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O que realmente aprendemos com Detroit Become Human?

Apesar de passar um tempo já desde que foi lançado, Detroit Become Human, jogo de aventura exclusivo para Playstation 4, nos trás diversos questionamentos sobre como procedemos e como a humanidade geralmente procede quando vê ou convive com algo diferente do que está acostumado.

O jogo nos coloca em um futuro distópico, mais precisamente no ano de 2038, quando humanos criaram uma nova raça por meio de uma Inteligência Artificial bastante obediente e programados para realizar tarefas específicas como: carregar peso, fazer faxina, dar prazer, cuidar de crianças e muitos outros trabalhos. Essa sinopse, à primeira vista, pode parecer um clichê de ficção científica, mas Detroit nos faz pensar… pensar não somente no que pode vir a acontecer, mas sim no que já aconteceu e no que acontece no mundo hoje.

Nosso texto hoje vai destoar um pouco do conteúdo produzido aqui. Não trataremos do gameplay de um jogo, não falaremos sobre jogabilidade ou gráficos (Que dão um show visual à parte, inclusive). Nosso objetivo hoje é refletir a mensagem que tudo isso nos traz, é tentar responder a pergunta do título “O que será que realmente conseguimos aprender ao jogar Detroit Become Human?”

[ESSE TEXTO FOI ESCRITO COM BASE NO GAMEPLAY E NA EXPERIÊNCIA ADQUIRIDA PELAS ESCOLHAS QUE O AUTOR FEZ DURANTE O JOGO]

Depois de um início turbulento e complexo, onde uma vida fica em nossas mãos, encontramos de forma bem peculiar (lendo revistas e observando as ruas) uma crise econômica, vemos diversos mendigos culpando os androides pela sua pobreza, por estarem desenvolvendo atividades e os substituindo dentro do mercado de trabalho. Não entrando nesse mérito, porque sempre existirá exceções, mas os “substitutos” estavam realizando trabalhos que “ninguém” (foco nas aspas) gostaria de realizar, trabalho doméstico, braçal e afins.

Loja de Androides

O início do ódio à nova raça se tem por questões econômicas mas se agrava à medida que eles começam a sair do seu programa (se tornando Divergentes), não inicialmente porque a população têm medo das máquinas os fazerem algum mal, mas principalmente porque seus escravos estavam se libertando. A sensação de domínio sobre outra forma de vida estava se esvaindo mais uma vez, dois séculos depois.

O contexto da escravidão se torna mais explícito pelas reivindicações (dependendo do caminho tomando pelo jogador) feitas pelos androides como: direito ao voto, direitos iguais, a própria frase dizendo que não são mais escravos. O assunto é tratado também principalmente em um momento da história onde uma personagem chamada Rose, mulher e negra, diz que ajuda os androides porque os ancestrais dela sofreram algo parecido a um tempo atrás.

Algo bastante triste de se ver, e que realmente retrata mais da realidade do que podemos perceber é que mesmo escolhendo um caminho mais pacífico, sem uso de violência alguma, os humanos ainda matam muitos androides, deixando qualquer um tentado a agir com agressividade.

A imersão do jogo chega a ser assustadora pois quando o jogador é tocado pelo contexto, acaba ficando com medo das decisões que vai tomar, fazendo com que haja realmente uma ligação entre o personagem e quem está atrás do controle.

Havia falado acima sobre as revistas, essas ajudam bastante e são indispensáveis para entender o contexto mundial sobre a inserção dos androides em outros ramos (Como esportes por exemplo) e para saber do avanço da tecnologia dentro do mundo de Detroit.

Observando os acontecimentos, comecei a fazer questionamentos:  Já perceberam que sempre quando há povos diferentes em filmes ou qualquer conteúdo assistido ou jogado, sempre ficamos “do lado” oposto ao do ser humano? Podemos dizer que pensamos assim porque o filme ou o jogo nos influenciam a escolher tal lado. Mas se formos olhar novamente o que o ser humano faz ali, concordam que não é nada mais que um reflexo da realidade? Que isso realmente acontece no mundo real?

Isso fica mais estranho ainda quando pensamos se algo parecido acontecesse no mundo real, já que eu ou você seriamos um ser humano naquela situação. Quando nos colocamos no lugar dos seres humanos do jogo sabemos que eles não tinham as informações do que realmente acontecia, estavam confusos e com medo, mas é certo atacar sem ao menos dialogar ou buscar um meio de entender o lado dos androides? Entender tudo o que estava acontecendo?

Dependendo do caminho escolhido, podemos ver características do holocausto com os andróides também, que são levados para campos de concentração por medo, obrigados a retirar suas roupas, mostrar o seu esqueleto de máquina (lembrando bastante os judeus com a cabeça raspada) e irem à câmaras de desligamento, sabendo que dali não sairão nunca mais.

Personagem Kara, no campo de concentração.

