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Lendas | A inocência, o heroísmo e um novo universo DC

Os anos 80 foram uma época de grandes mudanças nos quadrinhos. O ideal heroico perfeito deu lugar ao herói moralmente ambíguo em obras como O Cavaleiro das Trevas e Watchmen. E nesta mesma época, a DC destruiu o seu universo com o maior evento já testemunhado no mundo dos gibis: A Crise nas Infinitas Terras. Com o multiverso destruído, era o momento perfeito para a editora relançar seus heróis para os novos leitores. O problema é que você não pode simplesmente relançar um universo com novos títulos, você precisa preparar um terreno. Com esse intuito, a minissérie Lendas surgiu.

A história antes foi pensada como uma segunda Crise, mas como era impossível chegar ao mesmo nível e escopo da obra de Wolfman e Pérez, a história acabou se tornando uma carta de amor ao heroísmo em meio a uma época de mudanças, que mais tarde nos anos 90 seriam completamente deturpadas. É possível ver algumas semelhanças com Watchmen, como por exemplo a criação de uma lei que proíbe os super-heróis de atuarem, a diferença é como Len Wein e John Orstrander tratam a premissa.

Lendas retrata a perda de fé das pessoas nos super-heróis. As pessoas estão sendo manipulados pelo Glorioso Godfrey, enviado por Darkseid, os roteiristas poderiam tratar essa ausência da fé com ambiguidade, talvez a humanidade já estivesse perdendo a fé naqueles que os protegem e não estão sendo manipulados pelo Senhor de Apokolips, mas isso seria contra a proposta do gibi. Ele não tem como objetivo questionar a moral dos heróis, se eles são bons ou maus, ele pode até apresentar alguns desses pensamentos em alguns diálogos, mas não é essa a ideia. O objetivo de Lendas é trazer uma história descompromissada e inocente que reúna a maior quantidade de heróis ou vilões possíveis para salvar o mundo.

Essa inocência é perfeitamente representada através das crianças. Elas acreditam nos super-heróis, elas não podem ser penetradas pela maldade de Darkseid pois são puras, como o próprio Vingador Fantasma diz observando tudo o que acontece enquanto discorda do vilão. Um dos momentos mais fortes e cativantes da narrativa é justamente este.

“Vê por que a derrota é inevitável, Darkseid? Esse é o campo de batalha onde você jamais triunfará: Os corações e mentes infantis! As crianças sempre vão acreditar em heróis!”

Não só como uma história inocente e descompromissada, Lendas como dito anteriormente, é a preparação de terreno para um universo novo. Alguns personagens como a Mulher-Maravilha aparecem e desaparecem, entende-se a intenção e a responsabilidade de Wein e Orstrander, mas os roteiristas poderiam ter pensado em introduzi-la de forma mais orgânica tal como fez – se me permitem mencionar – Chris Terrio e David Goyer durante o clímax do polêmico Batman vs Superman: A Origem da Justiça. Outras ideias para o início deste novo universo são bem apresentadas, tais como a criação de uma Liga da Justiça mais clássica – que tem seu primeiro ano contado por Mark Waid em uma minissérie de 12 edições alguns anos depois – e uma nova versão do Esquadrão Suicida que posteriormente ganharia uma revista escrita pelo próprio Orstrander. Essa também é a história da primeira aparição da terrível, ameaçadora e manipuladora Amanda Waller.

John Byrne não é um dos artistas mais originais, ele se sai muito bem quando se trata de páginas de um quadro só. Ele sabe imprimir o heroísmo, destaque para a splashpage com a Liga, mas quando se trata de trabalhar com muitos quadros, o trabalho do artista é genérico e não é tão bonito quanto a arte de Pérez em Crise.

Recentemente a Panini publicou a minissérie no encadernado Lendas do Universo DC: Darkseid. A edição contém uma entrevista com o ex-editor Mike Gold que contextualiza a criação do quadrinho, além disso, a decisão de publicar a obra neste formato, torna o material mais acessível ao leitor e o papel offset realça as cores da arte de Byrne.  

Lendas é uma leitura obrigatória para fãs da DC. Pode não ser grandioso, mas é divertidíssimo testemunhar o surgimento de um novo universo em que os heróis precisam se unir e lutar contra um inimigo em comum. A prova de que premissas básicas de super-heróis não se tornam ultrapassadas quando executadas da maneira certa.