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Conan, O Cimério vol.3 em pré-venda pela Pipoca & Nanquim

Já está em pré-venda o volume 3 da coleção Conan, O Cimério – Edição Definitiva pela Pipoca & Nanquim. Neste terceiro tomo, são compiladas as histórias Os Profetas do Círculo Negro, de Sylvain Runberg, Park Jae Kwang e Ooshima Hiroyuki, Inimigos em Casa, de Patrice Louinet e Paolo Martinello, e O Deus na Urna, de Doug Headline e Emmanuel Civiello, todas inicialmente publicadas na Europa pela Éditions Glénat.

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A coleção original conta com 14 volumes avulsos no total, sendo os oito primeiros já lançados pela P&N nos dois primeiros volumes da versão brasileira com quatro histórias cada. Dessa forma, a previsão é de apenas mais um volume para a coleção brasileira alcançar a europeia e ter na íntegra todas as aventuras da obra máxima de Robert E. Howard contadas pela ótica do Velho Mundo.

Para adquirir o seu volume basta clicar aqui!

Conan, o Cimério – Edição Definitiva Vol. 3 tem formato europeu de 23 x 31 cm, capa dura, 212 páginas coloridas em papel offset e uma galeria de extras com textos, ilustrações e esboços sobre a criação das histórias com tradução de Fernando Paz e previsão de lançamento para 28 de fevereiro de 2023.

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Balada Para Sophie toca cada um de nós

Ninguém alcança a glória sem antes passar pelo inferno.

Não conheço o autor, não encontrei os devidos créditos e o único registro que tenho da citação acima foi em uma chamada televisiva para o longa-metragem Whiplash – Em Busca da Perfeição quando estreou no canal de TV à cabo HBO.

Eu poderia escolher outra frase para iniciar? Sim.

Uma boa opção seria algum autor célebre daqueles que são compartilhados à exaustão nas redes sociais? Sem dúvida.

Então por que ignorei todas as opções pomposas e fui parafrasear um (suposto) anônimo? Porque eu quis.

Apesar de tudo, minha escolha não é tão vaga quanto parece. Whiplash é um filme sobre um garoto que sonha em ser um grande baterista, mas para isso precisa vencer seu professor e seus métodos de ensino, digamos, agressivos. Aprender a tocar um instrumento musical não é fácil como faz parecer os registros fonográficos ou apresentações ao vivo, seja em um couvert artístico de restaurante ou em megafestivais. É preciso tempo, paciência, horas, dias, semanas, meses e anos. Eu mesmo já tentei e, bem… quem sabe outro dia tento novamente senão terei que rivalizar com o Chatotorix.

Todos esses percalços rendem ótimos histórias. Por isso mesmo, em Balada Para Sophie, temos a saga da repórter Adeline Jourdain para entrevistar o agora idoso Julien Dubois, célebre pianista cuja vida, repleta de intempéries, já rendem grandes sinfonias por si só.

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Desde pequeno, Dubois é forçado por sua mãe a ser um grande músico. Dessa forma, é submetido a horas de estudo e treino sob a guarda de um rígido professor, representado graficamente como um demônio.

O tempo passa, o período da 2ª Guerra Mundial abate a Europa e a genitora de Dubois torna-se uma “boa samaritana” para os nazi-fascistas que invadem sua região. O tratamento privilegiado dado pela dama aos combatentes de extrema-direita invade suas vidas até sua casa, sua sala, seu quarto, sua cama. Dessa forma, o jovem pianista logo cedo encontra-se sozinho no mundo e sem rumo.

As metas de Dubois mudam a partir do momento em que descobre que tem um, de certa forma, rival: François Samson, outro jovem pianista cujas execuções demonstram o que seria a perfeição alcançada na arte da música. Assim, o que Dubois mais quer é se tornar Samson, não só na precisão musical, mas como um todo.

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A obsessão de Dubois por Samson é tão expressiva que até a esposa do segundo é tomada como amante pelo primeiro. O objetivo de Dubois é ter não só o talento de Samson, mas sua vida. Vida que revela-se repleta de surpresas, inclusive envolvendo a jovem Adeline, que inicialmente aparentava apenas escrever um artigo a respeito do pianista.

