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E o prêmio de melhor editora de mangás vai para…?

Já dizia o famoso bordão entre aqueles que frequentam a roda de pagode nipônica, “japonês é um povo estranho”; porém o brasileiro também tem as suas peculiaridades. Uma das coisas que mais me impressiona é que gostamos de fazer “TOPs de final de ano“. O que é bem comum, afinal vemos o fim do ano como o término de um ciclo em que tentamos avaliar o que houve de bom e ruim ao decorrer do tempo, e isso é ainda mais forte dentro de uma comunidade tão exigente quanto a “otakada brasileira”, que gosta de avaliar papel, de escolher um lado para dizer “nós somos os melhores”, entre outros clichés da competitividade e do maniqueísmo que está em nossa volta no dia a dia.

Mas então o que falar das nossas amadas editoras, que tanto se esforçam para agradar um público tão meticuloso e cheio de manias, mas que possui uma grande paixão por ler coisas que são escritas da direita para esquerda? sem política por favor

NewPOPnewpoplogoNewPOP, a editora de Junior Fonseca, há algum tempo sofre de algo que poderia ser chamado de “complexo de Narciso” (do mito grego): é uma editora que tem um grande zelo pela estética de suas publicações, mas que peca muito nos detalhes, principalmente nas revisões dos textos de suas publicações e isso nunca é deixado barato pelos leitores. Este ano a editora trouxe um grande leque de obras do Osamu Tezuka, que nunca será mal visto pelo público (afinal Tezuka tem mais clássicos que a Marvel, segundo pesquisas de opinião) e eles publicam várias obras do renomado autor já há algum tempo, e é importante dar valor a isso, visto que ele é simplesmente o Deus dos Mangás.

Além disso, eles tem apostado no mercado de light novels que é bastante ignorado pelas outras editoras, e que também deveria ser valorizado, e as tais light novels (com análise feita por aqui), como Log Horizon, Fate/Zero e continuações de No Game No Life foram bastante elogiadas no decorrer do ano, com publicações recorrentes. A NewPOP trouxe um dos mangás mais polêmicos do ano publicados por aqui, que foi “Helter Skelter“, com resenha já publicada na área do Pagode da Torre.

Podemos dizer que a NewPOP investiu na diversidade. Publicando novels, graphics novels, gêneros de mangás menos consumidos como yaoi, mais Tezukão (torço que para que tragam Black Jack) e conseguiu manter uma regularidade bem modesta de duas publicações mensalmente. Merece seu destaque, tentando superar um momento tão difícil do país.

JBC (ou como chamo, Jei Bi Ci)jbcA editora que tem no seus expoentes as estrelas do bacanudo editor Cassius Medauar e o maníaco por “Os Cavaleiros do Zodíaco” (leia com a voz do narrador da chamada do desenho) Marcelo Del Greco teve um ano digno de tudo que foi 2016. A JBC não teve medo de dar a cara a tapa: ela arriscou novos formatos esse ano, materiais novos, com preço mais altos e pouco comuns ao público que estava acostumado a gastar valores menores para ler e que sempre ficará reclamando dos preços (que se são justos ou não, não cabe a mim julgar). Entre estes novos formatos está o adotado para a publicação de Blame! (com análise feita pelo Pagode), Ghost in the Shell e o Kanzenban de Os Cavaleiros do Zodíaco em capa dura, além do artbook deThe Lost Canvas. A editora também trouxe títulos diferenciados e tem um contato com o público de muito mais fácil acesso (quando não ignora as perguntas nas redes sociais)  do que as concorrentes. Contudo, a editora também leva algumas críticas, principalmente quanto a questão de transparência do papel em publicações, como em “Orange“, e a tal “cor especial” das capas de Fullmetal Alchemist, que deu alguma dor de cabeça aos leitores quando começou a descascar.

O Formato “BIG” que a JBC propôs trouxe obras que há muito haviam caído no limbo por outras editoras. Foi um formato que dividiu opiniões, mas que merece o seu destaque (principalmente se você tiver paciência de esperar as promoções em sites) e que conseguiu trazer obras que agradam gregos e troianos, principalmente do gênero “sci-fi“. Mas o maior destaque ao meu ver é conseguir tornar um hábito trazer mangakás, como por exemplo a vinda de Tsutomu Nihei à CCXP, que com certeza não é uma tarefa fácil, mas que a editora tem conseguido cumprir esse plus com primor nos últimos anos.

