Sei que falar de Tokusatsu no Brasil é como querer cutucar formigueiro, mas vamos lá:
Existe uma discussão acalorada sobre o que é ou o que pode ser chamado de “Tokusatsu“, especialmente quando se tratando de animações. O termo, em sua origem, é intrinsecamente ligado ao live-action, e por isso, muitos têm receio de usá-lo para mídias animadas. Mas, sejamos sinceros: O “Toku” já é algo tão grande, que transcende definições ou classificações. Afinal, o próprio conceito taxonômico de gêneros e demografias é falho. Mas isso é conversa pra outra hora.
O ponto que eu quero chegar é: Mais do que apenas live-actions com muitos efeitos especiais, Tokusatsu se tornou um estilo de ficção. Existem características, ferramentas de roteiro e conceitos que são inseparáveis do que torna um Tokusatsu… bem, um Tokusatsu. Cada pessoa terá uma opinião diferente sobre quais pontos são mais importantes, mas um guarda-chuva que parece cobrir todos eles é que a coisa precisa ser, em sua essência, “massavéio“. É uma diversão absurda. Um entretenimento “pobre” no sentido de não precisar se esforçar para ser complexo ou elaborado. Sua fórmula é simples: Ser irado e ser maneiro, e apenas isso.
Quando olhamos para a animação (em especial os animês, mas podemos abranger para todo tipo), o panorama é outro: Não é “necessário” o uso de “efeitos especiais” para gerar os efeitos especiais que existem nos Tokus. A maravilha da arte é justamente você poder criar aquilo que é impossível – ou muito difícil – na realidade, pois no desenho, tudo pode acontecer.
Isso é uma faca de dois gumes para animês que queiram “ser Tokusatsu“, porém. De um lado, sair das limitações físicas do mundo real te dá uma liberdade muito maior para ser o mais exagerado possível. É uma oportunidade de simplesmente causar o maior estardalhaço que puder sem pensar nas consequências de seus atos. Por outro lado, parte do charme do Tokusatsu é justamente suas limitações técnicas. Os movimentos supérfluos, as faíscas voadoras e as coreografias desengonçadas contribuem para a atmosfera geral.
Mesmo assim, eu ainda acredito que com um pouco de boa vontade, a fórmula funciona em animês. E com um clássico exemplo de coisas que somadas se tornam mais do que a soma de suas partes, um show animado com essas características pode criar combinações únicas, ao trazer coisas mais comuns de sua mídia para agregar na já comprovada receita de sucesso dos Tokusatsus.
E é com esse ponto que eu posso começar a falar de Symphogear: Certamente um nome que você já ouviu, caso seja uma pessoa que se aventura pelos meios das animações japonesas, esse show é, ao menos pra mim, o epítome da junção “estereótipos de animê” com “porradinha formulaica de Tokusatsu“. E como um fã das duas coisas, fica fácil entender onde eu quero chegar com isso.
A sinopse da primeira temporada segue abaixo, em tradução-livre:
Duas cantoras, Tsubasa Kazanari e Kanade Amo, conhecidas como a dupla “Zwei Wing”, lutam contra uma raça alienígena conhecida como “Noise” usando armaduras chamadas “Symphogear”, que usam o poder da música para anular as enormes capacidades destrutivas dos Noise. Porém, Kanade se sacrifica para proteger uma garota chamada Hibiki Tachibana, que acaba com fragmentos da relíquia Symphogear de Kanade, “Gungnir”, presos em seu peito. Dois anos depois, Hibiki desperta os poderes dos fragmentos da Gungnir que estão dentro dela, ganhando a mesma armadura Symphogear que Kanade usava. Com o poder das canções, Hibiki e suas colegas devem usar os Symphogear para lutar e proteger os inocentes contra aqueles que querem usar os Noise para o mal. (Tradução-livre, versão em inglês obtida na Wikipedia)
Tema musical, com cantoras famosas interpretando personagens com o intuito de vender CD mais tarde? Uma das jogadas de marketing mais clássica da mídia; Elenco majoritariamente feminino, com designs excessivos e roupas sexy? Mais comum do que você imagina; Ambientação escolar, onde o destino do mundo acaba nas mãos de adolescentes? Apenas uma quarta-feira qualquer. Esses são apenas alguns tropos extremamente normais de se encontrar em animês, que ganham uma nova perspectiva ao serem mesclados com as sequências de transformação, com as hordas de inimigos cartunescos e interações com vilões que desejam destruir ou dominar o mundo com algum plano mirabolante e que sempre foge após um embate.