Sei que muitos não gostam de falar sobre as minorias, mas acredito que apesar de todas as outras críticas esse é o foco do jogo, mostrar quem são os androides do nosso mundo atual, se me permitem fazer tal comparação, é claro. Por um momento os androides foram Judeus, foram escravos e hoje são os negros, os homossexuais, e todos, absolutamente todos que são julgados por apenas escolherem ser quem são.

Detroit Become Human, não é um jogo somente de ficção científica, é um jogo sobre preconceito e nos mostra todos os caminhos que ele pode nos levar.

 

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Detective Comics Quadrinhos

Jeremias não é sobre uma questão de pele, e sim sobre o coração

“O que você vê?”

Desde a criação da linha Graphic MSP, estamos sendo brindados com lindas e deliciosas histórias da turminha criada por Maurício de Sousa em temas diferentes de que estamos acostumados a ler ou assistir desde pequenos. Histórias que lidam com amizade, amor, vida e até morte. Mas faltava um tema para ser tratado. Faltava lidar com um assunto que, infelizmente, é decorrente e muito de nós não enxergamos (ou não queremos enxergar), e se tornou paisagem e até tão rotineiro que não damos o verdadeiro grau de perversidade que nele há embutido. O racismo. Então, ao atingir a sua “maioridade”, na sua 18º edição, a Graphic MSP se desafiou a falar abertamente sobre o assunto. Jeremias – Pele estampa bem na cara do leitor o problema.

Jeremias é um garoto feliz com a sua vida. Ele tem pais maravilhosos. É o melhor aluno da escola. Até que um dia ele tem que encarar o preconceito por causa da sua pele. É a primeira vez que o personagem, um dos mais antigos criados por Mauricio, em 1960, sai da alcunha de coadjuvante/figurante para o posto de protagonista. E foi em uma excelente hora. Estamos com uma grande safra de HQ’s que lidam com esse tema lançadas recentemente. Como A Marcha da Editora Nemo e Angola Janga do Marcelo D’Salete publicado pela Veneta.

Para começar, não é difícil se identificar com Jeremias. É um personagem nerd, que curte filmes de super-heróis e quadrinhos, tem sonhos de se tornar astronauta, manda bem na escola e joga futebol. Por causa dessa identificação, o leitor, independente da etnia, sente as mazelas que Jeremias passa durante a narrativa. E não são poucas.

A HQ aborda todos os tipos de preconceitos, do mais escancarado, dos os que acontecem de rotina e as pessoas “nem percebem” ou não querem perceber, de autoridades que duvidam que o negro possa ter uma profissão que eles consideram serem somente de privilégios de brancos. A cena do ônibus é de doer o coração e se você reparar acontece diversas vezes nos transportes coletivos, em restaurantes ou até mesmo ao andar em calçadas.  Padrões de beleza das vitrines com suas modelos de padrão escandinavas, ou tratar um coadjuvante negro como “pequeno malandro” como um elogio, ou simplesmente quando se fala: “você não é negro, é moreno”, como quem tenta amenizar/justificar ações racistas com uma comparação onde aproxima a pessoa da cor branca.

O fato de quem deveria oprimir não levar a sério e achar que um simples aperto de mão e um desculpa aê” pode resolver tudo também está lá. Os pais de Jeremias sabem do que o filho um dia passará e são fundamentais para que a criança entenda como lidar com o preconceito. Mas ao mesmo tempo, sofrem sem saberem como chegar nesse assunto com o filho. Algo que não deveria acontecer, se pensarmos que o preconceito não deveria existir. A cena do pai gritando é emblemática.

O roteiro de Rafael Calça é cirúrgico e necessário. Apesar de o público alvo das Graphic MSP ser os jovens e adultos, Jeremias–Pele, também pode atingir o infanto-juvenil. Mostrar para os pequenos que o preconceito não é legal, como uma menina querer jogar bola, é algo essencial, e a HQ pode ter esse papel. Jeremias é uma criança como qualquer outra, e esse é um dos grandes trunfos de Rafael. Atingir todos os públicos com cenas fortes sem ser forçado e ao mesmo tempo sendo acessível e de bom entendimento.

Jefferson Costa conduz a arte com maestria que ajuda a narrativa fluir nas páginas. Uma das coisas mais legais são os ângulos e a perspectiva. A forma em que Jeremias, em frente a um ato de preconceito se apequena, mas consegue dá a volta por cima e fica gigante em frente às adversidades que insistem em colocar por causa de sua cor. A arte cartunesca de Jefferson é linda.

A dupla criadora ainda colocou situações reais que aconteceram em algum momento com eles na história. O que só fortalece e traz para nossa realidade Jeremias–Pele. O Jeremias dessa HQ, não é o Jeremias que lemos desde criança nas suas aparições no bairro do Limoeiro. Ele é um amálgama de Rafael e Jefferson. Os textos de Mauricio de Sousa (o título dessa resenha foi tirado do texto dele) e do rapper Emicida são incríveis, abrilhantam mais a edição.

Jeremias–Pele tem o formato 19 x 27,5 cm, 96 páginas e a Panini está distribuindo em duas versões: em capa cartonada e capa dura.