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Vlad Love é uma declaração de amor ao caos

Clichês são, de certa forma, o ápice da literatura. Afinal, para que algo se torne um clichê, ele precisa ser usado à exaustão, e só existe um motivo para quererem usar algo tanto assim: Essa coisa precisa ser boa. Quando chegamos no patamar de clichê, porém, a necessidade de inovação se torna maior e mais importante, fazendo com que mudanças e reviravoltas precisem ser adicionadas ao seu roteiro. Um exemplo clássico disso são as velhas histórias de vampiro. Desde “The Vampyre“, tivemos diversas pessoas tentando fazer algo novo: Bram Stoker, Stephenie Meyer, Jorge Fernando…

E como o nome sugere, “Vlad Love” é uma história de vampiro. Ao menos, é a ideia que ela tenta te passar. Só que dessa vez, o destaque está na reviravolta que precisa existir para saírmos do clichê: Existem coisas pequenas e existem coisas grandes. Existem coisas enormes, e existem coisas colossais. E, acima de tudo isso, existe seja lá o que aconteceu nesse show.

A sinopse e o trailer, ambos cortesia da Crunchyroll:

Mitsugu Bamba é viciada em doar sangue, e visita bancos de sangue tão frequentemente que chega a atrair a inimizade das enfermeiras. Certo dia, Mitsugu encontra uma bela garota que parece ter vindo do exterior. Ela é tão pálida que parece prestes a desmaiar, então Mitsugu decide levá-la pra casa…

Para entender o que, e principalmente, o como isso sequer saiu do papel, precisamos conhecer o responsável (ou “culpado“, se preferir) por tudo: Mamoru Oshii.
Atualmente o meu diretor predileto, esse homem é responsável não apenas por títulos que você conhece, mas também por difundir uma boa parte dos diversos esteriótipos de animê que são usados até hoje.
Como cineasta, dirigiu filmes que quebraram recordes, como Ghost in the Shell (1995, com sequência em 2004) e Patlabor (1989, com sequência em 1993). Para o nosso contexto, porém, creio que seu maior mérito esteja em Urusei Yatsura, animê de 1981, que é a própria definição do gigante naquela famosa frase de Isaac Newton, sobre “ver mais longe“.
Se esses nomes não te deram contexto nenhum, significa que você não está familiarizado com esse lado da internet, e, muito provavelmente, “Vlad Love” seria um baque grande demais pra você suportar.

Por mais incrível que possa parecer, esse nem é o clube mais esquisito da escola

Aí você pega um diretor que, pelo histórico que tem, sabemos que gosta de fazer coisas absurdas e impensáveis… e dá a ele carta branca para fazer o que ele quiser, do jeito que ele quiser. Como foi um animê completamente patrocinado por uma única empresa privada, Mamoru Oshii recebeu o dinheiro e teve a liberdade de simplesmente fazer o que diabos ele tivesse afim. Ele não precisava ser coeso, ele não precisava criar algo que fizesse sentido. Ele podia apenas fazer por fazer. A habilidade – e, talvez, a possibilidade – de criar tantas tangentes quanto ele quisesse é, indubitavelmente, a própria essência de o que é o “caos“. E a frase anterior é pomposa de propósito.

Não vou contar tudo o que acontece na animê, para você ainda ter a chance de viver essa experiência surreal em primeira mão, mas só para te dar uns exemplos: Temos desde referências a quadrinhos avant-garde da década de 60; pausas de vários minutos para ler artigos da Wikipedia sobre assuntos diversos; Escolhas artísticas e visuais que são ousadas até mesmo para o próprio Mamoru Oshii… São coisas tão absurdas que quando chegamos na violência gratuita, nas quebras de quarta parede e nas piadas com direitos autorais, elas parecem até normais demais.

Por mais incrível que possa parecer, essa nem é a pausa para ler um artigo da Wikipedia mais esquisita do show

O resultado é que, em sua essência, Vlad Love não é uma história. O animê é apenas um delírio coletivo, uma alucinação liderada por um homem louco e que não tem nada a perder, e que está disposto a entregar uma experiência surrealista e irracional para qualquer pessoa insana o bastante para querer recebê-la. Ao abraçar o caos em sua mais pura forma, o show se torna a própria definição de “comédia“, ao ser completamente impossível de se prever, tal como dita o terceiro princípio do gênero.
E, se não conhece os três princípios da comédia, um outro show pode te apresentar ao conceito: “A Destructive God Sits Next to Me“.

Assim como uma seita, é preciso aceitar a doutrina completamente sem pé nem cabeça e se tornar um seguidor fanático. Sem essa aceitação, o animê simplesmente não funciona, e por isso, ele acaba sendo extremista: Ou você o ama religiosamente, ou você o odeia tanto quanto o diabo odeia a cruz. Se você acha que gosta de humor absurdo e nonsense, Vlad Love é, com certeza, um teste para ver se isso é verdade.

Por mais incrível que possa parecer, essa nem é a quebra de quarta parede mais esquisita do animê

Se acredita que é verdade, eu não poderia recomendar mais esse show, que, acredito eu, foi o responsável por queimar o resto dos fusíveis que eu ainda tinha funcionando na cabeça. E eu os queimaria novamente com o maior prazer.

Caso seja o seu tipo de animê, a única avaliação possível para “Vlad Love” é Diamante. Mas só se for o seu tipo de animê.
Você pode assistir “Vlad Love” completo na plataforma de streaming Crunchyroll, com legendas em português.

Por Vini Leonardi

Cavaquinho na roda de pagode da Torre. Químico de formação, blogueirinho por diversão e piadista de vocação. "Acredito que animês são a mídia perfeita para a comédia, e qualquer tentativa de fazer um show sério é um sacrilégio", respondeu ao ser questionado sobre o motivo de nunca ter visto Evangelion.