Conforme visto em matérias anteriores, a Torre de Vigilância tradicionalmente cobre a Brasil Game Show há muitos anos. Apesar de vários textos, testes de jogos, fotos de Cosplay etc., nunca havíamos entrevistado um convidado internacional da maior feira de videogames da América Latina. Porém, em 2023 a escrita foi quebrada: pela primeira vez conseguimos uma conversa exclusiva com um ilustre convidado, e foi justamente com o russo Alexey Pajitnov, engenheiro de computação criador de Tetris, um dos jogos mais populares de todos os tempos.
Quase 40 anos após a criação que mudou para sempre a vida do Moscovita de 68 anos e do mercado de jogos eletrônicos em geral, Alexey nos conta sobre de suas impressões sobre o Brasil, os segredos de Tetris e ideias para novas conquistas dessa marca tão icônica não só nos games, mas na cultura popular. Confira!
Bem, Alexey: antes de tudo, muito obrigado por aceitar conversar conosco. Como você está aproveitando sua estadia no Brasil? Tem planos para visitar outras cidades?
Sim, muito obrigado a você por vir e fazer esta entrevista. É minha primeira vez no Brasil e estou muito contente por estar aqui. Infelizmente, ainda não consegui ver muita coisa pois estive muito ocupado com a Brasil Game Show, porque me querem por aqui a todo momento, mas estou com expectativas de também visitar o Rio [de Janeiro] por alguns alguns dias e aproveitar o que o Brasil tem a oferecer.
Existe uma situação muito interessante a respeito de Tetris: várias franquias de jogos deixam seu público saturado por isso acabam entrando em hiato, como Tony Hawk’s Pro Skater e Guitar Hero. Por que você acha que Tetris sobreviveu de forma ininterrupta por gerações?
Bem… esse é um grande mistério e eu não tenho uma resposta precisa para dar a você. A primeira coisa é que basicamente as outras propriedades estão relacionadas à técnicas modernas, hardware e coisas do gênero. Tetris tem como base elementos mais simples e pode rodar em qualquer plataforma ou sistema. É algo muito universal e por isso mesmo o torna muito popular. Outra coisa é que [Tetris] mexe muito com o nosso cérebro, o hardware muda com frequência e por isso temos que a toda hora mudar nosso raciocínio, isso é uma grande qualidade para um jogo manter-se popular por tanto tempo. Mais um elemento é seu conteúdo deveras abstrato: não é igual outros gêneros como, por exemplo, jogos de Terror, que têm força em seu nicho específico, mas que representa somente uma parcela de uma audiência total. Já Tetris é destinado à todos, especialmente ao público feminino, o que é bem importante.
É mesmo?
Sim, nos primeiros anos da indústria dos videogames a audiência por gênero girava em torno de 95% homens e 5% mulheres; Para Tetris, nosso publico era 55% homens e 45% mulheres. É um baita de um feito. Existem outros fatores [para usar como resposta], mas vamos ficar somente nesses.
Desde 2010 existe o Campeonato Mundial de Tetris, competição disputada a versão do Nintendo Entertainment System (NES), e você já esteve envolvido com o Torneio, inclusive com aparições virtuais…
Exato, eu já entreguei o troféu ao campeão!
Ah, ao Jonas Neubauer! Além do Jonas, tivemos outros vencedores, como Joseph Saelee e Michael Artiaga, o atual Campeão. Como você vê hoje os E-Sports? Você imaginava que hoje Tetris estaria nesse mesmo meio?
Sim, era um projeto em curso há muito tempo. Tetris é um jogo muito apropriado para estar no muito do E-Sport: é muito popular, tem uma marca forte, pessoas o reconhecem instantaneamente, é muito viciante e o público ama jogar. Basicamente é isso e tivemos experiências maravilhosas com as edições do torneio até agora. Bom, não temos muita variação do jogo, mas vou dizer qual é o segredo na minha opinião de tudo isso: o jogo acaba requerendo todos os seus recursos, toda a sua atenção, concentração e velocidade. Logo, quando jogado em modo multiplayer você não tem como ficar acompanhando o jogo do seu oponente, então cada jogador acaba focando em sua própria partida. Diferente de outros jogos em grupo, não há como você fazer uma estratégia de jogada que desfavoreça ou atrapalhe o adversário, prever o movimento do outro, alternar em ataque e defesa ou situações assim, muito presente na dinâmica do modo multiplayer. Quando chegarmos a um recurso em Tetris para que um jogador possa influenciar a jogada do rival, acho que estaremos por completo no mundo do E-Sport. Mas o primeiro passo foi dado, estamos conquistando mais público e temos a atenção de uma audiência expressiva. Hoje em dia é difícil manter a atenção de alguém por mais de 30 segundos, e a equipe do Campeonato Mundial de Tetris está fazendo um grande trabalho nesse sentido de conquistar e prender a atenção do público.
Tetris hoje faz parte de maneira expressiva de nossa cultura popular. Temos trailers amadores envolvendo Tetris, o jogo batizou uma condição clínica chamada O Efeito Tetris. Como você vê essas adaptações de Tetris fora do mundo dos jogos? Você já assistiu a alguma dessas produções feitas por fãs?
Além disso, existe o filme oficial do Tetris. Você conhece?
Sim, e além desse existem os caseiros, uns deles bem curiosos e engraçados…
Ah, mas esses são coisa menor. A produção original tem mais força. Mas, sim: é parte da nossa cultura e estou muito lisonjeado e existem situações nem divertidas como, por exemplo, existe o verbo Tetris em inglês, que significa arrumar de forma eficiente peças de algum produto em um espaço limitado. Está de fato em nossa cultura e acho que há nada de errado a respeito disso.
