A ilha de Aqui é um lugar perfeito. Tudo é meticulosamente organizado, certinho e todas as pessoas seguem suas vidas corretas. Dave, um assalariado com um forte senso de organização, é o protagonista de A Gigantesca Barba do Mal, uma história lançada pela Editora Nemo que lida com o medo do desconhecido, tece críticas à rotina e brinca com a linguagem dos quadrinhos.
Seguindo sua rotina como toda a população de Aqui, Dave tem medo de Lá. Todos tinham medo de Lá: um local afastado, além-mar, onde ninguém jamais esteve. Contudo, Dave também sonhava com Lá. Sonhos terríveis, pesadelos onde a desordem e caos reinavam. E num belo dia seu único fio de cabelo do rosto cresceu e trouxe a temida desordem para Aqui.
O crescimento da barba de Dave mergulha Aqui em um caos assombroso. Nesta sociedade onde tudo é perfeito, a barba é algo impensável. Os enormes fios no rosto de Dave interferem nas vidas alheias, impedindo fluxos e mobilizando governos. A rotina de Aqui é transformada, e as pessoas devem descobrir novas formas de tocar seus dias.
A genialidade por trás de A Gigantesca Barba do Mal, que é a estreia de Stephen Collins com graphic novels, é a crítica bem-humorada. Com esta premissa tão estranha, Collins sutilmente aborda os principais aspectos do dia-a-dia das pessoas de cidades grandes ou médias, onde todos são regidos por conservadorismo e ignorância com relação ao diferente.
A gigantesca barba de Dave, que chega a cobrir toda a cidade, é declarada um incidente nacional. Sem maiores explicações nada consegue ir contra a força dos pelos, e com o caos na vida dos moradores de Aqui, Collins também brinca com o caos na linguagem dos quadrinhos.
Trespassando quadros e consumindo páginas inteiras, a arte desta história é feita para criar a sensação de quebra. O início demonstra a rotina das pessoas com características ultra-certinhas, em páginas ideais e quadros perfeitos, e quando a rotina é rompida, rompem-se também os limites. A narrativa é transformada com o crescimento da barba de Dave, e as sátiras à ignorância e tédio também passam a abordar a forma como as celebridades são tratadas.
O tédio da rotina finalmente torna-se algo interessante, pelos motivos mais absurdos possíveis.
O desenrolar deste conto surreal é tomado em proporções… gigantescas. Collins, além de falar sobre a tediosa rotina, a ignorância, sensacionalismo, espetacularização e o caos já citados, dá um charme a mais quando utiliza trechos musicais no texto, muito bem traduzido por Eduardo Soares. Terrorismo, xenofobia e patriotismo também são assuntos tocados, firmando o teor tão atual das críticas da obra.
O caráter inventivo do quadrinho é mantido até o fim. A mídia, as corporações, as pessoas e os animais exercem alguma importância para o crescimento da barba de Dave, que pode ser inserido em diferentes perguntas. Seria o momento de rebeldia em oposição ao tédio? Seria a pressão social para com o diferente? Ou só a vontade em desbravar o desconhecido de Lá, onde tudo que foge do padrão supostamente habita?
A Gigantesca Barba do Mal é uma verdadeira fábula moderna em quadrinhos. O texto é poético, as ilustrações são estilizadas e o desfecho é inesperado e melancólico. Inteligente, ousada e real, esta história marca com louvor a estreia de Stephen Collins no mercado das graphic novels, um sopro de criatividade para as HQs, tendo sido indicada ao Prêmio Eisner de Melhor Álbum Inédito.
A Gigantesca Barba do Mal possui 240 páginas encadernadas em brochura no formato 24 x 17 cm, com preço de capa sugerido R$ 44,90.