Dirigido pelo experiente Paul Thomas Anderson, e estrelado pelo lendário Daniel Day-Lewis, Trama Fantasma não é um filme fácil de se assistir. Seja pelo seu desenvolvimento lento durante duas horas, pela própria técnica do diretor em expor os elementos cinematográficos com precisão ao abusar de planos mais parados e longos, ou até mesmo pela jornada contemplativa romântica e dramática percorrida pelos protagonistas, Reynolds Woodcock e Alma. Seria o amor, o verdadeiro objetivo que toda a humanidade almeja conquistar? Encontraremos o molde perfeito? Para chegar a essas perguntas seria necessário meses de discussão sobre ilusões, obsessões e consequências que esse doce e ameaçador sentimento pode acarretar.
Reynolds Woodcock é um estilista renomado e severo em seu trabalho, além de ter uma sossegada vida pessoal. Quando este conhece Alma em um pequeno restaurante, se dá a impressão de que a peça que faltava nele se personifica na jovem moça. Depois que ambos se conhecem, seus estilos de vida demonstram contrariedade de um com o outro, até as consequências e os problemas dessa relação se tornarem expostos e difíceis de se administrar. Quanto ao psicológico de cada personagem, Thomas Anderson se prova mais uma vez eficaz ao ter controle absoluto de suas criações artísticas. Na primeira aparição do estilista, é notável a exploração total de seu local de trabalho: as mulheres que trabalham para ele respeitam regras de comportamento, andando organizadamente; as paredes são predominantemente brancas; e a luz consegue transmitir um senso de maior seriedade, sistematização e trabalho no ambiente.
Já na primeira aparição de Alma, percebe-se que ela está usando uma roupa de garçonete predominantemente vermelha, dentro de um restaurante azul com janelas iluminadas pela luz embranquecida, dando um ar de leveza e serenidade, contrastando os perfis dos protagonistas. Ao criar tal controle, o diretor encaixa perfeitamente sua bipolaridade: trabalhando com o romance e a melancolia ao mesmo tempo. Enquanto há momentos que os personagens se apreciam e tentam se entender, há outros que – com o auxílio da fantástica trilha de Jonny Greenwood (consegue captar a essência das passagens) – isolam eles por completo, criando um vazio interior e uma barreira exterior.
Vazio e barreira criados pelo conflito entre as abusivas regras do personagem de Daniel Day-Lewis, um dos atores mais completos existentes hoje em dia. Não só pela pesquisa e a preparação para com seus personagens, mas à habilidade de criar traços próprios e únicos em seus papéis: o movimento irritado com a boca, a delicadeza ao mexer com os tecidos das roupas e os picos de nervosismo provam isso. E quando as regras do silêncio no café da manhã e da dedicação completa ao trabalho são quebradas por Alma – Krieps ficará para a história com essa atuação – as consequências surgem no mesmo ritmo em que a inibição da liberdade individual de ambos acontece. O verdadeiro significado da expressão “cego por amor”.
Contudo, Trama Fantasma não usa o amor só como foco narrativo, mas também como uma ferramenta de roteiro para tecer críticas severas ao comportamento social e preconceituoso. Não é apenas sobre o “molde” de uma alma gêmea ou de uma simples roupa, mas sobre a injusta meritocracia predominante, que será a causa para as perspectivas errôneas que podem reclamar sobre a trama ser machista e divisora. NÃO. Isso é uma análise crítica do próprio Paul Thomas Anderson, praticando um exercício no roteiro ao injetar diálogos e continuidades que tratam diretamente sobre o assunto.
Por exemplo; quando Woodcock está conversando com Alma logo após o primeiro encontro: “Acho que as expectativas e suposições dos outros que nos causam mágoa”, já referencia o que possa acontecer no prosseguimento da história. Mais adiante, e que promete ser uma das cenas mais fortes do longa inteiro, é quando sua empresa necessita costurar um vestido de casamento para uma mulher (Barbara Rose) “fora dos padrões das clientes que aparecem naquele ateliê”, mas que como esta tem dinheiro e de certa forma parece sustentar os custos dos vestidos, ela se torna ACEITA por seu capital. Logo depois de receber o vestido para cerimônia, Rose começa a se comportar de uma forma antiquada para os padrões de se estar usando um vestido daqueles, se tornando excluída definitivamente devido suas ações quando Alma conclui sobre a vestimenta: “Ela não o merece”.
Se há vários pontos temáticos que comprovam o motivo de Paul Thomas Anderson ser um gênio da atualidade, não se pode esquecer do tratamento técnico na maquiagem e no figurino dessa obra. Tanto para com os próprios cabelos de Day-Lewis, que quando bagunçados parecem refletir a vulnerabilidade do personagem, até as fantásticas roupas sofisticadas que dão um glamour a parte na triste e apaixonante jornada. Os riquíssimos detalhes denotam profissionalismo e cuidado na preparação da ambientação e do impacto visual.
Trama Fantasma é a provável porta de saída de Daniel Day-Lewis, que mostra a toxidade do amor contemplativo e puramente cego. Na tentativa de exercermos sob o outro nossas vontades e desejos, estamos apenas o afundando junto a sociedade segregada e hipócrita. Uma última lição importante e duradoura, deixada por um dos maiores atores do século.
“Beije-me, minha garota, antes que eu esteja doente.”