– Pai, agora você vai ficar aqui e a enfermeira vai cuidar do senhor. Vai ficar tudo bem.
– Obrigado por cuidar de mim.
– Sempre vou cuidar do senhor, pai.
Esse foi o meu último dialogo com meu pai antes dele falecer em setembro de 2020, depois de passar uma madrugada com ele no hospital. Ele teve um câncer que em um mês e meio o levou. Fui o último filho a vê-lo com vida. E ainda não é fácil.
No posfácio de A Casa, Fernando Marías diz que a morte do pai é um dos grandes desafios da literatura. Por um lado é complicado para o autor não seguir somente os instintos e sentimentos, à mercê de dúvidas racionais que chegam de todos os lados. Por outro lado, a escrita meio que flui mais tranquila, parecendo que o pai morto está passeando com o filho. E realmente a obra de Paco Roca você sente a presença do pai dos personagens vivendo e pulsando pela casa em questão.
“As mesmas histórias tristes que se ouve dizer. Dessa vez o escolhido fui eu.” (Honrar teu Nome – CPM #22)
A história gira em torno de três irmãos que perderam o pai e agora precisam decidir o que fazer com a casa, que antes era de veraneio quando eram crianças, e veio se tornar a moradia definitiva dos pais. Assim como é o normal da vida, todos os filhos seguiram seus destinos, saindo das tutelas familiares, mas chegou o momento de encontrar novamente com o passado e o pior, ter que decidir o que fazer com esse passado.
Em meio a lembranças, que na maioria dos casos são boas, os três filhos se apegam a casa que o pai deixou em uma viagem no tempo com essas lembranças. E como eu disse são lembranças boas, porque é do ser humano lembrar somente das coisas boas de pessoas recém falecidas. Isso me remete ao pequeno dialogo que está no inicio desse texto, por mais que seja uma lembrança dolorosa é uma boa lembrança. Pois ali eu vi que pela primeira vez em um mês em meio, o meu pai estava em paz. Ele estava se sentindo bem. Por isso guardo esse momento com tanto carinho. Obviamente existem momentos melhores.
Com uma leveza pura e uma arte que descansa os seus olhos, A Casa de Paco Rosa é uma delícia de leitura, todo detalhe dela parece ter sido feita com amor e cuidado de não forçar um sentimento no leitor, mas sim de fazer a gente adentrar na casa e se sentir membro da família e se sentir apegado e amado pela casa. É como o leitor fosse um “quarto irmão”. Não é uma história de manter legados e sim de cultuar e celebrar o que foi construído. Não somente em bens materiais, mas também com sentimentos, ensinamentos e lembranças.
“Naquela mesa ‘tá’ faltando ele. E a saudade dele ‘tá’ doendo em mim” (Naquela Mesa – Nelson Gonçalves)
A Casa também fala de elos quebrados e “desquebrados”. A família tinha um elo de união que era a casa onde passavam as férias, quando cada um segue a sua vida, esse ela é partido. E o elo se refaz, e esse elo é o pai recém-falecido, ela já não se encontra mais unida há tempos (o que é normal também), a obra apresenta como o único elo que era a união da família depois de quebrado, pode vir a unir todos depois. Pois isso também é da natureza humana, sofrer um machucado e lamberem as feridas juntos. Mas se essa união irá continuar… quem sabe?
A Casa atinge em cheio quem já perdeu um ente querido, seja qual membro familiar for ou até mesmo aquela amizade. Mas a obra também atinge quem não perdeu ninguém. Pois faz aflorar a ideia que temos que celebrar enquanto estamos vivos, criar boas lembranças, pois um dia tudo vai passar. No meu caso não foi uma obra fácil de ler, mas também não me levou às lágrimas. Ela me passou uma coisa boa, e um tanto clichê, de que a vida é assim. Tudo passa e que devemos continuar sempre em frente.
A Casa foi publicada aqui no Brasil pela Devir, tem formato 24,7 x 17,9 cm, capa dura, 136 páginas coloridas e a tradução da Jana Bianchi.