Filmes inspirados em fatos são um desafio. Porque há uma enorme linha tênue entre contar os acontecimentos e encontrar uma história neles. Quando digo história, me refiro a encontrar personagens e arcos dramáticos. Claro, alguns cineastas como Christopher Nolan em Dunkirk, preferem priorizar uma visão geral. Entretanto, o que torna esse tipo de filme bom, é transgredir a realidade e apresentar um propósito de maneira crível. Esse é o caso de As Golpistas.
Inspirado por um artigo por Jessica Pressler, o filme retrata um golpe aplicado por strippers em seus clientes, após a crise de 2008. A fim de criar um vínculo com o público, a história utiliza duas protagonistas: Destiny (Constance Wu) e Ramona (Jennifer Lopez). A primeira, ajuda a sua avó com a questão financeira. Enquanto a segunda, é uma veterana no pole dance, mãe solteira, também procurando por lucro. Ao longo da trama, uma amizade com altos e baixos é desenvolvida.
É interessante como As Golpistas parece mais do mesmo durante a primeira cena, quando é apresentada a rotina de uma das protagonistas e o cabaré Sin City. Mas após isso, segue em uma crescente, extremamente enérgico e feminista. A escolha da diretora Lorena Scafaria em não demonizar o ambiente adulto, mas trazer uma certa magia e encanto, é certamente algo ousado. Não é simplesmente uma fantasia barata, é um novo olhar sobre aquela realidade, em que as mulheres nos bastidores praticam a sororidade.
Scafaria também sabe como potencializar o seu elenco, como construir um certo humor, mas sem eliminar a gravidade das situações. O filme apresenta uma leveza muito bem coordenada e quando há a alteração tonal realizada próxima ao final da narrativa, é executada com perfeição. As performances no pole dance são muito bem dirigidas e o visual é simplesmente esplêndido, vai além dos neons dentro dos clubes.
O Sin City, inclusive, funciona como um personagem. Primeiramente, introduzido como um ambiente alegre, apesar da sujeira por debaixo dos panos. Em um segundo momento, após a crise, as luzes continuam, mas a essência é perdida. Os trabalhadores alcançam a depressão, perdem o lucro e o mercado se torna mais vulgar. É uma involução muito bem construída.
Assim como as protagonistas. Wu entrega uma das interpretações mais sinceras e cativantes do ano enquanto Lopez entrega um excelente contraste, com uma personagem pautada pela ganância. Todavia, a ganância em si, não figura como a principal temática da obra, diferente de outros filmes de golpe. Os laços, a amizade em lugares improváveis e o caminho pavimentado por ela, é o que realmente interessa à Scafaria.
A principal força de As Golpistas, talvez seja a edição por Kaila Emter. A montagem seleciona perfeitamente as músicas, transmite um senso de continuidade e o mais importante, dá corpo à obra. Muitas vezes é utilizada para brincar com os objetos do cenário, ou com as situações mais cômicas. A estilização é utilizada ao seu favor para construir um filme extremamente enérgico, charmoso, sensual e acima de tudo, irresistível.