”Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Eu enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu permanecerei.”
Assim que li Duna em 2015 e assisti ao filme de David Lynch, feito em 1984, tirei como conclusão de que esta seria uma obra impossível de ser adaptada no cinema e que a melhor opção seria uma série televisiva nos mesmos moldes que Game of Thrones – isso tanto pelo conteúdo como pelo vasto universo presente nos livros.
Originalmente, Duna é um livro publicado em 1965 por Frank Herbert e considerado por muitos um dos precursores da atual ficção científica, sendo uma das mais renomadas. Além deste primeiro livro, o universo de Duna apresenta mais cinco sequências que expandem todo este incrível universo. O fato é que este é um livro cuja sua narrativa pode ou não cativar o leitor, e há uma certa dificuldade em fazer com que esta seja adaptada em tela de forma que agrade o público e que o mesmo consiga compreender toda a essência e a magnitude deste universo – neste caso, Denis Villeneuve consegue com maestria.
Resumir a história do longa é complicada, mas basicamente a trama de Duna se passa em um futuro onde a ordem é feita por meio de um império intergaláctico nos moldes feudais, onde cada família é responsável por administrar um planeta. Nesta primeira parte, acompanhamos o início da trajetória de Paul Atreides e sua viagem para o planeta Arrakis. Seu pai, o duque Leto Atreides é convocado pelo Imperador para administrar Arrakis: planeta natal da especiaria melánge, antes administrado pela casa Harkonnen. Junto a isso, Paul precisa lidar com os sonhos que vêm tendo e com o fato de que o mesmo pode ser o Kwisatz Haderach, ou seja, o escolhido. Após a chegada da casa Atreides em Arrakis surgem diversos desafios políticos, como por exemplo a rivalidade entre as casas Atreides e Harkonnen, as questões que envolvem a especiaria ou a união com os fremen.
Quando é dito que Duna é um livro difícil de ser adaptado para as telas, não é um grande exagero. Se observarmos bem o filme de David Lynch em 1984, podemos ver o quão complicado é adaptar um vasto material para um longa com curto tempo de duração. Pessoalmente não considero a adaptação de Lynch tão ruim como dizem, mas se até o diretor tem vergonha de assinar o filme, quem sou eu para discordar.
A verdade é que Duna apresenta uma narração densa, uma trama política bem detalhada e descrições extremamente ricas que compõem o incrível universo apresentado por Herbert. Portanto, o grande desafio de Villeneuve seria conseguir transformar um denso material em um roteiro que consiga agradar tanto o público que é fã da obra original como quem será apresentado através desta adaptação.
Denis Villeneuve consegue concluir este desafio da melhor forma possível, realizando uma adaptação que apresenta com precisão a vastidão do universo de Duna. De certa forma, talvez a duração do longa não agrade todo mundo: afinal, são em média duas horas e meia onde há bastante diálogo. Entretanto, o diretor consegue compreender a essência da obra e expõe ela da melhor forma possível na tela.
Há algumas ”falhas”, obviamente, como toda adaptação: aqui, há alguns vazios na trama e o diretor opta por não focar na trama política e nem em outros detalhes presentes no livro – talvez para desenvolver os temas nas futuras sequências ou apenas para que tudo se encaixe dentro do filme sem prolongar demais. Além disso, Villeneuve também muda a essência de alguns personagens, como por exemplo Lady Jessica – mãe de Paul – que apresenta um comportamento diferente do livro e de outros personagens secundários que são deixados de lado. Isto não afeta em nada a trama, mas em particular senti falta da exploração acerca do lado político que tem na obra.
Outro ponto que poderia ter sido mais impactante no longa é a respeito dos vermes de areia: a cena onde, finalmente, ocorre a revelação da criatura tem um grande impacto visual no telespectador. Porém, ela foi exposta no trailer junto com o visual em fotos promocionais – caso não tivesse, o impacto teria sido bem maior. Nada que interfira na experiência, mas que poderia ter gerado uma surpresa no telespectador que não conhece a trama (até porque, sua construção no decorrer da exibição ocorre de forma discreta e até mesmo construindo um terror psicológico e uma curiosidade para o que está por vir).
A fotografia de Duna é incrível em todos os detalhes, Greig Fraser fez um trabalho sensacional aqui. Tive oportunidade de assistir o longa na sala IMAX a convite da Warner Bros e, sem dúvida, o filme foi feito para ser visto nos cinemas. A ambientação é construída com atenção em cada detalhe e toda cena surpreende o telespectador tanto por sua beleza como pelos efeitos ao redor.
Não só a fotografia como o figurino também chama a atenção, tudo foi feito nos mínimos detalhes e da melhor forma possível para mostrar a diferença cultural entre Arrakis e Caladan – planeta casa dos Atreides. Além disso, a trilha sonora de Hans Zimmer combina perfeitamente com a ambientação e consegue criar todo um clima que envolve o telespectador com o filme.
Por último, o elenco está sensacional e combina com os personagens que representam. Chalamet entrega um grande potencial como Paul Atreides, assim como Oscar Isaac como o duque Leto e Rebecca Furgson como Lady Jessica. Até mesmo os personagens secundários da trama tem seu destaque, inclusive Zendaya como Chani – que, mesmo em pouco tempo de tela, consegue marcar o filme. E isso não deve ser preocupação, nas sequências ela terá um papel fundamental no decorrer da jornada de Paul.
Então, é bom?
Com diversos detalhes técnicos sensacionais, um roteiro que cativa tanto os fãs da obra como o novo telespectador e com um grandioso elenco, Duna consegue se consagrar como a obra-prima de Denis Villeneuve. O longa se prova como um dos melhores filmes do ano e uma das melhores adaptações já feitas, respeitando o material base e servindo como o início de uma grande franquia nos cinemas tal como O Senhor dos Anéis foi em sua época.
Agora é torcer para que sua sequência seja confirmada e que concorra ao Oscar nas categorias técnicas pois, sem dúvida alguma, este filme merece.
Nota: 4.5/5