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Solidão e Homenagens estão presentes nas ruas de Cidade

No ano passado a editora Comix Zone, lançou aqui no Brasil, aquela que viria se tornar uma obra obrigatória em todas as listas de melhores leituras de 2022. Cidade, que tem roteiro de Ricardo Barreiro e artes de Juan Giménez, realmente faz por merecer todas as honrarias. O roteiro tem ação, drama, reflexão sobre a vida, sobre à solidão e ainda sobra espaço para homenagens ao cinema, literatura e aos quadrinhos.

A trama de Cidade começamos acompanhando o jovem escritor Jean, que vive em Paris e depois de mais uma briga com sua namorada, resolve voltar para a casa caminhando. Ele entra em uma área desconhecida do seu bairro e, como um passe de mágica (ou castigo), acaba entrando no mundo fantástico e apocalíptico conhecido como A Cidade. Então ele conhece a ex-garota de programa Karen e iniciam uma saga para tentar encontrar uma saída do lugar.

Ricardo Barreiro coloca no roteiro um conceito genial de que no final das contas uma cidade, é composta de pessoas solitárias. A dupla de protagonistas, eram pessoas solitárias que sofriam com alguma coisa, seja depressão, tédio, ou abuso, antes de irem para o mundo da Cidade. Assim como outras personagens que encontram no caminho, como por exemplo, uma das melhores histórias do volume, o maestro que vive com os ratos.

O maestro “caiu” na Cidade e então vive com a companhia de milhares de ratazanas. Que o protegem contra os perigos, mas o afasta de toda presença humana e possível vida em sociedade. O que torna sua vida como um Deus entre os bichos, mas um pária entre os humanos. E nesse círculo o torna solitário.

Se pararmos para pensar, nossas vidas urbanas são um tanto assim. Andamos pelas ruas das cidade onde moramos, muitas vezes encontramos um ou outro conhecido, mas na maioria das vezes é solitário e com a mente e cara fechada por causa dos diversos problemas e perigos urbanos. E no meio disso, enquanto estamos dentro de um onibus, ou metrô ou em aplicativos de transportes, pensamos ou sonhamos em coisas fantásticas.

Em uma outra história, Bairro Castelo, apresenta um sistema feudal perfeito, onde todos seguem ordens já determinadas, dentro do local. Mas existe uma peste que ronda e mata os habitantes a esmo. Mas mesmo sabendo que a morte anda pelas ruas do local, as pessoas não saem de lá. Pois preferem viver no perigo e eminencia mortal, do que se aventurar fora dos muros em uma vida nova e arriscada. Isso leva a mais uma reflexão sobre nossas vidas em que preferimos muitas vezes vivermos em nossas vidas monótonas do que investir em algo novo.

Em meio a reflexões sobre a vida, uma viagem fantástica que reúne um imaginário entre viagens no tempo, sociedades milicianas, enchentes, monstros marinhos mitológicos, plantas carnívoras, críticas ao capitalismo (a história do mercado é incrível!), canibalismo e até um culto ao Cthulhu. E Maravilhosamente, tudo encaixa e o que pode parecer fantástico, faz total sentido no roteiro do Ricardo Barreiro.

A arte de Juan Giménez é sempre um espetáculo à parte. Cenários (principalmente os mais abertos) são deleites visuais, e dar ao leitor a visão e sensação da imensidão em que Jean e Karen estão enfiados. Muitas vezes, graças a mistura do roteiro e da arte, temos a perspectiva de estarmos dentro da Cidade, perdidos juntamente com eles.

Cidade é um prato cheio para quem gosta de um bom quadrinho, com grandes referências, reflexões sobre a vida e nós mesmos. E o final, por mais apoteótico e incrível que seja, é uma grande homenagem aos quadrinhos, principalmente aos argentinos. E por mais que estranho que possa aparecer, ele apresenta que talvez possa existir um lugar, ou jeito, de vivermos em uma sociedade sem as mazelas e ódio do mundo. E ele faz todo sentido.

Cidade tem formato 21 x 28.5 cm, 192 páginas e tradução da Jana Bianchi.