Antes tínhamos a dependência de jogar em consoles, sejam eles para a TV ou portáteis. Hoje podemos jogar Tetris até online. Como você vê a modernização da sua criação? Além disso, em contrapartida dos jogos longos e de mundo aberto como Grand Theft Auto, Tetris continua sendo um jogo de partidas predominantemente curtas…
Acho que é perfeito, pois temos uma indústria muito rica! Temos vários gêneros de jogos e todos são igualmente valiosos. É perfeitamente viável termos jogos mais divertidos e curtos e outros mais longos e densos. Faz parte da natureza da indústria e do seu desenvolvimento e na minha opinião, que pode ser considerada bem forte, videogames são a melhor forma de entretenimento, porque mantêm o espectador ativo no assunto. Não é igual assistir à televisão por horas e não poder interagir [com o programa transmitido], mas sim ter a chance de participar e também de praticar. Por isso, todos os gêneros dentro do mundo dos videogames são legítimos e bem-vindos.
Portanto, Tetris pelo visto ainda viver por muito tempo. Muito obrigado pela entrevista!
Era uma vez um alagoano. Ele morava no Canadá e tem uma paixão por quadrinhos. Então ele criou, em 2015, um canal no Youtube. E mesclando boas indicações de quadrinhos, resenhas e bebendo nas lágrimas dos haters, surgiu o sonho de se tornar um editor de quadrinhos e tocar a sua própria editora. Eis que surge Reginaldo Ferreira da Silva, o Ferréz, já conceituado romancista, e assim nasceu uma parceria que ninguém esperava, Thiago Ferreira, o popular Arromboss,ambos lançam a Editora Comix Zone em 2019.
Com a meta de publicar HQs que fujam do lugar comum, lançar artistas inéditos, histórias boas e com mensagens edificantes, a primeira publicação da Comix Zone foi a Canção de Rolland (2019) do canadense Michel Rabagliati, até então inédito no Brasil. De lá para cá a editora lançou importantes publicações, se tornou a casa da lenda Lourenço Mutarelli, sucesso de críticas, tanto nas histórias quanto na qualidade gráfica e arrebatou o Troféu HQMIX.
Mas, Thiago sempre fala que um dos pilares mais sólidos na editora é a atuação do canal homônimo no YouTube. Com quase 60 mil inscritos, ele é o elo entre público e editora, que ajuda a impulsionar no sucesso crescente a cada publicação.
Aqui batemos um papo com o Thiago Ferreira, via áudios de Whatsapp, onde ele falou sobre início da editora, união com o Ferréz, a “missão” da editora, como se tornou a casa do Mutarelli e o seu sonho de princesa.
1 – O que você está lendo atualmente?
Em Ondas (Editora Nemo) e Imbatível (Editora Saber Ler).
2 – Eu me lembro de um vídeo seu, um pouco antes de começar a editora, falando sobre fazer o que gosta. Se não me engano você falou que saiu do trampo que estava e ia iniciar em algo que sempre amou fazer, então veio a editora. Passados, acho que três anos, nem vou perguntar se está satisfeito com a decisão porque é óbvio a resposta, mas você achou que em algum momento tinha queimado a largada e antecipado o processo, ou pensa que poderia ter feito antes?
O tempo foi perfeito. Não saí nem cedo demais e nem tarde demais. o empurrãozinho foi dado pelo meu antigo chefe da agência de marketing, onde trabalhei por seis anos. Sempre tive meus projetos paralelos, sendo o primeiro deles o canal. Quando comecei a “trampar” na editora, eu ainda estava como designer. Só que aos poucos meu chefe começou a reparar que eu estava rendendo cada vez menos no meu trabalho de verdade, porque minhas energias estavam na editora. Então no final de 2019, ele me chamou na sala dele e disse que estava feliz pelos meus projetos pessoais, até porque nunca escondi o que eu fazia, mas eu precisava escolher o que eu queria fazer da vida.
Porque fazer as duas coisas não dava, ele me disse que eu precisava decidir se ia focar no trabalho ou nos projetos pessoais. Essa conversa foi numa sexta-feira, na segunda-feira seguinte eu pedi demissão. Ele entendeu de boa, porque ele sabe o valor e o peso de ter projetos pessoais. Foi no tempo certo, nem cedo demais, nem tarde demais.
3 – Já vão completar três anos que a editora Comix Zone está na ativa, e meio que ela ditou algumas melhorias no mercado, juntamente com a Pipoca & Nanquim, Figura… o que foi bom, porque merecemos sempre melhores histórias e com produtos de grande qualidade. Você acha que tanto o leitor e o mercado estavam preparados para essa “subida de sarrafo”?
Eu gosto de pensar sim que somos responsáveis por uma melhoria nos quadrinhos publicados no Brasil. Graças a nossa curadoria, eu acho que ajudamos a sofisticar mais o leitor que está pensando menos em quadrinho de super-herói descartável e está dando uma chance para quadrinhos de outros gêneros, de outros países…, mas isso não se deve somente ao trabalho da editora. Se deve muito ao canal do Youtube, que veio muito antes da editora. A editora é de 2019 e o canal existe desde 2015, e essa confiança que construímos ao longo desses anos, fez com que os leitores confiassem nos quadrinhos que nos publicamos. A editora não vive sem o canal, é uma ligação direta. O sucesso vem muito desse vinculo.
4 – Como foi essa união com o Ferréz? De onde surgiu essa parceria?
