Imagine um grupo de inteligência e operações que atua na França em plenos anos 1800. Adicione o subgênero steampunk, tramas bem narradas com ilustrações que remetem a ótimas histórias em quadrinhos de grandes mestres da nona arte e você terá Le Chevalier: Arquivos Secretos, uma das graphic novels do catálogo da AVEC Editora, pertencente ao universo literário nacional de Le Chevalier.
Criada por Andre Zanki Cordenonsi, a série literária Le Chevalier está situada em meados dos anos 1860, em uma Paris onde as criações a vapor de Jules Verne impulsionaram uma revolução tecnológica que tornou a capital francesa o epicentro de uma renovada Europa.
O Bureau Central de Inteligência e Operações é uma organização que investiga casos a serviço de sua majestade, Napoleão III, e tem como principal agente um espião sem nome, sem passado e extremamente eficiente no serviço: o Cavaleiro, chamado apenas de Le Chevalier. Os Arquivos Secretos, como o nome sugere, tratam de aventuras paralelas às contadas no livro e nos eBooks, aprofundando ainda mais a imersão neste rico universo.
Em poucas páginas um leitor novato rapidamente sente-se a vontade e embarca facilmente na interação entre os personagens, e quem já está familiarizado reconhece sem delongas as características marcantes deste mundo. As duas aventuras presentes neste volume são auto-contidas e deixam ganchos para futuras continuações, mas ambas as tramas de investigação se desenrolam magistralmente pelo texto de Cordenonsi e não somente apresentam o universo como também explicam detalhadamente suas principais características, contando com fichas de personagens e recordatórios.
A provável maior inspiração para a confecção de Le Chevalier é o Hellboy de Mike Mignola. Em Arquivos Secretos os dois agentes do Bureau, Le Chevalier e seu companheiro Persa, investigam casos de assassinato e sequestro situados em Paris. Através de tramas diretas e inventivas o roteirista explora as tecnologias deste mundo retrofuturista e também não perde tempo em introduzir figuras históricas na narrativa, criando um apelo ainda maior para o leitor que deseja aprofundar seus conhecimentos. E a comparação com a obra-prima de Mignola se faz presente mais uma vez, com a utilização de um ótimo glossário que detalha cada um dos termos citados.
Os personagens são divertidos e possuem características marcantes. Chevalier é o típico protagonista misterioso e confiante, que age sem pestanejar para cumprir seus objetivos, e sempre possui uma carta na manga. Persa, apelido de Karim El Hadji, funciona como o alívio cômico da série, sempre focado no lado gastronômico de Paris e reclamando das confusões em que se mete, mas também atuando competentemente como ajudante de campo. E uma gama de personagens secundários encorpam o elenco principal, tornando críveis os relacionamentos.
O formato da publicação assemelha-se ao de álbuns europeus. Não bastasse a trama ser situada na França, com inimigos e conspirações políticas secretas englobando toda a Europa, a aventura soa como um arco fechado de um bom gibi franco-belga. A arte de Fred Rubim remete ao já citado mestre Mike Mignola, lembrando também o traço que Gabriel Bá utilizou na série The Umbrella Academy, da Dark Horse Comics. Todas as três séries possuem um estilo parecido, onde uma organização investiga casos diversos.
A versatilidade de Rubim é outro ponto de destaque que merece ser mencionado. Comparando seus traços em dois quadrinhos diferentes, Le Chevalier e Contos do Cão Negro, são nítidas as diferenças de estilo e narrativa empregadas em ambas as publicações. Em Arquivos Secretos o ilustrador utiliza linhas claras e um jogo de sombras, com um desenho mais caricato que casa perfeitamente com as aventuras. Além disso, o desenhista permite-se pirar nos aparatos tecnológicos que surgem no decorrer das investigações, com robôs, veículos e os divertidos drozdes, animais mecânicos com vida própria e fiéis aos seus amos, que representam o ápice da tecnologia Clockpunk. As cores, que também ficam a cargo de Rubim (o homem é uma máquina), criam uma aura própria ao redor de cada cena, trazendo com maestria um ar específico para os cenários.
E apesar dos cenários mais simples, sem muita tecnologia aplicada na arquitetura, toda a cidade de Paris soa constantemente como um retrato de uma época, e o leitor acaba se deparando com instrumentos e máquinas extremamente incomuns, frutos do subgênero steampunk em que a obra se baseia, que dão um charme para o interior das construções.
A forma como a dupla de autores conduz as narrativas, de maneira linear e com um ritmo próprio que prende a atenção, é a cereja do bolo deste ótimo material nacional, que acrescenta (e muito) aos universos ficcionais oriundos das mentes brilhantes de autores brasileiros, criando obras que não devem em nada às famosas histórias produzidas no exterior. E esperamos que outras aventuras do Chevalier sejam contadas em quadrinhos, mantendo vivas o que há de melhor no pouco explorado estilo steampunk.
Le Chevalier: Arquivos Secretos Vol. 1 possui 64 páginas encadernadas em capa cartão no formato 28 x 21 cm, com preço de capa R$ 39,90.