Construir um universo e personagens que funcionam nos videogames (ou em qualquer outra mídia) não é uma tarefa fácil. Mais difícil ainda, é carregar uma história com 15 anos de planejamento sem perder a mão. Trails of Cold Steel III é o oitavo jogo da série Trails e é o começo de um fim. A sub-série criada pela Nihon Falcom em 2004, com Trails in the Sky, possui um dos melhores worldbuilding já existentes nos videogames.
Em Trails of Cold Steel III, jogamos novamente com Rean Schwarzer, agora professor, onde lidera uma nova Class VII, ao mesmo tempo que precisa lidar com as consequências de ter se tornado um herói do Império de Erebonia.
- Uma porta de entrada para a franquia?
Vamos tirar logo esse ponto da frente. A resposta é NÃO. Por mais que a NISA, que gentilmente cedeu um código para a gente, fique batendo na tecla que Trails of Cold Steel III é uma porta de entrada para a franquia, isso não é nada mais que uma estratégia de marketing, que poderá se voltar contra para o jogo.
O jogo possui um sumário no menu inicial, contextualizando apenas os acontecimentos dos dois jogos anteriores (sem mencionar os outros dois arcos), mas é basicamente nomes sendo jogados na tela, sem nenhum tipo de contexto, o que deixa o jogador ainda mais confuso. E jogando, o resultado não é muito melhor. Então, caso queira começar a jogar Trails, esse não é um bom começo. Comece por Trails in the Sky ou até mesmo o primeiro Cold Steel.
- Um protagonista atormentado e uma nova Class VII.
Aqueles que me conhecem, sabem o quanto eu não gosto do Rean como protagonista, porém, em Trails of Cold Steel III, ele me conquistou. Ainda que esteja longe de se comparar à Estelle e Lloyd. Rean ainda continua igual a um personagem de harém tradicional dos animes, no entanto, ele é bem trabalhado nesse jogo. Seu psicológico ainda está abalado após o trauma sofrido no jogo anterior, e mesmo assim decide se tornar um professor.
Darei o mínimo de spoilers possíveis sobre os jogos anteriores, mas o fato do Rean não querer ser reconhecido durantes as viagens é algo bem utilizado no jogo. Ele odeia ser conhecido como Ashen Chevalier, o herói de Erebonia.
Sobre a nova Class VII, já começo dizendo que os novos personagens são muito melhores dos que os companheiros de Rean. Apesar de ainda serem tropes de animes, um grande problema em Cold Steel, funcionam. Acompanhar suas histórias e desenvolvimento é bem satisfatório e você se importa com esses personagens, Juna, Kurt, Altina, Ash e Musse são ótimos personagens e praticamente todos são ligados à acontecimentos prévios da franquia, e ver como esses eventos impactaram no tempo atual é recompensador para qualquer fã de Trails.
Quanto aqueles que retornam, são bem usados, para aquilo que eles se propõem.
O bonding system está de volta. Eu não curto esse sistema, muito por conta de que você perde muito da história de certos personagens, caso não passe um tempo com ele no jogo. No entanto, em Cold Steel III, eles acertaram bastante. A Falcom conseguiu reduzir bem o número de personagens com quem você interage nesse sistema e deu pontos o suficientes para explora-los.
- Gráficos ultrapassados, mas enredo de primeira
Quando se joga um game da Nihon Falcom, você não espera que eles tenham um gráfico de última geração e em Cold Steel III isso não é diferente. Os gráficos são superiores aos dos últimos dois jogos, que saíram para PS3 e PS Vita, mas se comparar com outros JRPGS saídos na mesma época (2017), ele fica bem abaixo. E isso não só para os personagens em si, mas para o ambiente. Em TVs com mais qualidades é possível ver falhas nas texturas.
A gameplay é basicamente a mesma dos outros jogos. Não há muitas novidades aqui além das Brave Orders, que são comandos para dar buffs na party. Lembra bastante a função de suporte em Trails in the Sky the 3rd. A HUD de batalha é claramente inspirada em Persona 5. Os fãs mais antigos podem estranhar no começo, mas é fácil se acostumar.
A pescaria está de volta, agora com um sistema diferente, em vez de apertar rapidamente os botões, o jogador tem que pressionar o círculo e calcular o timing para capturar o peixe. O minigame de cartas agora é o Vantage Masters, onde o jogador tem que derrotar o mestre adversário. Há diversas cartas de buff e skills que ajudam na batalha.
Agora, em termos de roteiro e worldbuilding, Cold Steel III possui uma das melhores histórias dos JRPGs atuais e um dos melhores da franquia. O jogo é estruturalmente parecido com o primeiro: dia livre, estudo de campo, sidequests mundanas e então história principal. A diferença é que o jogo possui um ritmo melhor e não é cansativo. O primeiro Cold Steel demorava muito para “engatar” enquanto tentava apresentar os personagens.
A trilha-sonora, outra grande marca dos jogos da franquia, estão de volta arrasando mais uma vez. Há músicas que irão deixar os fãs mais antigos engolindo seco e de olhos molhados. Mas no geral, ela é a mais fraca até então.
- O mundo de Trails
Um dos pontos mais chamativos de Trails é o seu mundo. São 9 jogos no total (já contando Sen no Kiseki IV, que em breve chegará por aqui, EU SUPLICO NISA) e em todos eles somos capaz de vermos NPCs tão vivos quanto os personagens principais. Ver como eles reagem aos acontecimentos do jogo é magnífico, cada um deles tem algo para dizer, e você não sente que são apenas falas automáticas e clichês, como vemos em outros JRPGs e ou muitos dos jogos ocidentais.
Tudo está conectado de alguma forma, não são apenas referências jogadas aqui e ali, como em filmes da Marvel. Tudo isso se perde se você começar a jogar Trails por esse jogo. Simplesmente ficará perdido e sem entender grande parte dos diálogos.
Em termos de localização, ela está bastante funcional. É difícil falar concretamente, por conta do meu inglês não muito bom, mas eu consegui passar 90% do jogo sem precisar procurar alguma palavra. A tradução ficou bem simples. Por outro lado, alguns termos da franquia em si foram alterados. Não sei se ficaram assim para sempre ou se irão corrigir em alguma atualização. A equipe de tradução é praticamente a mesma dos jogos anteriores, e creio que devem se pronunciar em breve quanto a isso.
- Edição definitiva?
Há algumas novidades em comparação ao lançamento japonês, entre elas a presença do modo turbo, que acelera a velocidade do jogo, reduzindo o tempo da exploração nas dungeons e campo aberto. Outra novidade bastante bem-vinda, é a possibilidade de carregar seus níveis para o New Game+. No jogo original não era possível fazer isso, tendo que começar do nível 0.
No entanto, assim como o original, o jogo possui quedas de framerate, tanto no PS4 normal, quanto no PS4 PRO (segundo pesquisas), na parte final do jogo. Não é nem culpa da NISA em si, mas sim da Falcom.
Trails of Cold Steel III é um reflexo de um mundo bem construído. Traz personagens marcantes, retornos inesperados e momentos emocionantes. Além de um final de deixar o queixo caído.
O jogo foi testado em um PS4 normal. Agradecimentos à NIS America pelo envio do código para review.
Pontos Positivos:
Roteiro impecável.
Personagens bem escritos.
Trilha-sonora.
Bonding system funcional.
Pontos Negativos:
Framerate instável na parte final do jogo.
Marketing da NISA sobre ser uma porta de entrada.
Platina – Obrigatório