O Ferréz eu só conhecia de nome. Nunca tinha lido nenhum livro dele, mas sabia quem ele era por causa do Instagram. Eu já tinha feito alguns vídeos falando sobre a minha vontade de ser editor de quadrinhos, dos cursos que tinha feito, mas eu sabia que nunca ia conseguir montar uma editora morando no Canadá. E o Ferréz acompanhava o canal, e eu não sabia disso, então um belo dia ele me enviou uma mensagem, isso foi em abril de 2019, depois de assistir um desses vídeos. Ele me perguntou se eu não queria entrar em algum projeto com ele, até então não tinha o papo de editora ainda. Era um projeto ou algo parecido. Então sugeri montar uma editora e ele topou na hora! Parecia até mágica, saca? Sabe aquele lance de duas pessoas que parecem que se conhecem ao mesmo tempo? Foi isso. Tudo comigo e com o Ferréz acontece de forma bem rápida, direta. Não tem isso de reunião, demora e tal… a gente conversa, acerta e faz. E até hoje funciona assim.
5 – Como rola a escolha das obras para serem adquiridas e publicadas? Rola uma leitura de ambos, ou tem aquilo de “cara, vamos fazer isso aqui que essa parada é boa”.
A curadoria é feita 100% por mim. Como moro no exterior tenho acesso ao que está sendo publicado aqui fora. Como novidades e backlist das editoras, o material um pouco mais antigo e monto uma lista das coisas mais interessantes. Eu faço um pitch para o Ferréz. Aquele pitch de elevador de um ou dois minutos com premissa do quadrinho e porque ele seria pertinente. Se ele comprar a ideia, a gente corre atrás, adquire os direitos e publica. Ele não lê os quadrinhos antes, até porque os quadrinhos na esmagadora das vezes são importados e ele não fala nem francês e nem inglês. É uma relação de confiança. Ele confia no meu gosto e que tem se provado as escolhas editorais são bem acertadas. Eu costumo falar que o Ferréz é o meu primeiro cliente, eu faço o pitch e se ele achar interessante corremos atrás para publicar.
6 – Qual a publicação que te deu mais prazer de fazer? Aquela que te dá um puta orgulho. E aquela que você pensou que fosse estourar demais, tanto na parte financeira quanto na parte de reação da galera e não foi tão bem assim?
Todos os quadrinhos dão um certo prazer, principalmente quando nós o terminamos (risos). Mas de orgulho… tem uns que gosto mais… gosto de todos (pensativo), Paracuellos e a Grande Farsa são dois que eu gosto muito, recentemente teve O Guarani e Contos Ordinários de uma Sociedade Resignada, porque são dois autores que nunca foram publicados no Brasil antes. E a editora vai, publica, as pessoas falam a respeito deles e eles são sucesso. Isso é o que me dá mais prazer. Ser capaz de colocar no mercado um quadrinho que as pessoas nunca tinham ouvido falar antes. Graças ao trabalho que fazemos no canal, as pessoas confiam, compram e elas adoram. E falam a respeito e passam para frente. Esses são apenas alguns que mais gosto, mas gosto de todos.
7 – A Comix Zone será destinada para quadrinhos ou teremos também livros publicados?
Existem sim conversas sobre publicar livros, acho que pode acontecer no futuro, mas não posso confirmar nada.
8 – Vamos falar de O Golpe da Barata – Tem Fantasmas em Casa. Eu li umas resenhas sobre ela e todas foram bem taxativas: é uma história pesada, mas necessária de ser contada. Como foi o processo de negociação e edição de uma história tão importante?
O Golpe da Barata é um quadrinho muito importante. É uma aposta da editora. Um quadrinho que vai impactar muita gente, fala de um tema super relevante. O primeiro quadrinho escrito por uma mulher na editora e isso alivia um pouco a gente. Porque, infelizmente, o nosso catalogo era muito masculino, mas sabemos que estamos longe ainda do ideal, mas estamos trabalhando para mudar isso e trazer mais mulheres para o nosso catalogo. Foi um quadrinho super tranquilo de contratar, até porque a Gata Fernandez é autora nova, desconhecida no país, ou seja, não tem muita gente se “estapeando” (risos). Agora eu acho que vai ter mais gente olhando para as obras dela. Essa é a vantagem de olhar para onde ninguém está olhando, encontramos boas histórias de grande relevância sem grandes concorrências.
9 – No lance de publicar Che, que é um clássico do quadrinho sul americano, pareceu ser um sonho bem antigo de vocês. Essa ainda tem um texto do Guilherme Boulos. Como surgiu a ideia do Boulos criando um texto?
Eu não digo que publicar o Che era um sonho. Não sei se era para o Ferréz. Mas era uma coisa que ia acontecer, ainda mais depois de publicarmos cinco obras do Breccia no Brasil. Depois de publicar somente material inédito, e chegou a hora de fazer essa reedição. E por se tratar de uma reedição, já que ele tinha sido publicado pela Conrad em 2008, a gente queria fazer algo diferente. A minha ideia logo de cara foi chamar realmente o Boulos. O Ferréz que é muito bem relacionado é amigo do Boulos, ele então fez o convite que foi aceito prontamente.
10 – Se lembra de quando falei de “elevar o sarrafo”? Hoje em dia temos diversas editoras trazendo grandes obras e com qualidade ímpar. Além de vocês, tem a Figura, Pipoca, Skript… e umas outras que já tinham um tempo no mercado também apresentando obras que dificilmente veríamos por aqui. A concorrência é grande e boa, como consumidor eu acho muito bom isso. Como manter esse movimento sempre engrenado e que fique acessível financeiramente tanto para editoras e para os leitores?
