que precisamos.

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Fine Line: o álbum que mostra como Harry Styles se consagra como um artista solo

Desde seu início de carreira no One Direction, Harry Styles já apontava ser um dos membros que mais chamaria a atenção em seu futuro. E realmente, com seu primeiro álbum solo, Styles já buscava sua própria identidade visual na música, explorando vários ritmos, estilos musicais e diferentes abordagens em cada faixa. Agora, em seu segundo álbum, Fine Line, Harry consegue com maestria juntar seu conceito e misturar com vários estilos diferentes.

Nós começamos o disco com a faixa ‘Golden’, e acho que não teria forma melhor de começar; aqui vemos as primeiras formas do estilo criado pelo cantor britânico. Já é possível ver a inspiração do músico nas trilhas dos anos 70, e como ele consegue misturar um pop-rock que gruda. Vale lembrar que também já começamos a ver como Harry tem uma habilidade incrível na parte lírica.

Tastes like strawberries on a summer evening ,and it sounds just like a song“, ‘Watermelon Sugar’, uma faixa mais voltada para o pop e para o comercial. Tem uma musicalidade bem doce e que cativa facilmente a atenção do ouvinte. Também mostra como o Styles sabe variar de forma boa e sem perder seu foco de música em música.

Adore You‘ é provavelmente a faixa mais romântica do álbum, e que mais chamou a atenção do público. Voltada para o pop, sua lírica é marcante e provavelmente a que ficará na mente de todos por um bom tempo. Em seguida, temos ‘Lights Up‘, que também é uma das mais populares e que mostram muito como o cantor está mais maduro, e que agora só quer olhar para o seu futuro.

Quase como uma transição, somos apresentados a faixa ‘Cherry‘, a primeira faixa melancólica e sensível do disco, que é inspirada pelo término do namoro de Harry com a sua ex-namorada, Camille Rowe. “Não o chame de amor. Não estamos nos falando ultimamente. Não o chame pelo que você costumava me chamar“. O violão, as distorções e também a voz da modelo trazem um sentimento delicado e doce para a música.

Enquanto tentamos nos recuperar de Cherry, o som de ‘Falling‘ começa e quebra nosso coração em segundos. Com uma forte presença de um piano e guitarras ao fundo, o vocal de Styles traz mais  dor à parte lírica da música. “O que eu sou agora? O que eu sou agora? E se eu for uma pessoa que não quero por perto? Estou desabando de novo, desabando de novo, desabando“. Com toda certeza, uma das mais bonitas e dolorosas do álbum. Vale ressaltar que nessa, o cantor consegue abandonar de certa forma o pop que seguia nas faixas anteriores, e atingiu uma musicalidade que lembra mais uma faixa do Snow Patrol.

Com um dedilhado doce e mais alegre, ‘To Be So Lonely‘, traz uma das faixas mais amáveis do disco. Lembrando muito o estilo musical do Sufjan Stevens, vemos uma junção de algo parecido com um folk-pop. Sendo praticamente uma continuação de Falling e Cherry, o cantor fala sobre a superação, ou quase, do término. Em partes da música como “Não me culpe por me apaixonar, eu era só um garotinho. Não culpe a ligação embriagada, Não estava pronto para tudo isso.” e “Não me chame de “amor” novamente. Você tem seus motivos,  sei que você está tentando que sejamos amigos, sei que está sendo sincera. Não me chame de “amor” novamente, é difícil para eu ir para casa, ficar tão solitário.” remetem as faixas anteriores.

Sedutora e sensual, ‘She‘ é uma das faixas que mais se destacam no álbum. Com uma musicalidade extraordinária com várias guitarras, distorção, traz uma sensação nostálgica de um Blues-rock dos anos 70. “Ela (Ela) , ela vive sonhando acordada comigo (Ela). Ela é a primeira que eu vejo, e eu não sei o porquê.“, a letra conta sobre um novo relacionamento de Harry. Em seguida, temos provavelmente a faixa que mais passa despercebido, ‘Sunflower, Vol. 6‘, traz muito da inspiração do cantor no Prince, com vários efeitos, guitarras e sintetizadores.

Canyon Moon segue a linha de musicas bem humoradas e de alto astral. Com uma musicalidade que lembra muito The Beach Boys, e até Fleetwood Mac. Com toda certeza, é impossível não ficar feliz escutando essa faixa. Nela, Styles conta sobre a saudade e em formas bem poéticas, com uma lírica digna dos anos 60/70.

Treat People With Kindness e Fine Line são casos tão opostos, porém, tão unidos e únicos. Poderia dizer que as duas faixas mostram bem o que o Harry quis criar para sua identidade musical, ela mostra que ele sabe conduzir virtuosamente entre a felicidade e a melancolia em suas faixas. Se for para fazer seus fãs chorarem ou dançarem, ele consegue fazer bem os dois casos. Talvez não sejam as musicas mais icônicas ou as melhores do disco, mas com toda certeza, são as mais importantes.

Fine Line é uma balada, é uma melancolia, é um adeus à alguém que Harry era; é um amadurecimento, uma superação, um grande passo. Com toda certeza, esse é o tipo de álbum que até para quem não gosta de pop, será memorável.

