“Não estou atrás de Deus, velho… vim pelo diabo!”
Faroeste sempre foi um gênero muito por querido por todos. Quem nunca, no seu imaginário infantil, sonhou em ser um cowboy, salvar diligencias e trens de ataques de famigerados bandidos, adentrar no saloon e se aventurar no deserto? O Brasil sempre foi um grande consumidor desse nicho, com games como o ancestral Sunset Riders e Red Dead Redemption, diversos filmes, até novelas (Bang Bang exibida pela Rede Globo em 2005) e quadrinhos gringos como Tex e Lucky Luke. Mas faltava materiais dos nossos quadrinhistas. Como eu disse, faltava.
Bem que na verdade, nós sempre fizemos muito sobre o nosso Velho Oeste. Que aqui seria o Cangaço. Gedeone Malagola quadrinizou As Aventuras de Milton Ribeiro, baseado no clássico filme nacional O Cangaceiro (1954). Emir Ribeiro, em 1979, criou Severino, protagonista da HQ O Cangaceiro. A maior referência desse universo, Lampião, ganhou uma versão na Nona Arte por Flávio Colin em Mulher-Diaba no Rastro do Lampião (um clássico dos quadrinhos nacionais).
E podemos citar também: A Guerra do Reino Divino (Jô Oliveira), Lampião, Era o Cavalo do Tempo Atrás da Besta da Vida (Klévison Viana), O Capitão Rapadura (Mino), as obras de Henfil, Xaxado (Cedraz), Cangaceiros, Homens de Couro (Wilson Vieira, Eugênio Colonnese e Mozart Couto). Mais recentemente, Bando de Dois (Danilo Beyruth), a EXCELENTE Jurados de Morte (Beto Nicácio e Iramir Araujo). E está em produção a coletânea Sangue no Olho da Editora Draco, que vai focar no tema.
Mas faroeste temos poucas coisas, onde posso destacar, a revista independente Bill The Kid & Outras Histórias (Arthur Filho), Abutres (Julio Magah e Eduardo Vetillo) publicada pela Editora Estronho e Gatilho a produção independente de Pedro Mauro e Carlos Estefan.
E Gatilho é incrível.
Apesar de evidentes referências a produções de western das décadas de 60 e 70, o andamento é bem diferente do que estamos acostumado a ver no gênero. Para começar esqueça a tradicional trama de mocinho e vilão. Em Gatilho é o mal que provoca ações que desencadeiam mais formações do mal. Aqui sabemos que o mal pode fazer. E o que ele faz é germinar ainda mais o mal. Na batida da velha máxima “olho por olho”, tão normal em uma terra árida onde se resolve tudo na bala e na brutalidade, a sutileza é o ponto forte da HQ. A trama começa quando um caçador de recompensas chega a uma pequena e esquecida cidade em busca de justiça. Mas para atingir o seu objetivo, precisa enfrentar fantasmas do passado.
Gatilho tem uma levada bem misteriosa na sua leitura, que não entrega o jogo em nenhum momento e coloca pistas e sutilezas em seus quadros. O leitor tem que prestar bem atenção na linda arte de Pedro Mauro para não deixar passar nenhum detalhe. E como é rica de detalhes. A história vai misturando presente e passado com transições simples como um gesto, uma mosca, um garoto tocando gaita, uma paisagem ou na posição dos personagens.
Por diversas vezes temos a impressão de estarmos “lendo um filme” de western. Mas com diálogos melhores do que de algumas produções cinematográficas. Parece que uma trilha sonora até soa em nossas cabeças por tão profundo que mergulhamos no mundo da HQ. O clima de homens fortes que não tem nada a perder (mas sempre perdem algo) é representada com palavrões, cenas fortes como de abuso sexual, tensão, violência e mortes que vão ditando o ritmo do ótimo suspense escrito por Carlos Estefan, roteirista da Mauricio de Sousa Produções, em seu segundo trabalho autoral. O PLOT TWIST funciona, chega provocar certo choque. Apesar de que se o leitor ficar atento, ele descobre logo de cara. Mas mesmo assim não deixa de funcionar. Ele completa toda a estrutura que o roteiro vai construindo ao longo da trama e fecha com chave de ouro.
A arte de Pedro Mauro é um espetáculo a parte em Gatilho. Com belíssimos jogos de luzes e sombras e incríveis ângulos cinematográficos. O artista prende o leitor, que como disse lá em cima no texto, tem que ficar atento, em riquezas de detalhes em cada quadro. A cena do saloon é fantástica! O bar cheio, cada personagem ali dentro com ações e trejeitos únicos. É um colírio para os olhos. Pedro já é um velho conhecedor do Velho Oeste desde quando desenhava na Editora Taika e em trabalhos na icônica Bonelli Editore e parceiro do roteirista Gianfranco Manfredi (Criador de Mágico Vento). Durante a CCXP do ano passado, trocamos uma ideia com o desenhista, confira AQUI.
Gatilho é um colírio para os amantes do western spaghetti, dos filmes de Sergio Leone, dos quadrinhos de Sergio Bonelli e tantos outros ícones como Clint Eastwood e Charles Bronson. Uma leitura agradável, com artes impressionantes e que faz o leitor repetir a dose logo após o término. Pois sempre há um detalhe novo que passa despercebido no mundo de sutilezas escondidas em Gatilho.
Gatilho tem 64 páginas e o valor de R$ 35,00 e pode ser adquirida pelo e-mail: gatilhohq@gmail.com