É… hoje em dia a gente tem muita editora brigando por um dinheiro de público que é bem reduzido. A gente sabe que o quadrinho no Brasil é algo muito de nicho, mas temos o nosso trunfo que é o canal que rola desde 2015, repito, a editora não seria nem de perto tão bem sucedida se não fosse esse relacionamento estreito com o público. No canal do Comix Zone são quase 60 mil consumidores em potencial. E acho que uma editora para ser bem sucedida hoje, precisa do público e ter um material diferenciado. Mas também não adianta ter um material diferenciado se não saber trabalhar aquilo, não souber atingir as pessoas para quem o produto é destinado. Como eu disse, a editora e o canal andam juntos, mas sim o mercado fica cada vez mais concorrido a medida em que mais editoras surgem e o poder de compra do brasileiro fica cada vez menor.
11 – Qual seria o “sonho de princesa” que você gostaria de publicar pela Comix Zone?
Meu Sonho de Princesa…. já realizamos alguns, temos tantos outros que gostaríamos de realizar e que vamos realizar. Mas não posso falar porque tem editora por aí querendo “furar os nossos olhos” (risos). O que posso passar é que tem um quadrinho escrito por Mark Russell ilustrado por um brasileiro e que vamos publicar e estou muito animado. Tem outro quadrinho, na verdade é uma série contratada, escrita e desenhada por Marc-Antoine Mathieu, o autor de Deus em Pessoa, que eu sou apaixonado desde que li pela primeira vez, e que vocês mal perdem por esperar. É algo impressionante e que será publicado ainda esse ano.
12 – O Ferréz falou lá no Flow Podcast, e em algumas outras ocasiões, que o grande barato ou “missão” da Comix Zone é poder publicar coisas que passariam batidas por aqui, ou momentos da história que são esquecidas de propósito. Por exemplo, O Guarani, em todo meu ano letivo, apenas dois professores contaram esse episódio. Agora tem esse, digamos, resgate com Che de Oesterheld e Breccia. Você acha que essa é a principal “missão” da editora ou não tem nada disso, o lance é publicar boas histórias.
O Ferréz está certo! Uma das grandes missões que temos na editora é aumentar a bibliodiversidade. Não só no nosso catalogo, mas nos quadrinhos do Brasil como um todo. O maior tesão que eu tenho é mostrar para o público um quadrinhista, em um lugar totalmente estranho que ele nunca tinha ouvido falar e tornar aquele nome conhecido e desejado. O que eu mais gosto é quando alguém chega e me fala: “nossa, eu não conhecia isso e preciso desse quadrinho”. O que eu mais gosto é publicar gente nova.
13 – Vocês se tornaram a casa do Lourenço Mutarelli. E aposto que muitos leitores mais novos, nem conheciam a obra dele tanto assim. A importância de apresentar Mutarelli para essa galera mais nova é imensa. Foi algo pensado trazer o Muta desde o começo da editora e que foto é aquela lá que você postou essa semana marcando o Mutarelli? Pode adiantar algo?
Publicar a obra do Mutarelli não era necessariamente algo que passava na nossa cabeça quando a gente abriu a editora. Mas quando foi, mais ou menos, na altura do nosso segundo lançamento, alguém do nosso grupo no facebook, em um post sobre catalogo, falou: “Pô, o Ferréz é amigo do Lourenço. Porque vocês não falam com ele para republicar os quadrinhos dele?” Na hora meus olhos brilharam! Eu falei com o Ferréz, como eu disse antes, não somos de conversinha. A gente fala e faz. Falei com ele, eram oito da manhã, duas horas depois, Ferréz me retorna e fala que tinha conversado com o Lourenço e estava tudo certo (risos). Por que o Ferréz é assim. E ele é muito amigo do Lourenço. Tem muitos trabalhos, como o Capa Preta, que o Lourenço não tinha menor vontade de republicar. E ele só permitiu porque ele é amigo do Ferréz. E assim nos tornamos a casa do Lourenço Mutarelli. E em setembro teremos mais uma republicação dele que será o Astronauta ou Livre Associação de um Homem no Espaço, que tem a peculiaridade de ser um quadrinho escrito pelo Lourenço, mas que não foi desenhado por ele. O quadrinho teve um processo bem interessante que envolveu mais três pessoas além do próprio Lourenço. Foi publicado pela primeira vez pela Zarabatana e será republicado em uma edição de aniversário com muito extra bacana e um projeto gráfico que vai deixar a galera babando.
14 – E na vibe de quadrinhos nacionais, existem possibilidades de mais autores nacionais serem publicados pela Comix Zone?
Estamos com um quadrinho original sendo produzido por uma pessoa absolutamente brilhante, mas que não posso entrar muito em detalhes e outro projeto que estou louco para mostrar para vocês. E a gente pensa sim na produção de quadrinhos nacionais e vai rolar. Até porque a Comix Zone é uma editora multinacional, com o Ferréz no Brasil e eu aqui no Canadá, e quero muito licenciar quadrinhos para publicar aqui no exterior. Sobretudo na Europa, principalmente na França, Canadá e EUA.
15 – Para encerrar, meu chapa, qual os projetos do Thiago e da Comix Zone para esse resto de 2021?
Veja, eu sou um homem simples. Tudo que eu quero é continuar publicando quadrinho legal, continuar apresentando quadrinhistas incríveis para o público brasileiro, continuar vendendo gibi e fazer essa máquina girar, quem sabe em breve expandir a equipe, contratar um designer talentoso para dividir a produção comigo. Por que tá foda (risos). Mas não tenho o que reclamar, 2021 tem sido um ano incrível e espero que siga assim até o final.
