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O quão “branco” The Weeknd deveria ser para a MTV o considerar pop?

A MTV divulgou no último dia 30 a esperada lista de indicados ao VMAs 2020, sua maior e principal premiação. E como em todo ano, as redes sociais são dominadas por diversos fãs comentando os escolhidos pela emissora americana. Há aqueles que comemoram por verem seus favoritos com várias ou somente uma única indicação e há aqueles que reclamam por verem seus ídolos de fora do evento ou recebendo poucas indicações. O normal.

Entretanto, há algo maior do que as indicações que passou despercebido aos olhos do público. Seja pela euforia ou seja pelo fato das pessoas só se importarem com pautas raciais quando elas são trends nas redes sociais: The Weeknd com uma música pop numa categoria de R&B .

The Weeknd, nome artístico de Abel Makkoenn Tesfaye não é somente um dos maiores nomes da música no ano de 2020, como uma das grandes revelações da última década. Seu mais recente álbum, After Hours, lançado em março deste ano, vendeu nos Estados Unidos aproximadamente 440 mil cópias somente na primeira semana. E em escala mundial, o disco quebrou o recorde de pré-adições na plataforma Apple Music, fazendo com que 1,02 milhões de usuários garantissem o álbum em suas bibliotecas antes mesmo dele ser lançado. 

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Além das vendas estratosféricas de After Hours, o disco conta com os singles Heartless, In Your Eyes (que atingiram, respectivamente, o 1º  e o 16º  lugar na parada americana) e Blinding Lights, que não só alcançou também o topo da Billboard Hot 100 como é, até então, a maior música pop do ano. Inclusive, a faixa continua no top 5 da parada americana e do Spotify global, fazendo em média 4 milhões de reproduções diárias mesmo após 7 meses de seu lançamento. 

Ou seja, Blinding Lights é Pop. Não só na sua estrutura musical, como também comercialmente.  É exatamente este o gênero da canção.

Produzida pelo próprio Abel, Oscar Holter e a lenda da música pop, Max Martin (produtor de faixas como Oops I Did It Again, Teenage Dream e Can’t Stop The Feeling!) Blinding Lights é uma música que bebe diretamente da fonte dos anos 80. Mergulhando de cabeça no synthpop, a crítica especializada não poupou elogios à faixas. A sonoridade oitentista é tão forte que não só a crítica, mas também o público, consegue reconhecer de imediato as influências de nomes como Michael Sembello e A-ha (principalmente do grande clássico Take On Me). 

Porém, nem mesmo a popularidade da canção e nem a perfeição synthpop proporcionada por The Weeknd, foram o suficiente para a MTV, um dos maiores símbolos musicais da história, reconhecer a faixa, e neste caso, o clipe, como produções pop. Blinding Lights recebeu indicações ao VMAs 2020 nas categorias de Vídeo do Ano, Melhor Direção, Melhor Cinematografia, Melhor Edição e, Melhor Vídeo de R&B. Sim, R&B. E também, fora da categoria de música do ano. 

Abel é um artista que, desde o início de sua carreira, flerta com o R&B e com o Pop. O que não falta em sua discografia são faixas R&B. De The Zone à Wicked Games, passando por Reminder e aos grandes hits como The Hills, Often, Earned It e Heartless. “Taguear” Blinding Lights na mesma caixa que essas outras canções, não é só desrespeitoso com o gênero R&B, com o Pop, com o trabalho de The Weeknd. É também  uma das formas de racismo dentro da indústria musical. 

Colocar Blinding Lights em uma categoria de R&B é um exemplo perfeito da segregação racial dentro da indústria fonográfica. Por ser negro, The Weeknd foi visto pela curadoria da MTV como um artista do segmento “Urban”.  Este termo ganhou popularidade nos anos 80 e é problemático  porque separa a música pop feita por artistas brancos da música pop feita por artistas negros. O “Urban” coloca toda música Pop, Rap e R&B feito por negros em uma única caixa sem se preocupar com a estética, som, estrutura entregadas por esses artistas. Para eles, se um negro que fez, é urban. 

