O ano era 1992. E o Superman ia mal, e não foi por causa de nenhuma Kryptonita ou algum ardiloso plano do Lex Luthor. O maior ícone da DC Comics e dos quadrinhos em geral já não tinha mais a força editorial e perdia a popularidade cada vez mais. Os filmes de sucesso já estavam no passado. O Batman tinha recebido uma injeção de ânimo graças aos filmes Batman (1989) e Batman: O Retorno (1992), e ainda bebia muito da água de O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller que tinha instalado uma forma mais “pesada” para as histórias do Homem-Morcego, como por exemplo, o arco Morte em Família. Nesse meio todo, ainda surgiam personagens com atitudes agressivas e o Homem de Aço estava taxado como ultrapassado.
A DC Comics fazia de tudo para tentar levantar o seu maior símbolo. E tentar coloca-lo no auge novamente como tinha atingido nos meados dos anos 80 (você gostando ou não) na fase de John Byrne. Medidas foram tomadas como: Lois Lane descobriu a identidade secreta, o casal começou a namorar pra valer, noivaram, Luthor morreu, o seu “filho”, conhecido como Lex Luthor II ficou no seu lugar e a Supermoça, que tinha sido introduzida por Byrne, começou a ser mais participativa. Mas mesmo assim as vendas ainda iam mal. As histórias não funcionavam e não eram da altura do personagem. Enquanto isso, os Mutantes da Marvel Comics e a Image Comics ganhavam cada vez mais força no mercado de quadrinhos.
E qual foi a solução que a Casa das Lendas teve para levantar o seu maior personagem? Vamos matar o Superman! E foi realmente uma jogada de mestre. A DC Comics soube mexer com a mídia e com os leitores na época. As HQs da editora viam com um anúncio Doomsday is coming for Superman!, em tradução literal, O Apocalypse está vindo para o Superman!. A edição escolhida para o terrível ato foi Superman #75. Que antes estava programada para ser o casamento de Clark e Lois.
Man of Steel #18
Na verdade, nessa edição, é apresentado um pequeno prelúdio de sete páginas, onde uma misteriosa e poderosa criatura foge de uma prisão e começa e destruir tudo em seu caminho.
Justice League of America #69 – “Saldos da Derrota”
Com uma equipe formada (não riam) por Besouro Azul, Gladiador Dourado, Guy Gardner (com o Anel Amarelo), Fogo, Gelo, Máxima e Bloodwynd. Eles tomam uma surra tremenda do monstro.
Superman #74 – “Contagem regressiva para o Apocalypse”
O Azulão se une à derrotada Liga da Justiça para tentar deter o avanço do monstro, que nesse momento já era chamado de Apocalypse pela imprensa.
Adventures of Superman #497 – “Sob Fogo Cerrado”
O Superman deixa de perseguir o monstro por um tempo para ajudar seus amigos feridos, e logo depois, volta a pancadaria.
Action Comics #684 – “…Apocalypse está Chegando”
A batalha chega aos laboratórios Cadmus, onde Apocalypse enfrenta o Guardião. E decide seguir para Metrópolis. Por quê? Porque no capitulo anterior ele viu um comercial de TV sobre a maior luta do século que aconteceria na cidade.
Man of Steel #19 – “O Dia do Apocalypse”.
A fera chega em Metrópolis. Supermoça, a Unidade de Crimes Especiais e o Professor Hamilton, tentam em vão, derrotar o Apocalypse.
Superman#75 – “Apocalypse”.
O ato final. A edição que mostrava a ultima batalha do Superman, é o melhor capitulo de toda a saga. Dan Jurgens fez a história toda com páginas de splash. Com quadros de páginas inteiras. A revista é repleta de tensão, urgência e belas artes. Mostrando o desespero do Superman em deter a fera. A grande sacada é focar no herói, Lois e Jimmy Olsen. Três personagens que sempre foram bases em diversas histórias aos longos dos anos.
A trama no geral é bem simples, como diz o título. Depois de uma perseguição onde o Superman apanha, bate um pouco, cai e levanta de novo, o monstro Apocalypse surra os heróis com uma das mãos amarradas nas costas! Depois de diversas edições, quando chega no clímax final e nas últimas quatro páginas, somente então, o herói descobriu uma forma de ferir a fera.
O roteiro tem umas escorregadas, mas existem pontos interessantes que merecem menções: a década de 90 estava começando e alguns órgãos criticavam o excesso de violência que as historias em quadrinhos estavam trazendo. Era uma época em que Wolverine, por exemplo, decapitava em suas histórias, o Spawn trucidava os inimigos. O selo Vertigo começava a dar os primeiros passos, e seu conteúdo era algo mais adulto. Na sua primeira participação na trama, o Superman, participa de um programa de TV de Cat Grant. A atração é transmitida direto de uma escola e os alunos fazem perguntas ao herói. E uma aluna faz sobre o excesso de violência usado por alguns heróis.
Em outro momento, refletia o que os jovens pensavam sobre o Superman. Um garoto reclamando que ele é ultrapassado. Que se a entrevista fosse com o Guy Gardner, seria melhor. Outra boa sacada da trama é o que a impressa pode fazer para conseguir audiência, como se arriscam por uma matéria. No caso, para cobrir a luta final.
Uma coisa bacana no arco é as participações de personagens secundários na mitologia do Superman, mas que são figuras participativas nas histórias do herói. Alem dos já citados Lois e Jimmy, vemos boas adições nas histórias de Bibbo, Professor Hamilton, Cat Grant, a UCE e o Projeto Cadmus. Os personagens são bem explorados a sua maneira, mas ao mesmo tempo, favorecem no excesso desnecessário de páginas.