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Toda a trama, apesar do conteúdo ora delicado, ora pesado, possui como principal artifício a deslumbrante arte de Juan Cavia, que une seu traço ao uso de cores extremamente preciso e aprazível aos olhos de quem lê o texto de Filipe Melo. Assim, o roteiro e arte regem a narrativa tal qual as Variações de Goldberg mesclando entre impacto e delicadeza.

A edição brasileira dispensa comentários. Trata-se de um conjunto pensado nos mínimos detalhes, como é uma canção erudita. Inclusive, nos créditos finais, é possível escanear um código que leva o leitor ao programa de música por streaming Spotify para ouvir a trilha sonora apropriada para a obra. Além disso, temos capa dura, papel offset, lombada ovalada e marca-páginas em forma de fita. Tudo como uma regência orquestrada.

Portando, Balada Para Sophie é, acima de qualquer outro rótulo, uma experiência de efeito sinestésico. De todas as  obras da dupla Melo/Cavia publicadas no Brasil, Balada é incontestavelmente a melhor, e é bem provável que outras publicações dos mesmos autores atravessarão a Europa, vindas de Portugal, nosso país-irmão, até o Brasil. Esteja atento a todos os detalhes, pois cada nota aqui presente constrói sua canção como um todo.

 

Balada Para Sophie
Filipe Melo (roteiro)
Juan Cavia (arte)
Michele A. Varturi (tradução)
Pipoca e Nanquim
Capa dura
324 páginas
17 x 25 cm
R$99,90
Data de publicação: 06/2022

 

 

 

 

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Celestia e seu indecifrável amanhã

“E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do CELESTIAL.”

I Coríntios 15:49

Dificilmente há quem nunca leu ou ouviu o adjetivo celestial. Sua conotação divina intriga até os mais céticos, pois nada é mais desafiador que o desconhecido. Causas, motivos e razões são embaralhadas tal qual um quebra-cabeça com um sem número de peças a ser montado em que muitos desses fragmentos ainda podem ser componentes falsos. E, exatamente em tantas perspectivas dúbias, o quadrinista italiano Manuele Fior se debruça em seu novo título lançado no Brasil.

Aqui, a trama gira em torno de Pierrô e Dora, dois jovens inconformados com o que o destino reservou às suas vidas por habitarem Celestia, ilha de pedra construída há mais de um milênio e usada como refúgio após o nível do mar subir a ponto de invadir expressiva parte da terra firme que até então cobria o planeta. Ambos os personagens são telepatas e possuem seus demônios pessoais: enquanto Pierrô reluta em aceitar a convivência com Doutor Vivaldi, mentor de outros jovens de mesmo dom e seu pai, Dora encontra obstáculos para desenvolver suas habilidades e por isso acaba por vezes, ao vasculhar a mente de outras pessoas, trazendo visões às quais os pesquisados não tinham o menor interesse em revisitar, desenterrando o passado sombrio destes indivíduos, inclusive de Pierrô.

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Em busca de respostas para seus problemas, os dois fogem da ilha em busca do mundo exterior. Lá fora, encontram uma humanidade comandada por crianças anônimas, como num processo ainda em fase embrionária de reconstrução. Apesar da estrutura ainda rudimentar, ainda não há perspectiva e tampouco prazo para a conclusão de seu projeto: assim como até hoje cientistas buscam explicações a respeito de fases do processo de início da vida, não há como ainda ter certeza do que se passa nessa etapa ou de quanto tempo será sua duração. Com explicações vagas e pouco elucidativas, Pierrô e Dora retornam à sua terra natal procurando o que pode ser o esclarecimento de suas funções, mas a resposta demonstra-se mais difícil de ser encontrada do que controlar a habilidade de telepatia com a qual já estão acostumados.

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Portanto, Celestia não é uma obra de única interpretação. Seu início e fim são como assistir a um longa-metragem já passada sua cena de abertura e interromper a sessão antes de chegar ao encerramento. A grosso modo, é justamente isso que ocorre em grande parte da vida, pois dificilmente é planejado com exatidão como esta terá seu desfecho. Os habitantes da ilha de pedra, perdidos no que é concernente a seu futuro, afogam-se em si mesmos e seus caminhos nebulosos, que provocam o leitor a tentar desvendar o que de fato têm a ver as atitudes de cada um dos personagens e como cada uma se conecta.

Em sua terceira obra publicada no mercado nacional, esta é a narrativa gráfica mais longa de Fior. Entretanto, sua leitura é rápida, muito pela ausência de textos longos e uma arte limpa de cores claras que em algumas passagens ironicamente parecem remeter a um paraíso na terra que na verdade foi devastada e agora agoniza.