Recentemente, devido aos protestos raciais ocorridos nos Estados Unidos e no resto do mundo, diversas pautas foram levantadas nos mais variados segmentos da sociedade. Na música, não poderia ser diferente. Após anos de críticas por parte dos artistas e parte do público, a Recording Academy, responsável pelo Grammy anunciou que removeria o termo “Urban” de suas categorias, por ser um termo historicamente racista para a comunidade afro americana. 

The Weeknd já ganhou 2 vezes a categoria de Melhor Álbum Urban por Beauty Behind The Madness e Starboy. Na edição deste ano, Tyler, The Creator ganhou a categoria de Melhor Álbum de Rap por IGOR, um dos mais aclamados álbuns de 2019 que, pra surpresa da crítica e público, ficou de fora das categorias principais. Durante a coletiva de imprensa após cerimônia de entrega, Tyler falou como era agridoce a vitória e o porquê de se incomodar com artistas negros excluídos das categorias pop e principais. Confira:

“Por um lado eu estou muito grato que o que eu fiz pode ser reconhecido em um mundo como esse… mas é péssimo que sempre que nós, e eu quero dizer caras que se parecem comigo, fazemos alguma coisa que transcende gêneros ou coisa assim, eles sempre colocam em alguma categoria urbana ou de rap.”

Tyler ainda completou, dizendo que:

“Eu não gosto dessa palavra ‘urbana’. Pra mim, é só uma forma politicamente correta de dizer a palavra com ‘n’ [referenciando uma específica palavra inglesa que começa com n, que é racista quando falada por pessoas que não são negras]. Então quando eu ouço isso, eu fico tipo, por que a gente não pode ser indicado pra categoria pop? Então eu fico tipo — metade de mim acha que a nomeação de rap é um elogio ambíguo.”

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Tyler, The Creator no Grammy Awards deste ano.

Mesmo sendo em premiações diferentes, a exclusão em cima de artistas negros acontece de maneira explícita. O que The Weeknd precisaria fazer a mais para que seu single Blinding Lights fosse visto como pop para a principal emissora musical do mundo? Por que no mesmo ano, You should be sad da Halsey, que flerta com a música country e só alcançou a posição #26 da parada americana está na categoria pop? Por que mesmo tendo vendido mais de 1 milhão de cópias somente nos Estados Unidos, Blinding Lights está fora da categoria de música do ano? Todas essas questões são falsas dúvidas, pois, já sabemos quais são as respostas para tantos “porquês”.

Infelizmente, o boicote evidentemente racista do VMA em cima de The Weeknd não é a coisa mais frustrante de toda a problemática. 1 mês após o pico de engajamento em cima do movimento Black Lives Matter e do movimento instagramático #blackoutthuesday não há mais comoção por grande parte da imprensa, artistas e fãs sobre o boicote racista em cima de um artista negro. – Na verdade, não há nem mais atenção em casos mais graves como os contínuos assassinatos de pessoas negras por forças do estado, quem dirá neste. –  Basta uma rápida pesquisa no twitter que você verá tantos jovens auto intitulados de conscientes e engajados se preocupando mais com o Justin Bieber ter sido indicado ou não em categoria X ou apreensivos com a Lady Gaga imaginando se ela irá se apresentar no palco do evento. 

Claro que um prêmio, a longo prazo, não diz absolutamente nada. Um clipe ou uma música podem se tornar atemporais com ou sem VMAs, Grammy ou qualquer outra coisa, exemplos são os que não faltam. Não que não seja importante ou divertido buscar uma validação por parte do público ou crítica. Faz bem pro ego, movimenta a cadeia musical e também pode ajudar a trazer visibilidade para determinado artista ou gênero. Mas daqui a alguns anos, quando relembrarmos este caótico ano de 2020 através da música, ou quando algum jovem que se interessar sobre a música da época qual ele não era nascido, Blinding Lights e a obra de The Weeknd estará lá, sobrevivendo ao tempo assim como qualquer clipe e música de qualidade. E felizmente, quem decide isso é a história feita pelas pessoas, e não a MTV.