O visual assustador e a fúria incontrolável se tornaram características do Apocalypse. Mas, no mais, o mostro só anda e bate. Será que somente uma selvageria imparável seria capaz de matar o Superman? Apesar de ser nobre o fato dele dar tudo de si no final, vamos fazer um exercício de imaginação? Não seria mais legal e interessante se a morte fosse pelas mãos de algum de seus grandes inimigos como Luthor e Brainiac?
Hoje em dia, infelizmente, o Apocalypse, se tornou um personagem que é usado em aparições com intuito de levantar alguma grana a mais na venda da luta contra o seu maior algoz. Como sua primeira aparição na clássica história, ele se tornou um caça-níquel da editora. Ele já voltou várias vezes, já teve a origem aprofundada, mas nada mais publicado dando a devida importância do vilão. Apesar de ter uma personalidade de uma porta, ele é o único ser, que até então, matou o Superman.
Mike Carlin, era o capitão dos títulos do Homem de Aço na época. Ele foi um dos responsáveis por transformar e coordenar os eventos e arcos que envolvem a Morte e o Retorno. Obviamente, que alguns deles foram extensos sem muita necessidade, mas o objetivo era vender.
A Morte do Superman se tornou um clássico da DC Comics. E por mais que soubéssemos que o personagem não continuaria morto, não imaginávamos que ele voltaria tão cedo. A saga original foi apenas a ponta do iceberg. Em menos de um ano veio Funeral para um Amigo e O Retorno do Superman. Apesar da saga como um todo ter sido bem dividida, dando um espaçamento entre uma e outra, ainda ficava o sentimento de algumas coisas foram “para encher linguiça”. Alguns fãs se sentiram desapontados e se viram dentro de um mero golpe publicitário. As edições do Retorno já não mantiveram o mesmo pique de vendas da abertura da saga. O que é até normal, dado a importância da publicação. Um exemplo foi o estudo da organização varejista das Comics Stores americanas, revelou que muitas das vendas de Superman #75, por exemplo, foram feitas por pessoas que não acompanhavam os quadrinhos. Mas queriam ter a edição histórica à titulo de coleção ou de valorização financeira para o futuro.
Mas o objetivo da DC Comics tinha sido atingido. As publicações do personagem venderam horrores. O Superman, e toda a indústria dos quadrinhos, voltaram às grandes mídias. A notícia correu o mundo em uma velocidade incrível para uma época em que a internet era apenas um planejamento distante. Lembro de estar assistindo o Fantástico na Rede Globo, e uma matéria sobre a Morte do Superman (ainda sendo chamado no Brasil de Super-Homem) surgiu. Nela, era falado sobre os novos caminhos dos quadrinhos americanos. Como a força que os X-Men se transformaram falando de preconceitos, os heróis e anti-heróis da Image Comics, o futuro Batman aleijado e a morte do Superman.
Em todo o mundo, a jogada da editora americana deu certo comercialmente. Inclusive aqui no Brasil ela funcionou e muito bem. A Editora Abril, publicou, praticamente simultaneamente com os Estados Unidos, uma edição especial que compilava todo o arco. Assim como tinha acontecido com Guerras Secretas da Marvel Comics. Pode não parecer, mas uma estratégia dessa naquela época era ousada e requeria um planejamento diferente. Como acabou adiantando alguns fatos que ainda não tinham sidos publicados por aqui, por exemplo, o Guy Gardner como Lanterna Amarelo, a editora tupiniquim providenciou uma nota explicativa no começo da revista que fala sobre fatos e personagens ainda inéditos no nosso país).
A (linda) edição especial, era uma capa toda preta que mostrava o icônico S sangrando em alto relevo e com efeitos metalizados. O miolo era em papel LWC e repleto de brindes. Um fac-símile de Superman #75 em formato americano com os momentos finais da luta. Uma revista Newstime sobre a morte do herói, com depoimentos de celebridades e matérias e um histórico pôster de Dan Jurgens que mostra o cortejo fúnebre com diversos personagens da DC Comics. Eu tive essa edição!
Até hoje uma das maiores discussões é se foi golpe publicitário ou não da DC Comics. Eu tenho certeza que foi. Mas também é muita ingenuidade pensar que não haveria a ressurreição do personagem. Algo tão normal EM TODAS AS EDITORAS é matar um personagem e voltar com ele depois. E com um dos maiores ícones dos quadrinhos não seria diferente. A Morte do Superman, assim como tudo que vem depois, é uma leitura necessária que todo fã e leitor do Homem de Aço deve fazer. Pode ser uma trama simples. Foi algo para alavancar as vendas e recuperar um prestigio do personagem. E alcançou os dois objetivos. E se tornou um fato histórico não só na história da DC Comics. E em toda indústria dos quadrinhos.
O Superman já morreu e voltou diversas vezes nos quadrinhos. Mas, com certeza, a mais impactante foi a de 1992. Era um período difícil para o personagem e a ação publicitária que envolveu a publicação rendeu bons frutos para a DC Comics. Esse ano ela completa 25 anos. Muitos podem falar que ela envelheceu mal. Outros podem falar que se tornou essencial para o personagem. Eu, particularmente, acho um pouco de ambos. Acredito que se fossem produzir algo mais recentemente (para valer mesmo, na mesma situação em que se encontrava comercialmente o personagem, e não na transição igual dos Novos 52) seria menos o sistema correria e pancadaria, como foi em 1992. Acho que seria algo mais poético até.