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O já citado estilo de Fior não tem grandes diferenças se comparada aos seus outros dois trabalhos publicados por aqui: tanto A Entrevista (Mino, 2018) quanto Cinco Mil Quilômetros Por Segundo (Devir, 2018) possuem a mesma diretriz ao marcar o papel com seu texto e imagens e seu jogo de cores que em várias passagens lembram Lorenzo Mattotti e reforçam uma maestria sinestésica já vista antes em Cinco Mil… e que de forma alguma pode ser considerado um erro ao se repetir em Celestia, cuja bela arte deve ser vista como a sequência na afirmação de um traço autoral, e não redundância.

A edição da Pipoca & Nanquim é primorosa e acerta na escolha de publicar a versão integral, como saiu recentemente na Itália. O capricho no corte de página pintado em azul lembra a Bíblia Sagrada onde, segundo o Dicionário Bíblico Online, sua palavra derivada celestial é citada ao menos 15 vezes e distribuída em diversos capítulos.

A questão de fé e esperança por dias melhores baseados em sua força embebeda os habitantes de Celestia, elevando suas expectativas assim como o nível do mar que destruiu o mundo com o qual estavam acostumados a viver. No fim das contas, independentemente de sua crença ou descrença, é isso o que move cada um de nós, deixando essa máxima bem acima do campo ficcional.


Celestia
Manuele Fior (roteiro e arte)
Michele A. Varturi (tradução)
Audaci Júnior (revisão)
Pipoca e Nanquim
Capa dura
276 páginas
22 x 28 cm
R$99,90
Data de publicação: 02/2022

 

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Quase nada é o que parece ser em A Mão Verde

Com o que você sonhou hoje? Muitos precisarão de um bom tempo para responder a essa pergunta e mesmo assim terão dificuldades. A conclusão para tal questionamento em alguns casos pode até ser clara, mas a maioria dos relatos é imprecisa, nebulosa ou até impossível de se recordar. Sonhos podem significar muito ou serem apenas uma forma de nossas mentes experimentarem o que ainda não provamos na realidade, e muitas vezes sequer chegaremos a vivenciar.

A Mão Verde, lançamento da Comix Zone, bebe justamente nessa água: de navegar por correntes sinuosas em que não se sabe ao certo até onde vão chegar. Durante o período de maior experimentalismo psicodélico da História da humanidade, Édith Zha e Nicole Claveloux entregam diversas narrativas curtas, despretensiosas e de arte espetacular. Embora nenhum capítulo ultrapasse 10 páginas, sua técnica de desenho que mistura tinta guache e aerógrafo demonstram uma inovação para a época que a coloca em um patamar revolucionário de obras como Saga de Xam e Kris Kool.

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Porém, mesmo com o seu primoroso traço e maestria no uso de cores, que conquista a atenção de todos os que encaram suas páginas, tal nova possibilidade de contar histórias mostra em seu cerne ainda uma inconsistência relativa ao conteúdo expresso. No primeiro capítulo, exatamente o que dá título ao livro, temos uma conversa de apartamento entre uma mulher e uma ave a respeito de um vegetal capaz de se comunicar com ambos; Em A Noite Branca, a mesma protagonista visita o museu em que aparentemente trabalha e conversa com vários dos itens expostos por lá; Já no tomo O Medo Azul, a ave residente do apartamento, cansada de sua vida encastelada, busca liberdade ao sair da moradia que funciona como uma espécie de gaiola para o personagem, mas seus planos não são bem-sucedidos e ele volta ao seu endereço habitual.

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Grande parte das histórias, principalmente as cinco primeiras –publicadas na revista Metal Hurlant no decorrer do ano de 1978– são praticamente ininteligíveis, justamente nos capítulos em que a parceria entre Edith Zha e Nicole Claveloux está presente. O resultado, como o próprio prefácio da edição, assinado por Jean-Louis Gauthey afirma, entrega “páginas suntuosas de narrativa desconcertantes [sic]”. Assim, denota-se que não há o que ser compreendido em sua essência, e sim somente apreciar um conjunto de ideias expostas. Apesar disso, tais capítulos se completam em única narrativa.