Jimmy London fez a fama cantando sobre bebedeiras, brigas e roubos de caminhões em durante quase mais de vinte anos em frente ao Matanza. O seu jeito único de cantar e sua presença de palco criou uma legião de fãs a cantar as histórias do bebum acabado. Com shows históricos e performances destruidoras a banda foi uma das mais importantes nas últimas décadas. Por isso que muitos lamentaram o fim da banda.
Mas nunca é o fim para Jimmy London.
O vocalista se uniu a banda carioca Rats, que ele já tinha produzido o primeiro disco, e formou a interessante Jimmy & Rats, onde mistura Irish, Folk, um tanto de Country com o bom e velho punk rock. A banda recentemente lançou o excelente álbum Só Há Um Caminho a Seguir.
Em meio a tudo isso ele ainda se uniu com dream team do metal brasileiro como Felipe Andreoli (Angra) no baixo, Antonio Araújo (Korzus) na guitarra e Amilcar Christófaro (Torture Squad) na bateria e assim foi formado o Matanza Ritual, onde pretende reencontrar com o público da antiga banda e no horizonte tem um disco de inéditas.
E ainda Jimmy ainda é ator e apresentador! Participou de produções como a minissérie Dois Irmãos e na novela Deus Salve o Rei, ambas na TV Globo, participou do filme A Viagem de Pedro (2018) e da série Cidade Invisível da Netflix. A próxima produção será O Anjo de Hamburgo do diretor Jayme Monjardim na Globoplay. Na TV ele ainda apresentou o Pimp My Rider Brasil, na antiga MTV e atualmente está de frente ao Rock Estúdio no Canal Bis.
Aqui batemos um papo sobre tudo isso e mais um pouco. Segura aí!
1 – Uma vez você postou no seu Instagram que estava lendo Watchmen. Você curte quadrinhos e está lendo o que atualmente?
Eu me amarro muito em quadrinhos. Quando era moleque, deixava de comer no recreio pra poder comprar duas revistinhas na hora de voltar pra casa. Quando as revistas mudaram de formato, o preço ficou salgado e eu me afastei, mas continuo achando esse tipo de literatura um tesão. Algum dia eu volto a ler com frequência, com certeza. Hoje em dia a vida tá corrida pacas e os livros tem preferencia, mas também entendo que as duas artes dialogam demais. Quem já leu um livro do jack London, com certeza sabe do que tô falando…
2 – Recentemente o Jimmy & Rats lançou o seu primeiro álbum de estúdio. A banda já tinha feito alguns shows, gravados algumas músicas, mas esse é o primeiro trabalho… digamos… completo. Esse tempo todo que passou até culminar no disco, rolou um bom caminho. Esse caminho foi necessário para muitos aspectos? Como por exemplo “afinar” mais a banda em um só ideal?
Bom, eu já tenho uma historia longa com o Rats. Ajudei o Fernando com algumas composições, produzi o primeiro disco deles, então sempre me senti muito confortável com a banda. Mas realmente, na hora em que começamos a trabalhar juntos foi necessário um ajuste de expectativas e no modo de fazer as coisas.
Eu tenho um jeito muito “guerrilha” de fazer as coisas, que se adaptava muito bem a realidade do Matanza, mas no J&R os ritmos são outros e os seres humanos são ímpares. Foi preciso ter um freio de arrumação pra gente conseguir andar em passos sincronizados, mas foi ótimo pra mim também. Sempre bom lembrar que o mundo não funciona de um jeito só e que sempre há uma opção, em qualquer cenário que seja.
3- É muito visível quanto o Jimmy & Rats de completa e te satisfaz. Vi umas entrevistas suas que você está bem satisfeito e orgulhoso do trampo. Ele foi uma evolução musical para a sua carreira?
Sem duvida alguma. São novas vozes, novos instrumentos e um fim a uma “cela auto-imposta” do Matanza. A verdade é que deixávamos nos fazer reféns do estilo Matanza e a inovação tava ficando de lado. Além disso, meu som mesmo começa com Country, Irish, Folk, Bluegrass, e é exatamente isso que fazemos no J&R.
4 – O Jimmy & Rats tem uma influência de Flogging Molly muito forte. E se olharmos para a música nacional, não temos muitos trabalhos assim, apesar de termos um bom público para esse estilo. Pode-se dizer que esse caminho do Jimmy & Rats é algo novo por aqui?
Não. Aqui no Brasil nós temos o Terra Celta, Confraria e mais uma porrada de banda fazendo essa mistura de Irish e Celta aqui, nos curtimos muito isso mesmo. Talvez nos sejamos a banda que mais mistura isso com o punk rock, mas também não estamos inventando nada. Mas estamos definitivamente colocando nosso tempero nessa mistura, e fico feliz que isso seja percebido como algo único.
5 – Fiquei sabendo que o Matanza Ritual está com novas músicas engatilhadas e que um álbum de inéditas será possível no futuro. O quanto é importante para a nova banda ter um disco com músicas inéditas nesse “universo” do Matanza? É uma nova identidade ou uma repaginada do que já foi feito?
Na verdade, ainda não sabemos exatamente qual será o futuro do Ritual. O disco tá nascendo porque ele nos obrigou a ser escrito (risos).. As músicas são uma mistura completamente insana das influencias dos quatro integrantes, então acho seguro dizer que vai surpreender a maioria das pessoas.
Obvio que tem sangue de Matanza, mas também vem cheio de korzus, Angra, Torture e mais uma porrrraaaada de coisa. Melhor esperarem pra tirar suas próprias conclusões.