A maestria com que Symphogear utiliza suas ferramentas para gerar um conteúdo que é o mais puro suco de massavéio chega a ser impressionante. As músicas não são meros instrumentos de mídia, mas fazem parte integral das batalhas e do desenvolvimento, gerando momentos de intensidade e adrenalina ao ouvir uma parte da letra ser gritada ao atacar um adversário, ou a cantora fraquejar ao receber um golpe. Toda a ambientação é brega e absurda, compensando a “perda” que a troca para animação causa com história, plot twists e interações entre personagens.
Com um bom equilíbrio entre os dois lados da balança, Symphogear consegue ser Tokusatsu o suficiente para que mesmo quem odeia animê possa se entreter, apesar de toda a “baboseira de desenhos japoneses” que ele trás. Ao mesmo tempo, ele é extremamente animê, ao ponto que uma pessoa que nunca teve contato com Tokusatsu na vida irá se sentir em casa no meio de coisas tão familiares. É um balanço que permite um tipo de público ser suportado pelo outro, para que ambos tenham algo para aproveitar.
Outro ponto de contenção para fãs de Tokusatsu é a duração de suas séries: As mais modernas costumam ser anuais, com uma grande quantidade de episódios para acompanharmos não só as lutinhas bregas, como o crescimento das personagens e a progressão da história.
Symphogear acrescenta algo a mais nesse aspecto: Com cinco temporadas (totalizando 65 episódios), sendo a primeira lançada em 2012, até a mais recente, que aconteceu em 2019, progredir nos episódios não é apenas uma questão de avanços de roteiro, mas também um avanço técnico. Com cada temporada, a qualidade da animação, das músicas, das sequências de transformação e de combate vão crescendo, te dando uma nova camada de sensação de desenvolvimento. Ver a qualidade dos episódios finais te faz chorar de emoção, ao lembrar de onde viemos, e sussurrar um “Veja só até onde as minhas garotas chegaram… Que orgulho…“. N-Não que eu tenha feito isso, é claro…
Ainda sobre crescimento, acredito que o maior mérito de Symphogear esteja na sua falta de bom senso. E eu digo isso como um ponto positivo! Com as claras inspirações em Tokusatsu, a primeira temporada não se importa em ser uma história coesa, focando todos seus esforços na “Rule of Cool” (ou, como eu gosto de dizer, “ser do balacobaco“), e criando um universo propenso ao absurdo. Não ter a menor ideia de o que pode acontecer a seguir, pois literalmente qualquer coisa é plausível e nada está além dos limites do show, cria uma tensão que te prende à tela o tempo inteiro. E conforme a franquia cresce, ela consegue criar uma narrativa cada vez mais interligada e intrinsecamente conectada, sem abrir mão de ser brega e absurda.
Essa predisposição de quebrar expectativas é algo que, do meu ponto de vista, faz com que Symphogear atraia fãs de Tokusatsu que tem a breguice e o massavéio como preferências. É diferente de algo como Pretty Cure, que é outra franquia animada totalmente Tokusatsu, mas que se foca em seguir a fórmula e ter lutinhas maneiras, o que pode atrair um outro público de fãs de Toku.
Palavras não são suficientes para descrever a experiência surreal de assistir Symphogear. Mesmo com uma postagem desse tamanho, eu não sinto que estou fazendo justiça ao espetáculo audiovisual que é a quintessência das coisas que fazem um fã de animê gostar de animê, e um fã de Tokusatsu gostar de Tokusatsu. Embora acredite do fundo do meu coração que vale mais do que isso, ao tentar ser imparcial e analisar não só a obra como um todo, mas também os pré-requisitos para aproveitá-la, a nota do redator para Symphogear é 4,5/5,0.
E também temos várias músicas iradas da Nana Mizuki. Você gosta da Nana Mizuki, não gosta? Todo mundo gosta dela.
Você pode assistir todas as temporadas de “Symphogear” na plataforma de streaming Crunchyroll, com legendas em português.