Paniniplanet mangáA multinacional italiana, que tem no Brasil o selo Planet Mangás e que possui em suas figuras editoriais a persona da simpática Beth Kodama e do discreto Bruno Zago, teve um ano em que conseguiu trazer muitos clássicos de volta às bancas e conseguiu realmente fazer uma avalanche de publicações ao longo do ano.

Os formatos que a editora adotou, principalmente para as obras Vagabond, One-Punch Man e Ajin, vem sendo aproveitado nos demais lançamentos, especialmente agora no final do ano com os clássicos Slam Dunk e Lobo Solitário, mesmo que estes últimos tenham tido alguns problemas de gráfica que deixaram muita gente com um pé atrás. É fato que a Panini conseguiu juntar qualidade com um preço bem competitivo e de fácil acesso em comparação às outras editoras que trabalham por aqui, mas ainda tem as suas falhas, principalmente com alguns erros de lote, de volumes de mangás que descolam na primeira folheada, entre outros. Apesar disso, também é fato que editora tem tentado resolver tais problemas de produção, ouvindo por exemplo as críticas a “Naruto Gold” que também sofreu dos mesmos problemas.

Talvez por ser uma multinacional com teoricamente muito mais recursos que as suas concorrentes, deveria ser menos difícil tentar trazer mangakás para eventos, tais como a CCXP ou Anime Friends, mas isso é algo que ainda não tem ocorrido por parte da editora, que visa o lançamento de blockbusters. Pode ser por burocracia ou talvez falta de vontade mesmo, já que a editora também tem a sua divisão de comics, e a Panini em grande parte terceiriza a sua mão de obra por aqui, e isso cria uma ponte burocrática mais complicada para buscar essas visitas. Enfim, é uma observação que pode tirar pontos da editora, que com certeza conseguiu o seu destaque este ano, principalmente por ter publicado muito material novo e possibilitado a volta de grandes clássicos.

Mas e a resposta para a pergunta do título?

Creio que a resposta seja NÓS, consumidores, leitores que ganham o maior prêmio com isso, visto que muitos que consomem estes produtos (como no meu caso) vem de uma época em que tudo era incerto, cancelamentos eram feitos sem explicação e em que era necessário encarar um meio-tanko que mais parecia ter sido feito de papel pra secar mão de rodoviária, entre outras complicações do mercado de alguns anos atrás.

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“Mas eu queria ver treta!” Vai ficar querendo…

Está perfeito? Lógico que não está, mas é fato que melhorou bastante. Como dito pelos visitantes japoneses à CCXP, “o mercado brasileiro de mangás está em expansão e já se assemelha ao mercado francês (muito maior) de algum tempo no passado.

E o que esperar do futuro? Bom, sabemos que também em 2017 a DarkSide Books irá entrar nessa briga, tendo anunciado mangás do insano Junji Ito, com um formato que deve ser diferente de tudo que já vimos por aqui. A JBC ainda tem uma carta na manga chamada Akira, e a Panini tem também os seus trunfos, como o mangá do descolado Sakamoto, o retorno de Dr. Slump, entre outros. Já a NewPOP no seu ritmo também vai levando os seus trabalhos e ganhando uma certa assiduidade quanto as publicações, e já anunciou relançamento de alguns itens de seu catálogo, como o clássico Speed Racer. Vale também lembrar que durante o ano a Astral Comics marcou presença nas bancas quase mensalmente, publicando diversos hentais e até mesmo alguns mangás franceses. Ah, eu ia esquecendo a Arrow Ray e a Nova Sampa, mas o que falar dessas duas?



Enfim, que venha 2017 e com isso vários bons mangás, e por mais um ano toda a otakada brasileira sonhará com a vinda de Jojo ou Hokuto no Ken. Até a próxima e um feliz ano novo a todos!

Agradecimentos à galera do “AMA“, “Mangás Brasil“, “O mercado de mangás que deu certo” e do ”Os Consumidores do Mercado de Mangás que Deu Certo“, pela ajuda com a ideia e pelas críticas apontadas.

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Resenha | Helter Skelter

Um dos gêneros dos mangás menos falado aqui em terras tupiniquins , com certeza é o “Josei“, e não sei porque isso ocorre ( na verdade eu tenho uma teoria, mas essa é uma outra história…), pois dentro desse meio é um dos que mais produz histórias reflexivas e com personagens densos e bem incomuns.

Recentemente, a editora New Pop nos proporcionou a oportunidade de conhecer uma das mais famosas obras, da considerada por muitos, a “mãe” do Josei, Kyoko Okazaki, chamada Helter Skelter (sim a música dos Beatles, do Charles Manson… enfim), ganhador do prêmio Osamu Tesuka de 2004 e que trata-se de uma obra com classificação indicativa para maiores de 18 anos.

