Desde a resolução do grande vilão do Universo Cinematográfico Marvel em Vingadores: Ultimato (2019) algumas grandes questões ficaram pairando sobre as obras posteriores: Qual será o novo Thanos? Como será uma ameaça ainda maior que precisará reunir todos os heróis? Todos pareciam ter uma resposta, desde Kang e viagem temporal a Feiticeira Escarlate e uma ameaça mágica, todas as pistas que os filmes e séries entregavam apontavam para o multiverso como uma grande porta com um terreno muito rico a ser explorado.
Comentar sobre a retratação do multiverso, que é tão importante para esse filme, envolveria pontuar acontecimentos desde Homem-Aranha Longe de Casa (2019) até What If…? (2021) mas a proposta é entregar o mínimo do que poderia ser considerado spoiler tanto do filme em si quanto das séries e filmes que o antecederam, a verdade é que o multiverso vem sendo construído como o lugar onde tudo pode acontecer, novos atores podem interpretar personagens já estabelecidos, personagens clássicos podem ser introduzidos sem afetar a cronologia já estabelecida, podemos ver várias versões do mesmo personagem porém os filmes e séries até então demonstraram ser um grande “VEM AÍ!”.
Com o anúncio do subtítulo “Multiverso da Loucura”, o segundo longa solo do Doutor Estranho prometia ser o apogeu de tudo, e infelizmente ele falha miseravelmente em diversos aspectos. Começando pelo começo, o filme abre trazendo um gosto bem familiar, Sam Raimi, que também dirigiu a primeira trilogia de filmes do Homem-Aranha, parecia estar na sua zona de conforto enquanto retrata uma espécie de “vida normal” para o herói, mas com olhos bem atentos, logo na primeira cena de batalha pode-se notar vários dos problemas que percorrem o filme.
Confesso que não sou o maior fã dos filmes de herói de Sam Raimi mas é inegável o talento do diretor ao lidar com efeitos práticos e sua criatividade em filmar cenas icônicas mas aqui todo esse talento do diretor parece desperdiçado para se enquadrar na linha de produção de filmes da Marvel. Nada floresce fora dos moldes da Marvel, o filme é podado e contido muito mais do que devia.
Os personagens não parecem a melhor versão deles, e muitas vezes até incoerentes com a bagagem que carregam, o que poderia não ser um problema se fossemos pensar o filme como uma obra única mas eles continuam incoerentes durante a trama do filme, que já é bem simples e parece existir apenas para abrir mais portas para o futuro do universo. A introdução da personagem América Chavez é a maior prova de que esse filme está pouco preocupado em ser um filme, mas sim um palco de apresentação para novos personagens e subtramas da cosmologia Marvel, embora a personagem funcione bem.
O maior problema narrativo é justamente essa ambição que os filmes e as séries desse universo tem de abrir portas, assim mais e mais portas são abertas e nada é concluído. O filme inicia sem começo e termina sem um fim, evidenciando o quão vazio esse roteiro é. Referências e easter eggs não são o suficiente para se contar uma boa história, e o filme tenta tanto se apoiar nisso que vai passando de uma cena para outra na tentativa de mostrar o máximo de coisas possíveis sem uma pausa que nos faça respirar e ao mesmo tempo adentrar na mente dos personagens centrais. O senso de ameaça é sempre inconstante e na maior parte das cenas, os vilões são genéricos e não fazem jus aos personagens envolvidos. Como Strange e Wanda são tratados nesse filme varia de momentos onde o texto é muito sagaz para onde o texto não tem prendimento nenhum com a essência e moral dos personagens.
No geral, Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é a síntese de um problema que vem se agravando nos filmes da Marvel há anos, embora Sam Raimi crie boas cenas de horror que beiram a faixa da classificação indicativa ele entrega um filme manco, que não consegue andar com as próprias pernas, pouco inspirado e incoerente.
Nota: 3/5