As seis últimas, criadas apenas por Claveloux e publicadas originalmente no periódico Ah! Nana são a priori mais palatáveis, muito pela maioria destas serem baseadas em contos famosos, mas o expressivo surrealismo ainda está presente e torna histórias como Pranca de Nefe e A Imbecil e O Príncipe Encantado experiências diferentes até para os que já conhecem tais fábulas desde antes de aprenderem a ler.

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Tamanha petulância é proposital por parte das autoras? Provavelmente nunca saberemos, uma vez que, assim como em nossos sonhos, nem tudo é feito para ter uma explicação precisa. Por exemplo, há quem até hoje tente entender alguma ideia central que conecte todo o conteúdo de Um Cão Andaluz, curta-metragem de Luis Buñuel e Salvador Dalí, quando, na verdade, os próprios autores em vida afirmaram que a película consiste apenas de ideias soltas e desconexas. Apesar dos pesares, a confusão encontrada em A Mão Verde acaba não comprometendo o prazer de apreciar a história, desde que não se espere grandes explicações no decorrer das páginas e assim cada leitor pode chegar a uma conclusão diferente do que foi lido.

A edição da Comix Zone, baseada claramente na versão publicada em 2019 pela editora Cornélius, segue o padrão da maioria dos títulos já lançados pela editora, com formato álbum 21×28,5 cm em capa dura, lombada e com um bookplate não autografado como brinde. Além disso, temos o já citado prefácio composto por nove páginas introdutórias com texto e ilustrações que cumprem de forma necessária sua função de apresentar ao público a biografia de duas autoras as quais, mesmo com suas inovações narrativas, ainda eram nomes inéditos no mercado brasileiro. A parceria entre as autoras ainda se repete em Morte Saison (Fora de Época, em tradução livre) que, assim como A Mão Verde, contém histórias curtas e foi relançado na França em 2020 também pela Cornélius.

A Mão Verde não é uma antologia de fácil leitura e não se deve esperar uma compreensão direta de seu conteúdo. A obra como um todo serve melhor como uma coletânea de ideias e possibilidades de se expressar, e por isso é aconselhável que sua leitura deva ser feita da forma mais despretensiosa possível, com o mesmo intuito que tentamos interpretar até mesmo nossos devaneios mais próximos da narcolepsia, por mais absurdos que pareçam ser.

A Mão Verde e Outras Histórias
Édith Zhan (roteiro)
Nicole Claveloux (arte)
Fernando Paz (tradução)
Audaci Junior (revisão)
Comix Zone
Capa dura
96 páginas
21×28,5 cm
R$89,90
Data de publicação: 03/2022

 

 

 

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Quem é de fato Degenerado?

Desde que o Grupo Editorial Autêntica decidiu se aventurar no mercado de histórias em quadrinhos brasileiro fundando a Nemo, seu selo voltado a esse mercado passou por algumas transformações: começou intercalando entre material nacional e estrangeiro com autores consagrados do mercado franco-belga em publicações com grande formato e capa dura. Experimentando novas fontes e em busca de adaptação perante as exigências do mercado e público, estabeleceu-se com material autoral da cena alternativa europeia e norte-americana. Prestes a completar uma década de vida em 2021, a Nemo traz em seu mais recente lançamento Degenerado, um título que, mesmo que de forma indireta, tem muito a ver com suas mudanças ao longo desses anos.

Não é fácil ser alguém. Mesmo cada um em particular pode não saber profundamente quem é ou o que gostaria de ser. A vida e nossa forma de viver é feita de experiências, de riscos que trazem acertos, erros, vitórias e derrotas. Não existe vida sem risco. Em boa parte ou até por pura teimosia, só temos consciência do resultado de nossas escolhas caso as coloquemos em prática.

Paul Grappes e Louise Landy conheceram-se ainda jovens em uma confraternização entre amigos. Como diversos casais afogados na ingenuidade da paixão de um pelo outro, casaram-se desejando passar o resto de suas vidas juntos. Mas então veio o serviço militar e Paul, por uma lei que ia além de seu poder, precisou se alistar no exército. Então em 1914 estoura A Grande Guerra, a Guerra das Trincheiras, trincheiras que foram usadas não só para separar o militar recém-promovido a cabo de seus adversários, mas também de sua amada.

