Já fazem alguns anos que escrevo aqui para a Torre de Vigilância, e um dos quadros mais recorrentes que eu participo é o “Primeiras Impressões”. Além de ser um conteúdo – na maioria das vezes – fácil e rápido de produzir, acredito funcionar como um dever cívico para com as pessoas interessadas: É o famoso “eu fiz para que você não precise fazer”.
O ditado diz que “a primeira impressão é a que fica”, e justamente por isso, é um quadro importante: Se o começo for ruim, ou nos passar uma impressão ruim, acabamos nem vendo o final, não é? Isso quer dizer que, na maior parte dos casos, quando decidimos continuar com um show, só existem duas possibilidades: Ou ele se mantém no nível que nos fez querer ficar, ou ele piora.
Por causa disso, é sempre uma gratificante surpresa quando um show resolve ficar melhor do que aparentou ser no início. O que “The Misfit of Demon King Academy” fez, em seus dois primeiros episódios, não chega aos pés do mérito que ele merece. Aparentando ser um simples show de porradinha, eu fui muito cruel e desrespeitoso com ele nas minhas “Primeiras Impressões“. Apesar de manter a porradinha que a gente gostou, ele foi um passo além, e por conta disso, venho me desculpar com essa postagem.
Existem diversas expectativas e esperanças para um “shonen de lutinha”: Você espera uma história simples, extremamente preto no branco, onde os vilões são maus e os mocinhos são bons, e você gasta metade da temporada em um arco de torneio absolutamente desnecessário e que não acrescenta em nada à história. Que história, aliás? É um shonen de lutinha!
Mas é claro que Anos Voldigoad, o Rei-demônio da Destruição, não poderia deixar isso barato. Vocês acharam mesmo que ele teria um show genérico e sem graça, só porque você achou a premissa e a sinopse genérica e sem graça? Com uma história ainda genérica, mas muito bem trabalhada e, principalmente, bastante divertida, nos vemos investidos no mistério do mundo, tentando entender o que aconteceu nos dois mil anos que passaram.
Muito se comenta sobre “protagonistas invencíveis”, onde qualquer conflito que envolva violência ou força física não traz nenhuma tensão para o espectador: Nunca há uma real chance de os mocinhos serem derrotados, então, aquela luta não tem sentido. Várias obras tentam circunver esse obstáculo ao deixar seu protagonista de lado, e permitir que as personagens de apoio tenham seu tempo no holofote. One-Punch Man faz isso com maestria, sempre dando alguma desculpa para que o patrono do show esteja no lugar errado na hora que precisamos dele. Isso funciona um número de vezes, até você perceber que no final, o protagonista invencível sempre vai chegar e resolver o problema.
A forma que “The Misfit of Demon King Academy” encontrou de resolver esse problema é interessante: Fazendo o conflito principal não ser uma batalha de forças, mas uma batalha de ideais. Afinal, como já comentamos, não haveria história alguma se o problema pudesse ser resolvido na base da porrada. Nem mesmo o todo-poderoso Rei-demônio da Destruição pode derrotar mil anos de racismo sistêmico. Pelo menos, não em uma noite.
Porém, acredito que o maior mérito do show seja no seu caráter genuinamente misterioso. O grau de absurdo do show atinge níveis estratosféricos logo no primeiro episódio, te dando a impressão de que aquilo não passa de uma descarada paródia, afinal, não há como algo assim ser sério… né?
Depois de alguns episódios, você percebe a seriedade com que tudo é tratado, mesmo quando estamos tratando de coisas ordens de grandeza piores do que deveria ser permitido. Você fica sem saber dizer se a intenção era ser uma paródia ou era ser levado a sério, e, pra mim, esse é um efeito mágico que só pode ser alcançado com completa maestria sob a escrita. Não é fácil fazer algo assim, que pode ser interpretado de ambas as formas e te deixa irritado não importa qual delas você resolva adotar. O animê realmente merece os parabéns.
Outra coisa que precisa ser comentada é sobre o aspecto técnico do show. Mais uma vez, temos uma impressão de que animês “como esse” tendem a ser mal produzidos, tendo animação desajustada, direção porca e coreografia desanimadora. Embora seja verdade na maior parte dos casos, “The Misfit of Demon King Academy” nos mostrou, outra vez (já é o quê? A terceira vez? Só nessa postagem?), que nem tudo deve ser levado apenas por impressões.
A animação, do estúdio Silverlink, é belíssima e se mantém consistente ao longo de todos os treze episódios; a direção, do dueto Shin Oonuma e Masafumi Tamura, fez jus à complexidade da obra e conseguiu torná-la ainda mais marcante; e a coreografia tornou cada luta em um espetáculo digno de um season finale.
A grande lição que temos que tirar disso tudo é que julgar um livro pela capa etc etc etc. Já conhecemos o ditado, né? De verdade, a lição que fica é sobre expectativas e como o resultado se compara a elas. Eu acabei adorando “The Misfit of Demon King Academy” pois fui com a expectativa mais baixa do mundo, e me deparei com um resultado surpreendentemente acima do que esperava. Isso fez com que minha visão da obra fosse um enorme sorriso. Quando você espera um 2/10 e consegue um 6/10, ele parece muito melhor do que um 6/10 que parecia ser um 9/10. Na prática, o show é um 10/10 no meu coração, que me divertiu horrores por toda sua exibição e provavelmente liderará a minha lista de melhores do ano, para semear ainda mais caos por lá.
Encerro pedindo desculpas ao show, e desculpas A VOCÊ, leitor, que agora vai assistir o animê com uma expectativa super alta e vai se decepcionar. Foi mal.
“The Misfit of Demon King Academy” está disponível na plataforma de streaming Crunchyroll, com todos os 13 episódios com legendas em português.