6 – E como foi essa montagem do Matanza Ritual? Foi algo que aconteceu naturalmente ou você chegou a escolher do tipo: “Quero esse aqui no baixo. Esse aqui eu quero na guitarra…”?
Os parâmetros eram simples: tem que tocar pra caralho e ser um puta profissional e gente finíssima. Era uma escolha pra fazer com que fosse, antes de mais nada, um enorme prazer pra se excursionar. Então não houve dúvidas, pq os três caras a bordo são dentre os melhores músicos do Brasil e do mundo, e de uma elegância ímpar.
7 – Eu acredito que a pessoa passe por uma evolução seja na vida pessoal e/ou na vida profissional. O Jimmy de hoje não é o mesmo dos tempos do Matanza. E não será o mesmo de dez anos para frente. Como essa evolução tem ajudado tanto no Rats e para voltar com algo como o Matanza Ritual?
Bom, que bom que eu evolui, né? comecei o Matanza com 20 anos, agora tô prestes a fazer 45 (essa entrevista foi realizada no dia 15/07, um dia antes do aniversário do Jimmy). Se nada tivesse mudado eu teria sérios problemas… eu acho que, hoje em dia, tenho mais clareza sobre o que quero alcançar e mais capacidade de trabalho. Acho que meu discurso também ta mais limpo, com menos interferência externa e isso me ajuda muito na comunicação com o público.
E como também tô fazendo várias coisas ao mesmo tempo, isso ajuda muito a não patinar, quando algo para de andar eu simplesmente mudo o que tô fazendo e volto depois. Costuma dar certo.
8 – Você uma vez falou que sente falta do público do Matanza, (como público do Matanza, também digo que sentimos falta), e como você acha que vai encontrar esse público? Você acha que ele chegou a se renovar?
Não sei se chegou a se renovar ainda, nao tem nem três anos do fim da banda, mas acho que essa galera vai ficar feliz quando sentir a energia que tá guardada dentro de mim pra fazer esses shows do Ritual. Como também tivemos essa sinistra pandemia, eu tô acumulando quase dois anos em casa sem tocar. Imagina quando eu puder colocar pra fora? sai de baixo, mermão…
9 – E a carreira de ator, bicho? Quem viu o Jimmy lá no início do Matanza, nunca imaginaria ver você como ator em novelas. Como está sendo esse rolê? O próximo trabalho será O Anjo de Hamburgo do Jayme Monjardim, que tem uma forte história e uma certa ligação sua por causa de uma parente próxima.
Atuar é tão divertido quando fazer shows, e isso é uma afirmação bem radical. Tô apaixonado por essa nova atividade onde os mais mínimos detalhes ficam enormes a tela e meus instintos precisam ser utilizados ao máximo. Vou ate me conter, ou acabaria falando demais sobre isso. Só digo que tá foda, uma diversão gigantesca e uma honra poder estar fazendo projetos tão importantes.
Sobre a segunda guerra, acho que é um dos capítulos mais terríveis da nossa humanidade. Eu sou judeu e minha família passou em primeira mão vários desses horrores. É essencial falar sempre sobre isso pra que não caia no esquecimento e pra que as pessoas não comecem a usar estapafurdiamente o holocausto como certos políticos tem usado. A humanidade tem capítulos drásticos: os massacres, escravidões, guerras, extermínios…
Não sei como ainda existimos, sendo um ser tao defeituoso e capaz de tanta maldade.
10 – E qual seria o sonho de atuação? Uma produção que se pudesse gravar seria a cereja no topo do bolo?
Quero muito fazer cinema, algo grandioso. Meu sonho é um puta papel num filmão estilo Senhor dos Anéis. Em breve num cinema perto de você!
11 – O lançamento do disco do Jimmy & Rats agora e as preparações do Matanza Ritual, que terá shows (se tudo der certo com a vacinação) ano que vem, enquanto isso quais os planos do Jimmy para o restante de 2021?
Tudo andando ao mesmo tempo agora! Lives pro J&R, disco pro Ritual, atuando cada vez mais, Rock Estúdio no Canal Bis voltando em breve, e mais uma porrada de surpresa vindo ai!
No início do ano começou a campanha de financiamento coletivo para Zé, HQ com roteiro de Alessio Esteves (DestiNation, Zikas) e desenhos de Bruno Brunelli (Veludo dos 9 infernos, Pontos Ilustrados). Aqui nos conhecemos parte da vida do Zé Pelintra, uma das entidades mais famosas da mística brasileira, Protetor da Boemia, dos bares e dos jogos. A entidade é conhecida pelo o visual de malandro supremo.
A obra busca juntar as mais diversas lendas sobre a sua origem e juntar em uma história única, abordando desde a sua infância difícil na Bahia até o início de sua vida adulta, no Recife, quando é iniciado na Jurema.
Agora, quase um mês depois do início da campanha, batemos um papo com o desenhista Bruno Brunelli. Onde procuramos saber mais sobre Zé, a sua importância em meio a uma sociedade que recrimina culturas e religiões e os seus planos para 2021.
1. Como surgiu a ideia para a HQ do Zé?
Faz muuuuuito tempo. Quando comecei o Pontos Ilustrados eu já tinha essa história na mente. Como o Zé Pelintra tem muitas histórias e lendas, sempre tive vontade de ler algo completo, sabe? E na época eu estava lendo bastante romances baseados em reconstruções históricas ao estilo Bernard Cornwell e Conn Iggulden, então resolvi fazer o mesmo com o Zé. Fui atrás das histórias em livros, sites, boca a boca, misturei tudo numa narrativa pra ver o que saía. E eu curti! Só que não dava pra fazer uma HQ com aquilo, e foi aí que pedi socorro pro Alessio.