IMAGEM: Grupo Autêntica

Afetado pelos horrores que presenciou, Paul torna-se desertor no intuito de voltar aos braços de Louise e para fugir da prisão iminente aos que abandonam o campo de batalha, começa a se vestir e comportar como mulher assumindo a identidade de Suzanne. Porém, Paul aos poucos vai não apenas se adaptando, mas desfrutando de sua nova vida, assim percebendo que talvez agora sim era a pessoa que desejava ser e que sempre esteve dentro de si, e não a pessoa que era outrora e apresentava em seu exterior.

IMAGEM: Grupo Autêntica

Em uma alternância quase impossível, os desenhos de Chloé Cruchaudet conseguem ao mesmo tempo serem pesados e delicados. O clima pesado e os horrores da guerra coexistem em uma Paris retratada quase sempre em tons de cinza, salvo raras exceções onde as cores azul e vermelho, que representam na cultura popular liberdade e fraternidade na bandeira da França, gritam por espaço na narrativa densa como uma neblina.

Baseada em uma história real, Degenerado é em grande parte sobre uma crise existencial em consequência da guerra, mas pouco abordada ou sequer imaginada por muitos de nós. Suzanne na verdade pedia socorro dentro de Paul Grappes para mostrar que existia. A possibilidade de contar sua história que resultou no livro La Garçonne et L’Assassin mostra que sua necessidade de se esconder era na realidade a chance de se libertar adentrando em um novo mundo. O ser humano é frágil como uma casca de ovo, porém quase sempre é obrigado a ostentar-se tal qual uma pele grossa e pouco permeável como a de um réptil.

IMAGEM: Grupo Autêntica

Estabelecendo-se já há algum tempo em um formato característico, edição da Nemo segue os padrões anteriormente adotados pela editora, com capa cartonada e papel couchê em formato 25 x 19 cm. Esta é a primeira obra de Cruchaudet publicada no Brasil, e a escolha por Degenerado em sua estreia provavelmente deve-se à quantidade de prêmios arrebatados pela obra principalmente na França e Itália. Assim como já fez com outros quadrinistas da Europa, a exemplo de Fabién Toulmé e Gauthier, vale a pena apostar em outras obras da autora por aqui, mesmo outras sendo menos conhecidas ou agraciadas, mas ainda assim trazendo frescor ao mercado brasileiro. Como sugestão, vale conferir por exemplo Groenland Manhattan e La croisade des innocents, publicadas originalmente em 2008 e 2015.

Degenerado
Chloé Cruchaudet (roteiro e arte)
Renata Silveira (tradução)
Bruna Emanuele Fernandes (revisão)
190 páginas
25 x 19 cm
R$69,80
Capa Cartonada
Nemo
Data de publicação: 11/2020

 

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A Odisseia de Hakim poderia ser a de qualquer um de nós

Quando conhecemos alguém desde o início é quase impossível nossa relação não ser mais intrínseca. Seja esta uma publicação, evento, objeto de valor sentimental ou principalmente uma pessoa. Fabien Toulmé é um desses casos: Através da editora Nemo, podemos observar de seu nascimento até seu desenvolvimento no mundo da histórias em quadrinhos, como parentes próximos que acompanham um recém-chegado membro em sua família que, tal qual uma criança, dá um passo de cada vez nessa nova empreitada. O laço com  o autor aperta ainda mais graças à sua relação com o Brasil, acompanhada logo de cara em Não Era Você Quem Eu Esperava, primeira publicação dele em nosso país, e já ali em sua estreia com autor solo, Fabien nos convidava a conhecer sua vida e então, com nossa leitura, pudemos tornar a relação recíproca.

Seguindo mais uma vez essa linha, Fabien torna-se personagem de sua própria narrativa em A Odisseia de Hakim  1. Da Síria à Turquia dessa vez no intuito de contar a história de uma família que não é a sua, mas que a adota por sua necessidade de informar. A empatia nesse caso instala-se no momento em que viu a diferença de tratamento em dois casos que resultaram em tragédias, sendo um deles visto apenas como estatística: As mortes por afogamento no mar Mediterrâneo de migrantes que tentavam chegar à Europa. Estas, como a de todos os outros, são vidas humanas. Porém foram marginalizadas como se valessem menos, mas poderiam ser vidas de qualquer pessoa, e foram perdidas como um sopro.

