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Resenha | O Dia de Julio

É de um espanto absoluto pegar uma publicação e, já no texto de contracapa, encontrar a informação de como o destino do protagonista da história é selado. Assim, muito dificilmente quem pôr as mãos em O Dia de Júlio já não saberá seu final antecipadamente.

Mais do que isso: Nos deparamos com as feições de quase todos os personagens que compõem a narrativa em diversos momentos de suas vidas antes mesmo da primeira página. Uns têm nome e outros são apenas “anônimos” em identidade: O pai de Julio é apenas o “pai de Julio”.

Toda essa apresentação incomum mais tarde nos mostra que era irrelevante a preocupação. Esta obra nos apresenta a vida de Julio e sua família, latinos habitantes de um vilarejo paupérrimo dos Estados Unidos da América com suas transformações em decorrer do passar do tempo e História do próprio país. O ambiente, apesar de explícito, poderia ser bem algum local de interior do Brasil, tal similares suas características.

A história contada por Gilbert Hernandez é, apesar de tudo, um conto simples da mesma forma que é seu traço. O jeito que o enredo nos é apresentado vale mais que seu conteúdo em si.

Conversas banais viram grandes reflexões filosóficas. Se encontra tempo para humor até no meio da desgraça. Páginas sem texto falam mais que outras com balões. Páginas que, inclusive, poderiam quase todas contar uma história individualmente. Hernandez deixa o leitor deduzir em que espaço de tempo está situado no momento e não há uma caixa de narrador sequer por toda a leitura.

Alguns personagens são presentes em grande parte da narrativa; Outros vão e voltam anos depois. Há membros cativantes na família de Júlio; Outros nos dão nojo e sensação de raiva por personagens da história não perceberam mais cedo o mal que causam. É sentida impotência de nossa parte por sermos apenas observadores e nada podermos fazer. Até um nematelminto se torna protagonista e nos faz ser contra ou torcer por ele dependendo da passagem. A história de Julio poderia ser a de qualquer um.

Racismo, machismo, pedofilia, homofobia, estereótipos… Todas as adversidades estão ali mescladas no que compõe o Homo sapiens que se esqueceu de pensar. Personagens guardam segredos dentro de si que não deveriam ser escondidos, mas as circunstâncias o fazem optar por isso. Já outros, inseridos em uma sociedade diferente graças ao tempo, esse segredo já não existe mais.

Assim, vemos o já óbvio: Não existe a clichê frase de “No meu tempo…” quando se trata de comportamento humano. O preconceito e a forma de o combater sempre coexistiram. A questão é escolher em que lado você estará.

Como na vida, a sua grande rival morte está presente ao longo destas cem páginas. Algumas delas, nos dá o estalo necessário caso tenhamos sido desatentos a algo que estava ao tempo todo nos pedindo atenção. É necessário perder para dar valor, ou nos deixar atentos ao que passou.

Um ponto negativo vai para a “introdução” do escritor Brian Everson à obra. Apesar de alguns pontos já se saber, Everson entrega muito de seu conteúdo. A introdução teria funcionado muito melhor se fosse um posfácio, assim se recomenda lê-la apenas ao fim de absorver o conteúdo principal, que é e sempre será a história.

O Dia de Julio é uma leitura rápida que acaba da mesma forma que começa, assim como é a vida de cada ser vivo. O nada volta a ser nada. Um vazio. E este vazio cabe a cada um de nós o preencher da forma que convir enquanto há tempo.