SINOPSE

Se você acompanha a moda no Japão, já deve ter visto o rosto de Liliko. Nos últimos anos, ela tem estado no topo do mundo da moda, promovendo as maiores marcas. Mas, como todos sabem, este mundo é uma batalha constante e interminável. Há sempre modelos novas e mais jovens a cada temporada. E manter sua posição significa aprender a adaptar-se e a lidar com a mudança. Após passar por inúmeras cirurgias plásticas, Liliko consegue se transformar em uma absoluta manifestação de beleza. Contudo, incapaz de suportar os efeitos colaterais de tantas cirurgias, seu corpo logo começa a desmoronar, e junto com ele, sua sanidade mental.

Liliko
“Luz na passarela, que lá vem ela”

 

A HISTÓRIA

Ao ler Helter Skelter, um misto de sensações me veio a cabeça. É bonito e feio, erótico e repulsivo, superficial e profundo, tudo ao mesmo tempo. Mostra facilmente uma face da cultura da vaidade que sabemos que existe e que vivemos no dia a dia, mas que não queremos acreditar que existe pois, de certa forma, seguimos seus padrões mas não nos aceitamos como parte desse padrão.

A arte desse mangá já nos remete a algo muito incomum, ele tem um traço imperfeito proposital, pra fazer um paralelo com o que a autora quis dizer. É verdade que quando a autora terminou de produzir a obra, ela sofreu um acidente, que a impossibilitou de fazer a pós produção do mangá, passando assim um aspecto de inacabado em certos momentos, mas que deixa a obra com um tom cru, mas que só engrandece a mensagem proposta.

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Estranho e belo.

A história é um conto distorcido da beleza que conduz à ruína e o que vem depois. O comentário social subjacente que as pessoas irão fazer qualquer coisa para a busca não somente da beleza, mas sim da manutenção do status que essa beleza pode nos proporcionar. A ideia de cirurgias plásticas experimentais, incluindo componentes muito perturbadores, é ao mesmo tempo bizarro e assustadoramente crível. Além da beleza, Okazaki também aborda a natureza inconstante da fama, as celebridades e o papel que desempenham na vida e mentalidade dos jovens(e os não tão jovens também), que se espelham nessa figura de beleza, e o quão facilmente uma vida aparentemente perfeita pode ser despedaçado pelos vícios que esse mundo produz.

Todos os personagens são imperfeitos. São seres egoístas que atuam tanto no seu próprio interesse e necessidades, que traz à obra um toque extremamente realista. Liliko é antipática, perturbada, depressiva, manipuladora, mas ao mesmo tempo é um personagem que desperta pena. Às vezes, ela é honesta consigo mesma, às vezes ela mente para si mesma, e isso proporciona uma narrativa não confiável para o leitor, pois a sensação é que, ao mesmo tempo que ela quer ser responsável pelo seus atos, ela não quer se responsabilizar, como se fosse uma vítima desse mundo cruel.

Os personagens coadjuvantes também são nefastos: a assistente submissa, a empresária gananciosa, a frígida cirurgiã, a jovem modelo niilista; que só enriquecem a trama. Não é uma visão particularmente edificante da sociedade, mas sim triste e de uma absurda verossimilhança.

A edição feita pela New Pop é de encher os olhos na parte gráfica, com páginas coloridas, papel de ótima qualidade e com um preço bem acessível, visto a qualidade do material. Peca na parte de revisão ortográfica em alguns momentos, mas não é nada que estrague a experiência da leitura.

No geral, Helter Skelter é um mangá como poucos. É extremamente envolvente, mesmo com personagens que são difíceis de simpatizar e com cenas que deixam o leitor bem desconfortável em vários momentos, consegue ter uma narrativa fluída e densa, digna dos melhores thrillers psicológicos. Devido aos temas maduros e cenas, o público-alvo é reduzido, visto que é uma obra para maiores de 18 anos, e de um gênero não muito popular no Brasil, mas para quem gosta de uma narrativa adulta, abordando o lado mais obscuro da fama e da natureza humana, é uma leitura mais que obrigatória.

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Até a próxima!

FICHA TÉCNICA

Helter Skelter – Volume único
Publicado em: Julho de 2016
Editora: New Pop
Gênero: Josei
Autor(a): Kyoko Okazaki (Pink!)
Status: Série concluída
Número de páginas: 320 paginas (papel offset) / Leitura Oriental
Formato: 15×21 cm / P&B com páginas coloridas / Lombada quadrada
Preço de capa: R$ 24,90