A data de 11 de setembro de 2001, dia de um atentado terrorista em solo norte-americano que dispensa maiores comentários, ainda é rememorada pelo mundo inteiro como um acontecimento que, de fato, mudou a História do mundo. A comoção global é evidente ainda pelo fato de, até hoje muitos conseguem recordar com detalhes onde estavam quando souberam desta notícia, mesmo estando quilômetros de distância do ocorrido ou sequer habitar ou ter visitado o mesmo continente. Mas será que a mesma precisão pode ser vista no atentado terrorista em uma escola de Peshawar, Paquistão em 2014, Somália em 2017 e os já incontáveis casos desde o início da Guerra Civil Síria? Grande parte do mundo sequer sabe da existência desses acontecimentos e esta é a indiferença humana que Toulmé tenta amenizar em sua obra.

Assim, a História real de Hakim e sua família vem à público para mostrar algo que grande parte do mundo esqueceu ou sequer   faz esforço para lembrar. Muitas vezes nos sentimos como estranhos inclusive quando visitamos a residência de amigos ou até familiares, como então nos sentiríamos caso fôssemos obrigados a deixar nossa terra, que foi de nossas famílias por gerações, pois nossa vida depende disso? A vida de Hakim é esmiuçada desde sua infância e vai avançando com momentos alegres e conturbados e várias passagens mostram também semelhanças de sua vida com a dos ocidentais. Sem dúvida, quando pouco se sabe da rotina de alguém, a criação de esteriótipos torna-se simplesmente uma questão de tempo e Hakim faz questão de mostrar que sua vida no oriente médio tem ou teve sim momentos iguais aos dos europeus, uma vez que este era o mercado inicialmente destinado à publicação.

 

Impressiona como a rotina nos faz tratar como normal algo que deveria ser visto com espanto. É assim inclusive no Brasil, onde uma média de 60 mil homicídios ao ano resulta em municípios com média de assassinatos por número de habitantes maior que em países em guerra civil. Hakim acaba se adaptando à sua “normalidade”, contando cada acontecimento com uma frieza de quem vive corriqueiramente insucessos que ninguém mereceria. Corpos sem vida estirados nas ruas, gritos de socorro já sem esperança, incontáveis feridos atendidos de forma precária em mesquitas e prisões sucedidas de interrogatórios com tortura fizeram parte de sua vida assim como nossa rotina de sair de casa e trabalhar, estudar ou passar um tempo com familiares. As várias partes violentas e cruas da HQ contrastam com o traço claro, redondo e delicado do autor, mostrando que, apesar de trazer humanidade à frieza dos números com que essas pessoas são tratadas, Toulmé ainda mostra suas marcas características e cada página.

Cada fato, tanto real quanto particular, é mesclado com informações sobre a História e geopolítica do Magrebe e Oriente Médio. Toulmé está em meio a todo esse confronto não só por narrar os acontecimentos, mas por agora ter o poder de decisão e influência no que diz respeito a uma metonímia de todo esse imbróglio. Que se explique: Mesmo buscando conservar o cerne da questão, que é trazer humanidade à história de uma vida que possivelmente seria mais uma a cair no esquecimento, o quadrinista está presente para através da história de uma família emergir o, já há muito tempo, necessário entendimento do calvário passado por todos os que precisaram deixar sua vida para trás em busca de outra em território desconhecido.

A Odisseia de Hakim é uma série ainda em publicação que já conta com três volumes lançados pela francesa Delcourt, sua editora original. Portanto, aqui temos apenas o início de uma jornada ainda não sabemos bem onde vai parar, mas que já embarcamos mesmo assim.

A Odisseia de Hakim 1 – Da Síria à Turquia
Fabien Toulmé  (roteiro e arte)
Fernando Scheibe (tradução)
Carla Neves (revisão)
274 páginas
17 x 24 cm
R$64,90
Capa Cartonada
Nemo
Data de publicação: 04/2020

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Jordi Bernet em dose dupla pela Figura Editora no Catarse

A Figura Editora lança sua nona campanha pela plataforma de financiamento coletivo Catarse com novidades. Dessa vez, dois títulos estão buscando apoio dos leitores para serem integralmente publicados pela primeira vez no Brasil: Torpedo 1936 e Kraken, ambos com arte de Jordi Bernet e respectivos roteiros de Enrique Sánchez Abulí e Antonio Segura.