É notável que Harry se encontrou nesse álbum, que sabe o que ele faz de melhor e como fazer para progredir. É extremamente dificil ter que unir gêneros, conceitos e aprender a lidar e melhorar o seu estilo. Parece que ele não tem dificuldade alguma para fazer isso. Cada faixa tem seu toque, seu estilo e fica na cabeça durante dias. Também é merecido citar como a utilização de inspirações do cantor ajudaram esse álbum e seu estilo, você percebe a grande influencia de David Bowie, Prince, Fleetwood Mac, e vários outros. Por mais que algumas fiquem mais apagadas, isso não interfere na qualidade delas, e na importância. É com tranquilidade que se pode dizer que esse disco é um dos melhores do ano, por ser tão diversificado, bem produzido, criativo e marcante. O que mais intriga é a forma que a carreira do Styles seguirá, pois esse álbum abriu um leque de possibilidades infinitas para um artista que com certeza marcará a história do pop.

Nota: 5/5

 

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Era uma Vez em… Hollywood mostra o vício do Tarantino em fazer obras primas

É realmente difícil ter que falar sobre essa obra sem suspirar, ou não querer empolgadamente falar das cenas favoritas. Acho que esse é algo que poderia ser chamado de “Efeito Tarantino“; é quando você, mesmo depois de dias, ainda não consegue assimilar o que viu e viveu ao ver o filme. Antes de começarmos, uma coisa deve ser explicada sobre ‘Era uma Vez em… Hollywood‘, isso não é uma biografia. É um filme do Tarantino. “É O filme do Tarantino!”, como diria minha cabeça ao terminar esse longa.

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O filme se situa no ano de 1969, contando as tramas de Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), Sharon Tate (Margot Robbie) e Cliff Booth (Brad Pitt). Os personagens de DiCaprio e Pitt são dois grande amigos que trabalham juntos no ramo de cinema e televisão, e nisso damos início ao filme. Rick ao lado de Cliff, seu dublê, busca a fama de ser uma estrela, o que os acaba levando aos assassinatos realizados por Charles Manson na época. Assim, somos apresentados a Sharon Tate, que acaba de se mudar com seu marido, Roman Polanski, para Los Angeles. Com sua junção de fantasia e realidade, nós temos aqui uma história fantástica.

Provavelmente, esse é o longa mais puxado para o humor dramático que Quentin já dirigiu em sua carreira, e também um dos com menos violência (mas não se assuste, o filme tem partes de violência muito bem dirigidas). Também já vimos algo que o diretor fez em “Bastardos Inglórios“, juntando a realidade e a ficção, e isso merece reconhecimento. O filme consegue transitar entre ‘filme de época’ e a visão do Tarantino. Na medida que temos movimentos de câmeras mais usados da época, gírias e tudo remetente aos anos 60, ainda temos a fotografia, os diálogos e piadas que apenas ele poderia ter criado, e lógico, várias cenas com pés.

O desenrolar do filme funciona muito bem, a motivação de cada personagem, suas personalidades, tudo é muito bem desenvolvido. Por mais que no segundo ato do filme o roteiro acabe ficando um pouco mais arrastado, não quer dizer que faça perder qualidade, é nesse momento onde temos as partes mais importantes para o final, e onde entramos mais na cabeça e na história de cada personagem. Em todos os atos, a diversão é algo que não falta e poder ver a progressão de cada trama é eletrizante e curioso.

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Um dos feitos mais impressionantes do filme são as atuações, todos os atores estão dando o seu melhor. Enquanto DiCaprio consegue passar a dor de um ator fracassado, Brad Pitt consegue passar a imagem de um dublê misterioso e durão. Mas, a única crítica aqui vai pelo fato de não terem usado do magnifico talento da Margot Robbie, que apenas ganha suas falas após a uma hora de filme. Sendo que o filme tem como base o caso do assassinato de Sharon Tate, durante a primeira hora de filme nós apenas vemos a atriz sendo admirada, sem ter um impacto; praticamente usada só para mostrar a sensualidade de Sharon, que foi a sex symbol dos anos 60.

Talvez possa ter sido uma forma de falar do cinema da época, ou da forma em que a mulher era retratada, mas mesmo assim, é triste ver a Margot não podendo mostrar todo seu talento. Em suma, um baita espetáculo de atuação, praticamente uma aula de um elenco de peso como esse. Até mesmo os personagens secundários e alívios-cômicos conseguem um destaque com suas atuações.

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Não podemos esquecer da parte técnica do filme, que foi feita majestosamente. A fotografia do filme, como já mencionada, usa de cenários, ângulos e movimentos que remetem a outras obras dos anos 60, mas também é possível ter a visão do diretor nelas. Com imagens lindas que possuem de cores vibrantes, contraste e chamativas; literalmente um ”every frame a painting”.

Sobre a trilha-sonora, simplesmente fantástica e selecionada. Com músicas da época, o filme cria uma atmosfera que faz o espectador entrar para o mundo do filme, e todas conseguem tornar as cenas momentos mais memoráveis ainda. Em certos momentos, a trilha sonora é também utilizada para a transição de cenas, que funciona perfeitamente bem, e deixa um toque especial.

A maestria por parte do Tarantino e sua equipe técnica fazem com que o nível do filme se eleve cada vez mais, cena após cena, é impossível não se apaixonar pela fotografia, ou não ficar com vontade de dançar ao escutar músicas tão icônicas.

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Em conclusão, Era uma Vez em… Hollywood é um filme que respeita a base da sua história, que consegue cativar o espectador até o final e que ao mesmo tempo consegue entreter. Um filme que tem sua visão própria, mas que ao mesmo tempo consegue remeter aos clássicos da época, o nono filme de Quentin Tarantino é uma grande obra, e eu poderia dizer que uma das suas melhores, que até mesmo com suas falhas, tem seu encanto único.

“Era uma Vez em… Hollywood” chega aos cinemas brasileiros dia 15 de agosto.

Nota: 4.5/5