2. Tanto você quanto o Alessio Esteves entendem do assunto na questão religiosa e histórica. Zé tem o intuito de levar o conceito de “popularizar” a história da Entidade?
Exatamente. Na verdade ele já é muito popular em várias mídias, e agora em HQ também. Quanto mais Zé melhor!
3. Como foi esse processo de criação? Por vocês dois serem muito familiarizados com o assunto, serem praticantes da religião, existiu muito pitaco de ambos os lados?
De minha parte foi bem tranquilo. Claro que tivemos nossos altos e baixos, né, principalmente por ser 2020. A história em si estava bem encaminhada, mas o Alessio fez MÁGICA transformando a narrativa em HQ, e com acréscimos muito importantes. Foi literalmente um trabalho em 4 mãos. “Põe isso, tira aquilo, poxa isso não achei legal, e se fizer desse jeito…” e assim foi. Aliás, aconselho perguntar pra ele.
4. Qual a importância de mídias falarem mais abertamente sobre a Umbanda em geral, mas que falem de um modo não preconceituoso e nem daquela forma que “tradicional” que costumamos ver?
De suma importância. Pô, mais fácil a galera saber sobre nórdicos do que nossa própria cultura, que é RIQUÍSSIMA. Só de ter cada vez mais artistas brasileiros por aí já é massa demais, ainda mais colocando as brasilidades à tona me deixa muito feliz. Seja no cunho espiritual, seja nos mitos populares, na cultura e no estilo de viver, precisamos cada vez mais mostrar com orgulho tudo isso.
5. Existe a possibilidade de outras Entidades receberem projetos como Zé?
TEM! É tudo que posso dizer no momento.
6. Existiu uma pesquisa de sua parte, para o visual do personagem quando mais jovem, ou para os cenários? Ou alguma inspiração em especial?
Ah sim, com certeza. Uma narrativa precisa ser coesa. Tenho rascunhos e mais rascunhos fazendo os personagens, velhos e novos, vestuário, como eram as cidades e sua vivência. A história não tem uma data oficial definida, mas se passa mais pro final de 1800 e no final do Império.
7. O que vocês estão fazendo com Zé é bem importante e pode ser um marco. Pois eu vejo como apresentar uma religião rica, que tem uma cultura muito rica também. E geralmente quando vemos religião retratadas em quadrinhos, é para apresentar uma falha de dogmas, ou caráter de quem frequenta. Existiu um cuidado de balancear essa parte de cultura e de apresentar a religiosidade sem parecer um clichê?
Na HQ a gente trata ele mais como uma possível figura histórica do que uma figura religiosa, sabe? Na verdade, a questão é mais de espiritualidade do que religiosidade propriamente dita. A exemplo de seu Zé, como dizem as lendas, ele permeia por várias “religiões” que se conversam entre si, não negando mas também não se atendo a nenhuma, como a gente mesmo faz hoje em dia. Veja se não somos um povo “católico” que se benze com arruda e ainda tem um Buda cheio de moedas na estante da sala! (RISOS). Então no final a religião serve mais para rotular algo que já nos é inato. Ele pode ser adorado na Jurema, na Umbanda, e no Carnaval (que é uma religião SIM).
8. Quais os planos de quadrinhos do Bruno para 2021?
Oficialmente, até o momento, é o Zé e sua continuação, retomar a Parte 3 de Veludo dos 9 Infernos, o Pontos Ilustrados que é um projeto eterno, e uma coletânea de um novo coletivo FODA que tá pra nascer em breve!
Para conhecer mais o trabalho do Bruno, pode acessar AQUI. E para conhecer mais detalhes, recompensas e claro para apoiar a campanha de Zé clique AQUI.
Procurando diferenciar suas publicações, a editora norte-america Image Comics começou a publicar The Walking Dead ao fim do ano de 2003, dando início a uma transição editorial que só chegaria ao seu ápice em 2012, justamente no seu vigésimo aniversário. Desde então a Image vive o que é, para muitos, seu melhor momento: Lazarus, Saga, The Wicked & The Divine… todos títulos premiados são provenientes de uma fase que teve início exatamente com a epopeia de Rick Grimes, Carl, Michonne e cia.
A obra começou a ser publicado no Brasil bem antes de seu auge comercial: Em 2006, pela extinta Editora HQM. Duas versões foram lançadas: Sob o título de Os Mortos-Vivos, vieram encadernados com seis edições mensais cada em formato menor que as versões norte-americanas. Depois foi publicada a versão mensal, já com o título original, entre 2012 e 2017.
Em 2017, após o fim de contrato da HQM e ainda incompleta, a obra foi retomada desde o início em encadernados no formato original pela Panini Brasil e, após uma frequência intensa de publicação com encadernados quase mensais, chegamos ao fim da saga por aqui, agora em setembro de 2020.
Para falar não só a respeito The Walking Dead, mas sobre vários de seus projetos que vão além dos quadrinhos, conversamos com Charlie Adlard que, substituindo Tony Moore para ilustrar os roteiros de Robert Kirkman, tomou as rédeas do traço da publicaçãoa partir da edição mensal nº 7 e só saiu na edição nº 193, justamente a última da série.
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Depois de 16 anos, The Walking Dead chegou ao fim. Essa decisão é “como deixar a casa dos pais”: Difícil, mas necessária?