O primeiro tomo de Torpedo 1936 terá 228 páginas com 20 x 25 cm em preto-e-branco e capa-dura. Torpedo é Luca Torelli, um cruel assassino profissional na Nova Iorque dos anos 1930. Luca é um sujeito absolutamente amoral, capaz dos atos mais bárbaros, agindo no submundo da máfia norte-americana. Torpedo é o personagem mais bem-sucedido internacionalmente dos quadrinhos espanhóis, sendo publicado em cerca de 20 países. Torpedo 1936 tem previsão de ser publicado na íntegra em um total de três volumes. A primeira parte da edição brasileira terá como adicional as duas primeiras histórias do personagem, quando ainda eram desenhadas por Alex Toth.

 

Já Kraken terá as mesmas dimensões e formato com 188 páginas, também em preto-e-branco. O protagonista da série é o tenente Dante, anti-herói que lidera os Krakeneiros, um esquadrão que patrulha as gigantescas cloacas de Metropol, a mais corrupta e violenta das cidades, local onde atuam os mais sórdidos criminosos – de políticos corruptos a sádicos assassinos – e lar do Kraken, o monstro mítico composto pelos dejetos de toda a podridão e maldade humana. A Figura tentou anteriormente a captação de Kraken em um projeto solo, mas o valor não atingiu a meta esperada.

Ambos os títulos já foram publicados por outras editoras no Brasil, porém igualmente de forma apenas parcial. Torpedo 1936 teve aparições nas revistas Animal e Circo, além de cinco álbuns pela Editora WMF Martins Fontes com cerca de 52 páginas cada. Já Kraken teve passagem ainda mais modesta, com somente quatro aparições na já citada Animal.

Dentre as opções de apoio, pode-se adquirir cada um dos títulos em separado ou os dois juntos. Para esta última opção, está no ar com preço promocional de R$100,00 + frete por tempo limitado, válido apenas para as primeiras 36 horas de campanha. Além dos lançamentos, é possível garantir como recompensas pôsteres exclusivos e outros títulos do catálogo da editora com desconto.

 

Para apoiar, basta acessar a página da campanha no catarse em https://www.catarse.me/torpedo_kraken e escolher sua opção. O prazo de apoio até o dia 03/07/2020.

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Navie desbrava a si mesma com seu Duplo Eu

Dificilmente se encontram hoje em dia pessoas que, em algum momento da vida, não tiveram qualquer tipo de preocupação a respeito de seu peso. Essa vigilância é comum tanto para menos quanto para mais. Simpatias, cirurgias, alimentação regrada, produtos milagrosos e muito mais nos enchem a cabeça na busca de nossa forma ideal. Ideal para nós? Para os outros? Para ambos? Não há somente uma resposta. A vaidade nos prende. Nos põe em uma busca que não sabemos bem o resultado, mas que nos faz pensar que vale a pena.

Segundo dados do Ministério da Saúde de julho de 2019, 55,7% dos brasileiros estão acima do peso e destes, 19,8% são considerados obesos. Nesse último grupo, temos um maior índice em mulheres (20,7%) do que em homens (18,7%). Na França, a estatística é 50% acima do peso e 15,7% obesos. Distinguindo por sexo, os homens “vencem” na situação de obesidade por pouco: 15,8% contra 15,6% das mulheres. Dentre alguns exemplos de enfermidades, diabetes, fibrose, hipertensão e outros problemas cardiovasculares estão associados à obesidade. Indo muito além da questão estética, o peso é imprescindível para indicar situações  sobre saúde e doenças.

Apesar de fazer parte da ligeira minoria em sua terra, Navie está incluída nesse grupo de obesos, e pior: Na situação de obesidade mórbida, classificação máxima onde a pontuação de IMC (Índice de Massa Corporal) ultrapassa 40 pontos. Seu relato de drama pessoal é espantoso: Com auxílio dos desenhos de Audrey Lainé, Navie abre sua vida ao leitor como poucos teriam coragem. Através de estatísticas, cálculos, citações, humor e até analogias com referências de fábulas, a autora diz como buscou refúgio de problemas internos em sua hiperfagia e até que ponto o peso a influenciou em relacionamentos, honestidade, saúde e sexo.

Navie narra seu peso como um fardo que se transforma em sua consciência. Daí seu Duplo Eu. Ela conversa com si mesma, discute, debate e toma decisões sendo ela a própria discordância. Muitos confabulam com si próprio, mas no caso de Navie sua consciência se torna a antagonista. Por isso mesmo ela decide tomar atitudes, mudar para “se livrar de si”. Mas como quase sempre, a vida não tem consequências exatamente como se projeta.