Com certeza! O que mais posso dizer? Eu acho que [eu e Robert Kirkman] regemos o caminho da história em quadrinhos para um fim natural. Passamos por vários percursos e arcos de história para completar a narrativa. Eu estava começando a ficar, digamos… exausto. Exausto no sentido de não saber onde iríamos parar. Então cheguei a dizer ao Robert que, quando quer que terminemos a HQ, teríamos que acabar por cima. Não queríamos chegar ao fim quando ninguém percebesse, pois ninguém mais se importava e não lia mais a história. Fizemos uma promessa mútua que seria assim que iria acontecer.
A todo tempo durante a história vocês falavam sobre a morte, que é a situação mais desconhecida pelo ser humano, porque ninguém sabe o que de fato acontece depois. Os zumbis são uma interpretação da morte. Como é para você ter que voltar frequentemente a este assunto tão nebuloso e não deixar o leitor saturado sobre isso?
Hmmmm… bem, quer dizer… Zumbis são obviamente uma dessas coisas que você disse. Uma das coisas mais assustadoras sobre eles é isso aí. Já disse muito. É quase como… a derradeira forma de sair desse plano. Porque se pensa “[depois de morrer] olha o que vai acontecer contigo!” É um panorama muito assustador. Especialmente do jeito que fizemos. Então é… ah! Perguntinha difícil essa que você fez pra mim!
Estou aqui pra isso!
É… eu espero que, esperançosamente, tenhamos demonstrado isso, porque essa é uma HQ de terror. Não é de terror por ser um pouquinho assustadora ou chocante: Nosso terror é aquele que arrepia a mente na ideia de que, quando você morre, é isso que vem depois. É algo muito horroroso.
Falando da sua banda Cosmic Rays, onde você toca bateria, Dave Mckean declarou em um painel que não tem uma arte dominante. Ele também faz teatro, música, cinema… porque, caso contrário, fica entediado. Para você é o mesmo? Como administrar essas duas tarefas uma vez que você é quadrinista e vive com prazos bem rígidos?
Diferente de Dave, eu tenho uma paixão dominante que são as HQs. Eu acho que sou melhor quadrinista que baterista e sou o primeiro a admitir isso. Por isso provavelmente escolhi essa carreira para viver a tentar a sorte como músico. Mas, por outro lado, é ótimo ter outra veia criativa além de quadrinhos. Entretanto, o que eu faço para, digamos, contribuir a mais para esse mundo, é fazer coisas diferentes nas HQs. Sempre estou interessado em… bem: The Walking Dead claro que foram mais de 15 anos fazendo um estilo similar de HQ, depositando meu esforço na mesa de desenho e fazendo o lápis e nanquim para um determinado estilo de arte. Porém, já explorei outros mundos em outras HQs que fiz, como anos atrás em White Death, com Crayon no papel cinza. Também existem as narrativas que fiz com Joe Casey, uma batizada de Codeflesh e outra chamada Rock Bottom, essa última que teve um traço mais puro sem cores ou sinais de textura porque eu queria sair da zona de conforto onde eu usava tons mais sombrios no traço, então foi bem diferente de anos atras, no momento que eu estava produzindo White Death com Robbie Morrison…
Lá para 2004…
Isso! E agora fazendo um livro cuja produção é totalmente digital, mas uso ferramentas que emulam lápis ao invés de arte-final digital porque eu quero dar um tom mais rústico. Então, variedade é o tempero da vida. É um clichê, eu sei, mas é o que me deixa animado como meu livro Intitulado Life, esse meu trabalho é composto por desenhos sobre a vida como uma nova avenida de criatividade onde eu desenho modelos, já que você nunca aprende o suficiente durante toda a vida. Isso é muito útil.
Nesse livro você desenha modelos nus e sketches de diversas proporções. Como você o vê: Um livro de estudos, de anatomia… qual seu veredicto?
Para mim, todos nós devemos desenhar sobre a vida, não importa o quão bom você seja, pois você está sempre aprendendo…
Porque é muito diferente dos seus trabalhos anteriores!
Com certeza! Esse é um dos motivos porque eu fiz: Ser bem diferente.Me dá a oportunidade de experimentar outras técnicas, materiais… me dá outras oportunidades. O interessante também é que [nesse livro] tive um tempo limite, porque quase sempre tive que abandonar a ideia de ter uma peça mais trabalhada. É algo mais rápido e sem pensar muito. O que eu, na verdade, gosto. Quanto menos se pensa [a respeito do desenho], mais acidental fica a arte e pode terminar com algo feito em 5 minutos pensando que tal peça foi a melhor coisa que você já desenhou. O desenho de capa na versão branca foi feito literalmente em 5 minutos. Lembro de olhar e pensar “Opa, beleza! Tem uma verdadeira paixão e movimento aqui!”. Mas eu nunca replicaria algo assim nos quadrinhos, porque lá se pensa muito e se quer sempre se refinar. Então fazer esse exercício é muito bom para a alma, sabe?
Muitos artistas depois de tantos anos no mesmo título, desistem em fazer projetos mais longos. Tem planos para fazer algo desse tipo novamente ou ficará só nas capas?
Eu nunca mais vou fazer algo longo como The Walking Dead. Estou com na casa dos 50 anos, se fazer isso de novo, eu terminaria outra obra desse tamanho com… cerca de 70. Posso dizer categoricamente que não! Nunca mais vou fazer uma série regular.
Mas ainda fará páginas internas?
Estou fazendo agora em Heretic, minha nova HQ com Robbie Morrison, quer seja uma coletânea de narrativas ou uma história só. Não sei bem ainda, vamos ver. Mas estou fazendo. Sou de coração um contador de histórias, então o que eu predominantemente farei sempre será páginas internas. Sou um quadrinista, é isso que eu e outros fazemos para viver.