O processo de perda de peso ao qual se submete mostra que o maior problema era a autora e seus obstáculos psicológicos. Ela se odeia e assim torna nociva sua mente e decisões. Esta narrativa gráfica também mostra como esse drama que atinge pessoas do mundo inteiro é explorado pela imprensa e mídia, em reportagens e programas de televisão transmitidos inclusive no Brasil. Quilo por Quilo, de Chris Powell, é um grande sucesso de audiência na TV por assinatura.

Há muitas pessoas que se consideram satisfeitas na forma e aparência que apresentam. Desde que continuem (como qualquer outro) tomando os devidos cuidados com sua saúde, se sentir bem é o que importa no fim das contas. A própria autora hoje participa de um site multimídia a respeito do assunto. No Brasil, coletivos como Projeto Cada Uma e Toda Grandona mostram relatos reais sobre o assunto que, poderiam não só serem HQs, mas toda outra mídia narrativa possível.

Duplo eu é uma saga sobre aceitar a si mesmo para à partir daí tomar decisões e não o contrário. A pessoa se perde no momento em que confunde esses dois caminhos e começa pelo fim. Ao menos quase sempre é possível se reavaliar e tomar a decisão necessária.

A Nemo mais uma vez nos brinda com algo diferente do habitual. Suas preferências editoriais sobre o mercado europeu mudavam como um camaleão desde a criação no selo pelo Grupo Autêntica em 2011. Passando por ficções de Moebius e Enki Bilal, parece ter encontrado seu lugar no Brasil trazendo HQs do velho mundo onde o foco principal é o drama da vida real. Os leitores que buscam algo diferente agradecem, porém material da “velha fase” da editora ainda está incompleto por aqui: Aâma, cujo volume 3 é o mais recente a sair no Brasil e veio para cá em 2017, tem um quarto e último tomo lançado há quase 5 anos na Europa e que conclui essa saga, mas ainda encontra-se inédito em português; A coleção Safadas também tem um derradeiro volume intitulado Ciné Fripon (Safadas Cinema, em tradução livre) que nunca chegou por aqui. Apesar do ótimo trabalho realizado em outros seguimentos, vale a pena a editora concluir essas coleções já iniciadas.

Duplo Eu
Navie e Audrey Lainé
144 páginas
Formato: 17 x 24 cm
R$54,90
Brochura
Editora Nemo
Data de publicação: 07/2019

 

 

 

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Erzsébet | HQ portuguesa é o novo lançamento da Zarabatana

Lançamento da Zarabatana Books (casa do personagem Lucky Luke) do mês de março, Erzsébet, do autor Nunsky, foi um dos vencedores do Festival de BD Amadora de 2015 em Portugal. Confira abaixo a sinopse e os detalhes desta premiada obra.

Erzsébet Báthory, a infame condessa húngara contemporânea de Shakespeare, ao contrário deste, incarnou como poucos o lado negro e animalesco do ser humano. Atribuem a Erzsébet centenas de crimes inomináveis – e por isso ficou conhecida como Tigresa de Csejthe e Condessa Sanguinária – que a colocaram no mesmo lendário patamar de Gilles de Rais e Vlad, o Empalador. Por detrás de seu rosto pálido, de olhar impassível e melancólico, ocultava-se o próprio demônio, Ördög.

Em Erzsébet, o quadrinista português Nunsky (nascido no ano de 1972) recria com maestria a vida sombria desta personagem misteriosa e assustadora. A obra foi editada em Portugal pela Chili Com Carne, onde em cerca de 140 páginas o autor registra a brutalidade da condessa. O livro ganhou o prêmio de Melhor Desenho no Festival de BD de Amadora em 2015.

Em 2015 Nunsky criou Nadja – Ninfeta Virgem do Inferno, verdadeiro deboche gráfico para fãs distópicos do RanXerox e, em 2016, Espero Chegar Em Breve, baseada em um conto de Philip K. Dick. Ambas as obras são inéditas no Brasil.

Erzsébet possui 144 páginas em preto e branco, encadernadas no formato 16 x 23 cm e valor de capa sugerido de R$ 40,00. A obra encontra-se disponível para compra no site da editora, que pode ser acesso clicando AQUI.